Rui disseram-me: As crianças são o futuro!


Quando hoje começaram a chegar, vinham com um sorriso de orelha a orelha, ansiosos por mais um dia de brincar. Mas hoje, o dia era diferente (dizem os entendidos ou aqueles que se lembram do brincar e das crianças neste dia!)

Os sorrisos rasgados vinham a toda a pressa, entravam na sala acompanhados de um bom dia e de um abraço quente, cheio de saudades, cheio de afeto e de sentir que queremos estar todos aqui, juntos. Ainda ontem aqui estivemos, mas estes abraços renovam este sentimento diariamente e não os podemos desvalorizar. São sinceros.

Vem um e logo depois outro. Entram e espalham-se pela sala a fazer o que nós chamamos brincar, aquilo que deveríamos valorizar hoje, no dia das Criança e nos restantes dias do ano.

Aquelas pequenas mãos agarram legos, quantos conseguem, outros até caem, porque a carga passou o limite de carga. Aquelas mãos que me abraçaram, aqueles braços que me apertaram são agora os braços e as mãos que constroem e tentam, a todo o custo, tornar real o que imaginaram. Tentam desconstruir um mapa mental, extremamente complexo, do que idealizaram para concretizar o seu brincar.

Na sala há agitação, a agitação natural, com burburinhos, risos, gritos, tudo o que existe num dia normal. Num dos cantos da sala transportam-se bonecos, abraçados como se dos seus filhos se tratassem, acompanham-nos esse bonecos a família inteira que acabaram de imaginar, de construir, de vestir os papeis sociais. Esta socialização fabulosa leva a que se desenvolva o brincar cooperado, em grupo, que promove as suas interações, as suas relações, mas mais do que isso, o sentir que estão a imaginar, construindo um cenário afastado da sala do Jardim de Infância.

Durante este observar, tão importante nos adultos, há alguém que se aproxima sem se fazer notar. Não quer brincar com os outros e quer-se sentir, apenas, acolhido no colo, nos braços e no afeto. Esta relação que criamos desde o início do ano, leva-nos a sentir cada um deles como uma parte de nós, como uma parte interessada em mostrar o poder da relação. Em silêncio abraça-me. E eu retribuo. Por vezes, estes pequenos momentos passam-nos quase despercebidos, mas são momentos que nos ajudam a olhar para o interior de cada um e a sentir que, de facto, o caminho que percorrermos, é um caminho que não pode estar afastado do afeto.

Ser criança é ser feliz. Diz-se por aí, lê-se por aí em tantos dísticos, cartazes, etc… é de facto! 
Mas devemos tornar consciente que o dia que se celebra hoje, é um dia multiplicado pelos restantes 365 dias, porque os Direitos das Crianças devem ser recordados todos os dias, assim que entramos na escola e fora dela. É sensibilizarmos as famílias para os direitos destes pequenos seres, seres de afeto, com vontades, desejos, sonhos! É sermos conscientes de que somos e seremos os potenciadores e nunca os obstáculos! Mas ainda assim, que se celebre este dia como nunca, mas que o vivamos nos restantes dias.

O pequeno que me procurou, já se cansou do colo e do abraço. Partiu agora num caminhar , aparentemente, sem rumo. Desloca o olhar ao longo da sala, na tentativa de perceber com quem irá estabelecer mais um momento de relação, de brincar, de se aventurar no mundo da imaginação e da criatividade.

Logo depois, uma pequena junta-se a mim e começamos a conversar. Quão ricas se tornam estes momentos individuais, estes momentos de atenção, de confidências, de confiança. Conversamos sobre o dia de hoje, sobre o que é ser criança, do que gosta de fazer e de como se sente. Começam-se a juntar a nós e a conversa, que não estava planeada, é alargada a um grupo de crianças que mantém o interesse no assunto. Este escutar é tão importante, como a relação de afeto que criamos. Aliás, são dois polos que se interligam e que não podem ser vistos de forma isolada. (Reforço, na Educação de Infância nada pode ser visto de um modo isolado!) Estarmos despertos para esta escuta, sincera, é sinal de que, ao longo do tempo, nos tornámos uns verdadeiros elementos que escutam e fazem senti-los ouvidos.

A conversa continua, dão a sua opinam, ouvem e falam, quando assim o acham pertinente. É uma conversa que não terá registo, que não será acompanhada por uma fotografia ou por um desenho. É uma conversa que tem como registo as suas memórias, a minha memória. E esses registos, esse construir cooperado é difícil de conseguir de um modo provocado. Mesmo não sendo um momento planeado, não deixa de ser um momento tornado intencional.

Sentir que pertencem a este grupo, a esta conversa e dar-lhes a oportunidade de a dirigirem, é construir o respeito pelo outro, a capacidade de falar, de criticar, de escutar, de apoiar, de fazer sentir o que os outros sentem. Esta profissão que vive do coração, torna-se verdadeira nestes pequenos momentos, dando-lhes o sentido, viver cada momento de um modo especial.

Este envolvimento que se torna natural, leva a que todos, os que participam, queiram continuar. A conversa segue, sem destino. Conversamos, apenas.

O espaço vai alargando e os participantes aumentam. Já estamos sentados no chão, enquanto outros continuam a correr e a brincar pela sala. Passámos a manhã na rua, vimos animadores que tornaram este dia ainda mais especial. Mas continuamos e a conversa não para. 
Surge um dedo no ar e expressa-se, sem entender bem o que diz, Rui disseram-me: As crianças são o futuro!

Uns respondem e dizem que são porque vão para a escola do 1º ciclo (os mais velhos que já começam a sentir o peso que lhes colocam em cima). Outros riem-se e não sabem bem o que aquilo quer dizer. Outros olham, simplesmente. Eu explico-lhes, vão crescer, vão ter um trabalho que fará com que todos sejam precisos, onde todos continuamos a ser aquilo que somos na escola: responsáveis pelas tarefas, preocupados pelos outros, com conhecimentos importantes para resolver os diferentes problemas, vão ser todos necessários. Vão ser adultos. 

Neste dia da Criança quão importante é transmitir esta mensagem, todos vamos ser importantes, todos somos importantes e todos temos valor.

A nossa profissão é um espaço de envolvência, de cooperação, que promove o sentir, o sonho, a realização, que os ajuda a acreditar neles próprios e a ultrapassar as dificuldades. Neste dia, temos o dever de os abraçar e de os fazer sentir que os direitos que eles têm são a nossa maior preocupação neste dia, e nos restantes 365 dias.

No dia de hoje abraçaram-me, sorriram-me e disseram-me que eu era um bom professor. Eu respondi-lhes que sou um bom educador, porque tenho bons alunos, que somos todos importantes e gostamos todos uns dos outros. Disse-lhes ainda que, amanhã, iremos continuar a festejar o Dia da Criança. No dia seguinte, continuaremos a festejar este dia.

Como assim Rui? Pergunta uma pequena a rir-se.

Porque todos os dias é o Dia da Criança. Porque todos os dias quero que sejam felizes. Porque todos os dias são importantes nas vossas vidas, para continuar a sonhar, a imaginar e a brincar.

Porque todos os dias eu penso, as crianças são o futuro, e é agora que temos de cuidar dele, não quando o futuro chegar.

#umacaixacheiadenada 

Rui Inácio

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Comentários

  1. E é isto mesmo Rui. Todos os dias são dias da criança e o futuro tem de ser cuidado hoje e em cada dia porque todos são especiais. Mais uma vez as tuas partilhas acertaram em cheio!

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  2. Hoje revi-me completamente nas suas palavras!!
    As crianças são o futuro, mas também o presente e um presente, são a nossa razão se ser ( educadores de infância) e continuam a maravilhar-me todos os dias!!
    Bem hajam as crianças!!

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  3. Muito, mesmo muito obrigada!

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