Vão em grupo, sem bibes e sem chapéus de uma só cor

As paredes desmoronaram-se e mostraram que, lá fora, há um mundo de explorações à nossa espera.

As janelas deixaram de existir e deram lugar a árvores, ramos e folhas.

As portas de madeira, que fecham a sala, abriram-se sob o olhar atento dos mais pequenos e, lá fora, os pés encaminham-se a passos largos e apressados rumo à aventura, rumo à curiosidade, rumo à exploração.

Encaminhados pelo sol, saem da sala na esperança de que as adaptações continuem, na esperança de que a rua lhes traga mais experiências que não podem ter na sala, na esperança de os alertar para tudo o que está à sua volta e, assim, a rua seja o prolongamento da sala, seja valorizado e considerado como um espaço pedagógico rico em aprendizagens.  

Porque continuamos a insistir em nos mantermos fechados em salas, quando o sol nos convida a espreitar cada canto?

Como diz o Professor Carlos Neto, “Hoje em dia passeiam-se mais os cães do que os próprios filhos.” É, de facto, uma verdade.  

Nas creches e nos jardins de infância, a tendência é de isolar as crianças do mundo que os rodeia. A tendência é fazê-las olhar por uma redoma de vidro e, desta forma, mostrar-lhes o que está depois daquelas janelas. 

No fundo, ficamos escandalizados pelo conteúdo da frase, pela sinceridade e pela assertividade que a mesma assume. Mas assumimos, exatamente, a mesmo postura enunciada!

Preocupados, com os trabalhos a fazer, com os registos intermináveis a criar, pela criação de temas semanais, envolvidos pelos dias festivos, deixamos esta prática de “ir à rua” para segundo plano e acabamos por fazer parte deste complô. Acabamos por eliminar os tempos de exploração ao ar livre e a capacidade de criar oportunidades no exterior, acabamos por aprisionar os mais pequenos.

Mas estamos no outono e há a necessidade de ensinar conteúdos relativos às estações do ano. Levamos roupas típicas do outono, tais como camisolas mais grossas, casacos, meias, calças,… e não podemos esquecer: calções, t-shirts, chinelos… que no fundo, até são roupas que poderemos utilizar no outono!

Apesar do sol continuar a brilhar, os registos do outono têm de continuar, em sala. As pinturas com as folhas das árvores que, de forma empenhada, os adultos apanharam antes de irem trabalhar, estão prontas para serem exploradas. Mas,… e a rua?

De forma constante, criticamos, apontamos o dedo para práticas que remetem para as novas tecnologias, defendendo de que, o uso de telemóveis, tablet, pc, tv’s se torna excessivo, e não os leva a cheirar o ar da manhã, ou da tarde, não os leva a sentir a rua nas suas peles, exageradamente protegidas. Mas… está sol e eles estão, novamente, fechados. E, sentados, fazem um desenho de um belo dia de outono, um dia cheio de sol, em que as árvores começam a deixar cair as folhas, em que as tonalidades das folhas começam a mudar, em que tudo o que se desenha é, apenas, observado pela janela da sala, ou fruto da imaginação.

Hoje saímos e, na mata, andaram a observar tudo o que podiam: observavam as casas, perto e longe, as árvores que aos poucos iam deixando cair as suas folhas e, cheios de individualidade e personalidade, passeavam-se ao sabor da sua curiosidade e da sua vontade de explorar.

Vão em grupo, sem bibes e sem chapéus de uma só cor, caminham, alguns com passos acelerados, outros de forma mais calma e tranquila. Apontam, chamam a atenção para pequenas curiosidades que vão observando. Vão revelando a capacidade de reconhecer o espaço, vão mostrando o conhecimento daquilo a que se chama, orientação espacial…

Mas vão em grupo e felizes.

Vão com roupas coloridas, vão com chapéus coloridos, vão a ser eles próprios e, para mim, isso é o importante, é o que basta.

Um pequeno passeio à mata, fá-los apenas ser, ser indivíduos com personalidade, ser indivíduos com interesses, indivíduos com poder de escolha.

E, longe das correntes, caminham alegremente rumo às explorações livres, rumo às explorações ao ar livre, rumo aos seus interesses e curiosidades, rumo às suas necessidades. 

Nós acompanhamos e apoiamos este crescimento. 
Nós permitimos que caminhem e sejam, como gostam, crianças felizes, sem bibes iguais e sem chapéus da mesma cor.  ´

O que fariam os adultos se fossem obrigados a utilizar roupa igual, chapéu igual, sapatos iguais e, assim, deixassem de ter a sua personalidade e a sua individualidade?

Se entendemos para com os adultos, porque não poderemos entender para com as crianças?

Sejamos coerentes, sejamos capazes de olhar com pedagogia, sejamos capazes de justificar as nossas opções. 

Sejamos educadores que dão resposta à individualidade e à personalidade de cada um… 
Sejamos aqueles que olham para cada criança de forma única e não de um modo uniforme, de um modo padronizado e estereotipado.

Sejamos, simplesmente, capazes de nos desafiarmos a isso… nada mais!   


#umacaixacheiadenada

Rui Inácio

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