Saem como se de um rebanho se tratasse, guiados por um pastor


Saem da sala, vão em fila, ordenadamente, e a respeitar tudo o que os adultos dizem. Saem como se de um rebanho se tratasse, guiados por um pastor e protegidos à retaguarda pelo cão de guarda. Caminham de forma calma, tranquila, vão observando, cuidadosamente, o que está à sua volta, nomeadamente, a cabeça dos colegas que estão à sua frente.  

Definem-se os pares, que tanto trabalho dá e, assim, fica resolvida a questão do comboio,  em que, elegemos a parelha para o ano inteiro. Desta forma, tornar-se-á mais fácil  a nossa organização. Este facto, torna-se de extrema importância para permitir que se desenvolva a socialização, apenas com aquela criança, até quem sabe, poderão tornar-se nos melhores amigos.

Saem da sala e vão para o refeitório, mais uma vez, em fila, agarram no bibe de quem está à sua frente e a caminhar com um passo lento, a postura que assumem, faz lembrar as famílias de elefantes que agarram os rabos dos seguintes com as suas trombas. 

Não se pretende nada mais, do que exista a deslocação da sala para o refeitório e nesse percurso, nada há a aprender, nada há para ver. Alias vê-se, veem-se as cabeças de quem perseguem, de quem se encontra à sua frente, e ainda,  se permite que vão melhorando o andar. Tudo se torna mais fácil, se no caso da creche, cada um vá sentido os puxões do colega de trás no próprio bibe, isto leva a que o desafio de andar seja ainda maior e o esforço seja triplicado por todas as adversidades que encontra. Mas claro, tudo em prol da organização do grupo, da organização que o adulto pretende  e, sejamos sinceros, só essa será funcional! 

É evidente a necessidade da existência de uma organização, no entanto não tem de ser necessariamente dois a dois, três a três, ou em fila, têm sim,  de ser definidos parâmetros em que todos sintam os cuidados a ter, sejam eles mais pequenos ou não. 

Mas se os longos corredores são apenas estradas cheias de buracos que nos fazem andar com todo o cuidado, de forma lenta e pausada, e se possível agarrados, como poderemos nós dar a oportunidade a estes pequenos de ganhar destreza de movimento e agilidade? São filas e comboios que condicionam o movimento de quem está ao lado, de mão dada, ou atrás e que teima em não largar o bibe!

Andar em fila, a par, ou de forma individual sempre foi uma preocupação de todos, no entanto, o esforço diário para que isso aconteça, leva a que ao invés de ser um momento organizado, não seja mais do que um momento de frustração, de isolamento social, de isolamento do que os rodeia, porque a verdadeira curiosidade, inata nos seres humanos, é ceifada nos momentos que se pretendem de exploração, de alerta para o mundo que os rodeia e para todas as suas curiosidades e interesses. 

De forma incessante alertamos para se olhar para a frente, que por sinal é a cabeça dos colegas. Alertamos para se ter cuidado com os pés e que caso sigam em "fila elefante", nem sabem onde os colocam. Com isto, passamos o passeio, ou o momento de transição a gritar e a fazer com que todos sigam as regras que se  organizar estipularam para o comboio! 

De forma constante, valorizamos o que não devíamos valorizar. De forma constante, perdemos a capacidade de refletir na forma de agir e naquilo que é proposto diariamente. De forma constante perdemos a capacidade de escuta e de observação, porque fica muito bem  passearmos na rua com um grupo que vai em fila, de mão dada, aparentemente, organizado e a aproveitar aquele momento!  

Como todos os dias, saíram da sala e vão, desordenados, a olhar para os lados, para as paredes, para os outros, através das fotos. Vão relembrando algumas situações que já viveram e que estão ali expostas e vão caminhando, a diferentes velocidades. 

Vão em "fila", desordenada, mas com o objetivo definido e claro, atentos ao que os rodeia. 

Seguem em "fila", um pouco estranha, e que por sinal, não se chama fila... Eu sigo com eles, ora na frente, ora no meio, ora onde me for permitido estar. Sigo com o objetivo de mostrar, que apesar de caminharem de forma desordenada, podem socializar durante este tempo, podem olhar para onde quiserem, podem ser aquilo que são, podem estar onde querem estar. 

No fundo a nossa fila desordenada sabe onde tem de chegar e essas competências vão sendo adquiridas, vão fazendo com que as nossas "filas" sejam ricas de tudo. 

Vamos em "filas"... desordenadas... a diferentes velocidades... diferentes das famosas "filas de elefantes" que seguem ao mesmo passo, agarrados, sem permitir que se desafiem a mais. 

E porque este momento de transição de espaços também é tão importante, vale a pena perder tempo a pensar e refletir nisto, afinal o que pretendemos criar nas famosas "filas" que fazemos? Fazemos "filas".. desordenadas, mas cheias de tudo.

#umacaixacheiadenada 

Rui Inácio 

Se gostou de ler, poderá gostar: Vão em grupo, sem bibes e sem chapéus de uma só cor


Comentários

  1. Respostas
    1. Momentos de mudança de espaços físicos são maravilhosos para criar uma pequena aventura, uma inacreditavel viagem! Já fomos pássaros, índios, grilos, o vento, já fomos um comboio, um grupo de soldados, já fomos em grupos de três, ou simplesmente fomos a cantar ou a conversar.
      O que mais importa não é como o fazemos, mas sim a quem damos voz.
      As crianças não são uma tábua rasa, as crianças têm o poder da imaginação e de um mundo cheio de possibilidades.
      Só acreditando nisso é que os conseguimos ouvir, dar voz e caminhar lado a lado.

      Isto porque, ao ler as tuas publicações, não me sinto tão só 😥

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    2. Obrigado Sandra pelo teu comentário! Importante mesmo, é criarmos momentos, em que se possa conversar e refletir acerca das temáticas que vão sendo apresentadas! não pararmos, e continuarmos a ser educadores que refletem nas práticas, nos interesses... :) obrigado pelos teus comentários!

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  2. Sofri tanto por causa deste assunto. Fui vilmente criticada por colegas pelo facto de não andar com as minhas crianças em comboio nem no interior nem no exterior. E desde muito novas que aprenderam a saber circular cumprindo a regra do não afastamento do grupo. Cada uma ao seu ritmo, fazendo as suas observações, tomando as suas precauções, orientando-se no espaço.

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    1. Obrigado pelo seu comentário! Como costumo dizer, importante mesmo, é termos a capacidade de olharmos para o que fazemos, e sabermos justificar cada passo que damos! :)

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  3. E com a maior das facilidade se ouve...que grupo indisciplinado!! Com 5 anos e ainda não sabem fazer um comboio com "cabeça atrás de cabeça". Obrigada por mais esta partilha.

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  4. Uauuu adorei, pensei que era só eu que não achava de grande importância pedagógica está forma de organização... Tds os dias íamos de formas diferentes... Espetacular

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  5. Por mais educadores assim. Por mais direções e coordenadores que deixem que existam educadores assim. Às vezes é desgastante ser a ovelha negra e lutar contra as marés... É desgastante mas tão compensador!

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  6. Pois por vezes eu também sou criticada quando o meu grupo de 1 /2 anos vai pelo corredor fora sem comboios, sem dar as mãos... sim, vão ao seu ritmo, se der a mão a outro colega q o puxe vai cair, se for no comboio e um deles tropeça, caem todos, não conseguem sequer ver e explorar o espaço escolar... sim, vão livres pelos corredores , param, olham à sua volta, fazem o reconhecimento do trajecto de forma individual, respeitando o ritmo de desenvolvimento de cada um. Não, não fogem nem se afastam!!!
    Pior... é ter-se formação sobre esta questão, concordar e não colocar em prática...
    Obrigada pelas reflexões caro colega!!!
    Obrigada Rui

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  7. Lindo... sou também contra "os cordeirinhos" guiados pelo "pastor"... faço isso na escola em jeito de jogo... andarr em cima de uma marca no chão (por exemplo, marcas de campos de jogos na escola), mas em saídas eles têm que ter a responsabilidade de se comportarem corretamente mesmo sem ser em filinha... lembro de um desabafo de um colega educador há mais de 25 anos que pediu aos meninos registarem em desenho uma visita de estudo a uma vacaria. Um dos meninos desenhou "bolas" com "riscos" e quando o efucador perguntou que registo era aquele... a criança disse que eram as cabecas dos colegas... foi isso o que ele conseguiu ver: as cabecidos colegas da frente. Isto fes-me refletir na altura e agora as minhas crianças andam em "bandos" e não em fila... dá trabalho, principalmente com crianças pequenas, sempre a contar... mas dá outro gozo às crianças.

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  8. É verdade que dá mais trabalho esta aparente desordem mas vale a pena que seja assim... Mas a verdade é que já se implementam regulamentos para defenir uma série de regras para o Pré-escolar do mais absurdo. Parece que estamos a criar carneiros todos iguais, obtusos e ocos de pensamento. Fico feliz por mais colegas pensarem assim, é que eu chego a casa e digo, mas será que eu sou anormal!!!
    Obrigada Rui pelas tuas reflexões

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  9. Obrigada por esta partilha! Tenho tentado ter "filas" desordenadas... mas não é fácil! Estamos no processo!

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