O tempo que não é teu, mas delas (as crianças)!

Para. Senta-te, num canto.
Deixa-te envolver pelas 25 tentativas que tens à tua frente. 
Existem risos, diálogos, relações que se criam e se interligam de acordo com o que vão construindo, com o que vão brincando.
Deixa-te observar, vê as tentativas, as conquistas, as formas diferentes de expressão, envolve-te e constrói o que precisas para os observar neste momento de aprendizagem.

Consegues sentir o que sentem? Não. 
Consegues ler os seus pensamentos, as suas planificações complexas? Não!
Então observa. 
Enriquece o espaço e as experiências com base nessa observação. 
Planifica de acordo com o que vês, com o que sentes, com o que te fazem sentir.

É difícil? Bastante! São tantas as observações a fazer, tantas as oportunidades a construir, tantas crianças para conhecer de uma forma única, reconhecendo fragilidades e potencialidades individuais.
Deixa os trabalhos de lado, as fichas, as pastas (que queres cheias), as folhas brancas, centra-te no principal, as crianças.
Deixa-te levar pela onda que estão a construir, deixa-te salpicar com o seu interesse, a sua motivação.

Para. Sente. 
Não mudes a maré se o seu pico de envolvimento se vai desvanecer depois de lhe mudares o rumo. Aproveita essa onda e surfa, deixa-te seguir e leva-os aos poucos, deixa-a guiar-te nessa prancha, mas segue firme, confiante do que estás a fazer.

Para. Escuta. Sente. Regista.

Observa os sorrisos, escuta as expressões, cria relações entre os interesses e o envolvimento que eles próprios constroem.
Deixa o tempo passar e perde-te a olhar para cada toque, para cada construção, para cada forma de agarrar. Não te guies pelo tempo do relógio, mas sim pelo tempo que eles empenham no que estão a fazer. É o tempo deles, o tempo que te dirá tanto e te fará valorizar cada segundo que passas com eles, que te fará valorizar cada aprendizagem cooperada, sentida e construída. 

O tempo não é teu, mas deles! 

Deixa-te saltar da prancha e nada junto deles, faz parte dessa onda, não remes contra ela, não tornes um movimento natural num movimento contranatura, longe daquilo em que acreditam.
Eles acreditam que conseguem, não sejas aquele que diz não é possível, o que os molda de acordo com o que pensas ser importante. Deixa-te levar, passo a passo, conhece a terra que tocas, entende que o caminho é feito em conjunto.

As brincadeiras acontecem e tens tanto para observar, para ler os sinais que dão, para espelhar a satisfação, o burburinho que se torna ensurdecedor, mas que é testemunha do que é ser criança. 

Escuta.
Dá-lhes tempo. Respeita o tempo. Sente o tempo. Entende o seu tempo.

Ainda estás sentado? Levanta-te!

Observa de perto, mas não os distancies do que começaram, desafia-os, eleva esse momento mágico, de criar, de experimentar, de aprender.
Olha-os nos seus olhos e sente, simplesmente, a ânsia dos seus olhares.  Mesmo sem falarem, o que lá dentro lhes vai, conhece-os. 

Lê-lhes o sentimento, lê-lhes o desejo que têm dentro de cada um, o desejo de se construírem, o desejo de fazer o que melhor sabem: brincar.
Sente, apenas, o momento, a dedicação, a motivação, a concentração, a imaginação, a criatividade pura. Sente o quão se entregam em cada brincadeira de par, em cada pequena, em cada conquista que atingem, em cada solução aos problemas que encontram.

Torna-te observador e sê um educador que regista, que observa, que lhes transmite segurança para ousar. Escuta cada movimento que se expressa, cada sentimento, cada necessidade de nos ter por perto para os encorajar. Sê aquele que lê o brincar, que o ajuda e não o que desvia.
Valoriza o que constrói. Valoriza cada palavra de motivação que dás e não as tornes fúteis e sem significado. Sê verdadeiro. 

Encoraja-os de verdade, porque eles encorajam-te em cada abraço que dão. Sentem em cada sorriso que te dão. Sorriem em cada palermice que fazes ou dizes. Agarram-se à tua perna, porque não querem que te afastes ou porque te procuram, unicamente, para um afagar de cabelo.
Fá-los sentir importantes e fundamentais no dia a dia.  Fá-los acreditar que a educação de cada um é algo que priorizas. Mostra lhes como te empenhas, para que, cada um deles tenha a melhor experiência no seu dia. Abraça-os de um modo único. Diz-lhes que os respeitas e que todos eles têm direito a ser quem são.

Age de modo consciente e torna a tua consciência numa prática única, feita à medida de cada grupo. Torna-te num educador alfaiate, que observa, tira medidas, corta, costura "práticas" únicas que respeitam e respiram a individualidade. 

Senta-te, ao final do dia, reflete no teu dia e responde apenas: hoje permiti que fossem únicos? Qual foi o meu papel no dia de hoje?

Será que sentimos o quanto eles confiam em nós? 
Será que temos a verdadeira consciência do que temos em mãos?

Sentemo-nos. Observemos. Ousemos a agir por eles, para eles e não para nós.
Ousemos e se assim o fizermos estaremos a dar o nosso melhor.

#umacaixacheiadenada 

Rui Inácio 



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