Paredes museu: paredes intocáveis, paredes que não falam.
De facto,
estas paredes museu não falam, não revelam os interesses das crianças, as suas
dificuldades ultrapassadas e não se permite que sejam tocadas. São paredes de
ouro, apenas para serem observadas, admiradas pelo brilho que ilumina o ego dos
adultos.
Refletir nas
paredes museu, é refletir no que se pretende transmitir quando se entra numa
sala. De facto, essas paredes tornam-se mudas, ou melhor, tornam o ser
participativo das crianças mudo, ignorado pelo embelezamento e pelo encanto dos
adultos em tornar aqueles expositores obras de arte pensadas pelos adultos,
concretizadas, na maioria, pelos adultos e, por vezes, até corrigidas pelos
adultos.
O que se
valoriza afinal?
Paredes
cheias…. de nada.
Que respeito
temos pelas crianças que estão à nossa frente?
Nenhum.
Qual é o
valor que as paredes museu transmitem?
Nenhum.
A valorização
do jardim de infância, da creche e de um modo globalizante, da Educação de
Infância, passa por reconhecer as crianças como seres que participam e que são
parte deste caminho desbravado em conjunto. As necessidades impostas, a
correria e o tempo a escassear, leva os adultos a tomar decisões que se tornam
atentados à verdadeira documentação pedagógica, à forma como se expõe, ao modo
como a linguagem se torna fundamental através das paredes. Torna-se a
documentação pedagógica uma ferramenta pouco pensada, pouco refletida, pouco
planeada, pouco escutada. Torna-se a documentação pedagógica um atentado às
avaliações que, mais tarde, se refletem em adquiridos e pouco mais. E não digam
que já ninguém as utiliza, porque isso não é de todo verdade.
Mas voltemos
às paredes museu, desenhos iguais, cores iguais, uma infinidade de exposições
em tudo semelhantes, com trabalhos iguais, sem criatividade, sem imaginação,
sem poder de escolha, sem poder de participação, o verdadeiro orgulho de
qualquer educador empenhado em fazer a sua educação de infância.
São paredes,
são paredes museu intocáveis, afastadas do olhar curioso e atento das crianças,
afastadas da comunicação, da verbalização do que realmente entenderam e
adquiriram. Estão ali, mesmo à sua frente, mas longe da sua expressão, do seu
sentir e estes quadros iguais poder-se-iam tornar, através de palavras, no reflexo
de uma excelente oportunidade de conhecimento, de um momento de validação da
prática que se desenvolve, poder-se-iam tornam num momento de crescimento
comum, partilhado e cooperado.
Estas exposições
levam a que exista um sistema de segurança tal, que não se permite que lhes
toquem, que lhes sintam a textura naquelas mãos curiosas, “porque se pode
estragar”. E assim, afastam-se do seu alcance, e até para os adultos, se torna
uma verdadeira acrobacia alcançá-los!
As paredes
falam. Os tetos falam. As imagens que se colocam falam. As exposições e os
quadros expostos falam e dizem tudo aquilo que não se quer que se diga.
O que
aprendemos com isso? Aprendemos que não damos a oportunidade de participação,
que não permitimos que eles se exprimam, que verbalizem, que sintam orgulho nas
suas produções a metro. Não permitimos que o conceito de participação seja de
facto vivido, respirado, sentido, pensado, e mais do que tudo isso, reflexo de
uma infância feliz, de uma aprendizagem coerente e que visa o interesse das
crianças, da sua individualidade.
Por vezes,
estas paredes tornam-se tão cheias, que o estímulo visual é tal, que se torna
uma agonia de cor, de mixórdia, de incoerência e de uma falta de reflexão naquilo
que se expõe e porque expõe.
Estas
paredes museu tornam-se, por vezes, pistas de competição, em que se define um
prémio imaginário e absurdo para aquela sala que mais trabalhos realiza, para
aquele adulto que mais se empenhou na sua realização, para aquele que mais
vezes muda a parede, cheia de nada… um prémio que toca no ego, que esquece a
razão de ser educador, que esquece a sua profissão e a intenção de refletir na
prática. Esquece-se de permitir que os
mais pequenos usufruam de momentos verdadeiramente prazerosos e que esses momentos
são impossíveis de registar em folhas, ou em registos fotocopiados.
Quantas
paredes cheias se tornam mudas na sua
expressão, se tornam mudas na participação das crianças, se tornam um espelho
dos adultos de sala.
Se somos
seres únicos, originais, se não somos fotocópias, porque insistimos que os mais
pequenos o sejam?
Porque
insistimos em lhes dar folhas iguais, independentemente dos seus anseios e
dificuldades?
Porque
continuamos a ignorar as suas vivências, as suas vontades, os seus sonhos, a
criatividade e a sua imaginação?
Porque
continuamos a insistir em tornar paredes verdadeiras paredes museu, em que tudo
é igual?
Os museus
têm quadros únicos e originais que refletem a individualidade, a criatividade,
que se sentem, exprimem e falam. Têm quadros
que se encontram ao nível dos nossos e dos seus olhos, temos a vantagem de
permitir que nas salas sejam tocados, que sejam forma de comunicação em silêncio,
que se reflete no brilho dos olhos, através do seu orgulho em concretizar algo,
em realizar algo que foi fruto do seu esforço, do seu empenho e da sua
motivação. Esses quadros não têm um valor definido, são sentimentos e
conquistas, são o verdadeiro reflexo das crianças e não dos adultos.
Deixem as
paredes museu, aquelas que são intocáveis, aquelas paredes que não falam a língua
dos mais pequenos. Esqueçam as competições de egos, de exposições a metro e de
festividades. Esqueçam-nas, por favor.
Reconheçam nelas
a vossa forma de agir na prática, tornem-nas palavras audíveis daquilo que
valorizam, do que é ser criança, do que permitem que é vivido nas vossas salas,
pois essas paredes, mesmo que vazias, falarão mais do que aquelas paredes apinhadas
de cópias, de falta de individualidade, de imaginação, de criatividade, de
sentimento, de expressão, de ser criança.
Permitam que
eles olhem para as paredes museu com os seus olhos, que as construam, que sejam
participantes. Permitam que eles olhem com os seus olhos e não com os olhos dos
outros, dos adultos.
#umacaixacheiadenada
Rui Inácio
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