Amanhã seremos construtores de memórias.

Amanhã voltamos…

Amanhã voltamos, construtores de memórias

As escolas abrem e estaremos ansiosos por receber cada criança.
Ansiosos, receosos, por não sabermos bem o que aí vem, o que nos espera.

Sabemos que virão ansiosos por voltarem a estar juntos. 
Felizes por se verem fora do computador. 
Alegres por poderem sair de casa e voltar a criar relações com os outros.

Abriremos os braços e acolheremos cada um deles de um modo caloroso, como sempre o fizemos. Faremos do dia de amanhã, como se fosse o primeiro dia de escola: cheio de afeto, cheio de calor humano, cheio de novidades para contar.

Possivelmente haverá lágrimas, já não estamos juntos há dois meses, e isso pesa. A saudade que cada um sente, à sua maneira, da sua forma, manifestar-se-á e transformar-se-á de acordo com a sua capacidade de se exprimir, uns mais efusivamente, outros mais contidos. Mas, seja qual for a forma que escolherem, acolheremos cada um, de modo a acalmar as respirações aceleradas, de modo a acalmar o choro, se assim surgir, de modo a aquecer-lhes o coração que precisa de ser tranquilizado.

Amanhã, ao acolher cada um, ainda que à distância, tentaremos apaziguar a quem fica do lado de fora do portão, a quem não entra, a quem não pode aconchegar os mais pequenos até à sala. Porque quem os vem deixar, trará o seu coração nas mãos. Ainda assim quem os recebe, acolhe-os como se do primeiro dia de escola se tratasse, porque o nosso papel é acolher, quer as crianças, quer os pais, a família.

Amanhã faremos e daremos o melhor, para que todos os que entrarem pelas portas da sala, se sintam acolhidos, que vivam os laços que criamos desde o início do ano e, mesmo à distância, os tentamos manter, mesmo sem abraços, sem afetos diretos, sem a relação presencial a que estamos habituados.

Amanhã abraçar-nos-emos.

Amanhã diremos vezes sem conta, que saudades, dos abraços, dos sorrisos e da presença de cada um. Apesar do nosso sorriso estar escondido, mais uma vez, as palavras terão de ser o reflexo da alma, os olhos o espelho dos sentimentos e dos afetos.

Amanhã será um dia pensado de forma intencional, de modo a que todos se sintam acolhidos, de modo a que a nossa intencionalidade, a nossa diretriz profissional seja evidente, o bem-estar das crianças, a criação de potencialidades que elevem a relação entre todos.

Amanhã, mais do que nunca, teremos de estar conscientes do nosso papel, enquanto profissionais de educação (educadores, assistentes operacionais, cozinheiros, …) acolheremos cada um, faremos que o sentimento de pertença de grupo, seja aquilo que necessitam de sentir, a atenção seja o foco de todo o tempo que estarão connosco.

Amanhã será o dia do regresso, estaremos de máscara a tapar-nos o sorriso, a abafar-nos as palavras, por isso, teremos de ser claros nos sentimentos que queremos transmitir, nos sentimos que estaremos a viver, que se farão gestos, que tornar-se-ão palavras, de relação, de construção, de intervenção, de precaução, de interação, mas de saudade.

Esta semana regressaremos, o nosso foco só pode ser um, não deixem este comboio descarrilar, não se foquem no que não é necessário. Serão duas semanas intensas, não de trabalhos a metro, onde atividades prontas a consumir se realizam, mas sim, de momentos que permitem a construção de memórias, felizes, em que o brincar assumirá a sua melhor expressão, a sua melhor possibilidade de construção de aprendizagens!

Esqueçam, por favor, os trabalhos e as atividades em torno do Dia do Pai, da Primavera e da Páscoa. Não direcionem a energia que eles trazem para atividades que se tornam, tantas vezes, cheias de nada, que não refletem as suas necessidades e muito menos o seu interesse. E agora, acredito que as necessidades não sejam essas, essas centram-se na atenção, na relação, na possibilidade de brincar com os outros, connosco, não de permanecerem sentados a construir prendas, em decorar as salas e em momentos que nada lhes dirá.

Ouçam as suas palavras, registem as suas necessidades, acolham-nos como merecem e devem ser acolhidos, com o brincar. 

Que corram, que construam, que respirem, que se cansem, que descansem, que abracem, que vivam. 
Que vivam o exterior e o tornem as salas de explorações. Que tornem os espaços exteriores como experiências do movimento, como o treino motor que necessitam neste momento. Permitam que se movimentam e treinem as suas habilidades motoras, contidas durante estes últimos meses. 

Esqueçam, por favor, os pintos, os coelhos, as cenouras, os ovos, e lembrem-se que mais do que isso, eles precisam de se sentir bem onde estão, precisam de viver o momento da infância sem que este tempo lhes passe ao lado. Precisam de criar memórias que recordarão com saudade enquanto adultos. Permitam que vivam a simplicidade, não os façam trabalhar as duas próximas semanas em prol das festividades, porque neste momento é tudo aquilo que eles, que nós e que a escola não precisa.

Vamos ser conscientes. Vamos deixar de parte as futilidades, valorizar o que há a valorizar e, neste momento, e nos outros, não são as prendas que precisam de ocupar o seu tempo, não são as paredes e janelas enfeitadas com flores infantilizadas. 

Tanto há a fazer amanhã, depois, esta semana, na semana seguinte. 
Tanto há a fazer… mas nada do que há a fazer se espelha numa folha, num coelho, numa flor ou numa gravata.

Amanhã regressamos. Amanhã voltaremos a ser educadores de infância, assistentes operacionais, equipa, que acolhe, que escuta, que permite que falem, que se envolvam, que se relacionem, tudo isto presencialmente. 

Haverá, neste momento, algo mais importante? 
Não os estraguemos. 

Somos construtores de memórias, e estas memórias, que se gravam nos corações dos mais pequenos, nos cérebros, são aquelas que ficam para a vida, são aquelas que eles precisam de viver agora! São aquelas em que se permite o brincar, em que se permite que se aventurem, que se riam, que se relacionem, que criem memórias de forma livre, motivadas, empenhadas e participadas. 
Amanhã será o dia para o permitirmos. Amanhã, depois, ....

Amanhã será o dia para sermos os profissionais de educação que eles precisam que sejamos, os profissionais que acolhem de braços abertos e os fazem sentir-se bem, respeitados e empenhados em ser crianças.

Amanhã será um dia cheio, esta semana, a próxima semana, serão dias em que a tranquilidade tem de voltar aos poucos, e essa tranquilidade consegue-se através da relação, da noção de grupo, da calma, do bem estar emocional e psicológico.

Amanhã, estaremos nas escolas a acolher, a permitir que construam memórias da sua infância, feliz.

Amanhã e depois seremos, novamente, construtores de memórias. Amanhã estaremos a desempenhar da melhor forma que sabemos, ser profissionais de educação presenciais, sem computadores entre nós.

Amanhã seremos construtores de memórias.

#umacaixacheiadenada

Rui Inácio


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