Aos pais... Cumprimentos da fábrica de afetos...


Recomeçamos.

À porta das escolas as filas que se formaram pareciam não ter fim. Protegidos da chuva que caía sem dar tréguas, refrescavam as suas pequenas cabeças que ali esperavam, ansiosamente a sua vez para entrar nas designadas, por alguns, fábricas de encomendas. 

Todos estão a sentir, ora a ansiedade, ora o receio, ora a esperança de que, tudo isto presente neste novo modo de vida, passe depressa e possamos voltar a acompanhar as crianças até à sala e se consiga entregar as encomendas de uma forma plena e harmoniosa.

Do interior, os empregados fabris, de tais fábricas de encomendas, esperam ansiosamente a chega das pequenas encomendas. O espaço está preparado, os procedimentos são revistos mentalmente, e mesmo sabendo que a lista é interminável, a consciência de que tudo se fará, para que as encomendas fiquem bem, é o que se mantém presente. 

O ponteiro parece não andar e a ansiedade aumenta a respiração, que está impedida de decorrer de um modo livre pela máscara que está colocada na face. 

São 9 horas e é tempo de abrir os portões às pequenas encomendas que nos são entregues. Senha a senha, vão entregando os bens preciosos que caminham por entre gotas e poças, e que nos diferentes departamentos são recebidos de forma harmoniosa e acolhedora. 

Os pequenos trazem as mochilas carregadas de ansiedade, de receio, deles e de quem os entrego, no entanto, trazem um brilho nos olhos, um sorriso no rosto, embora envergonhado ou receoso por este novo ano. Afinal, eles são os únicos que conseguem sorrir sem terem o seu sorriso escondido por um pedaço de pano. Eles são os únicos que vão continuar a mostrar as suas emoções sem as esconder. Eles são os únicos que mostrarão e nos ensinarão que os sentimentos e o afeto se mantêm presentes, porque, simplesmente, confiam e acreditam em quem os recebeu. 

Sorri. 

Embora não o tenham visto, e não tenha tirado a máscara para que me vissem a sorrir, tentei sorrir com os olhos e expressar o que sinto apenas com estes espelhos da alma. Não sei se o entenderam, mas ainda assim, decidi tornar os meus afetos, os meus sentimentos em palavras. Tornaram-se os sentimentos e os afetos em sons, sons organizados em sílabas e em palavras. 

“Não veem, mas estou-me a rir…” 

Os olhos acompanharam as palavras e, os sorrisos que mostraram, fizeram-me entender que, afinal, as palavras assumem uma importante fonte de transmissão do que aqui vai dentro. Mesmo assim, estão recetivos e ensinam-nos a deixar de lado a expressão, sempre fiz assim. 

Apesar das ditas encomendas terem sido bem recebidas nesta fábrica, nesta fábrica de afetos, os choros não tardam a surgir. E, inevitavelmente, o abraço é o melhor conforto, a carícia a melhor forma de tranquilizar as faces rosadas, de limpar as lágrimas que caíam perdidas. As encomendas vão cedendo, e mesmo longe dos olhos de quem os entregou, acreditem, o colo e os abraços não tiveram descanso. 

Esta fábrica de afetos que alguns teimam em não se tornar real, foi um espelho do sentir interior, das nossas preocupações, ansiedades, medos, mas acima de tudo, tornou cada profissional, desta grande empresa, um ser que acolhe, mesmo estando camuflado, um ser que abraça, mesmo estando proibído, um ser que se preocupa, porque responde às necessidades dos mais pequenos, um ser que vive, porque faz com que os mais pequenos vivam, um ser que se sensibiliza, porque no seu coração cabem todos os que acolhe, um ser que respeita, porque respeita cada sentir individual. 

O dia manteve-se um de exploração, cada encomenda foi sendo analisada com precaução, de modo a que se criassem pontes que ligam o encanto da educação ao encanto do coração. E, nesta fábrica, isso não pode faltar. Os abraços impossíveis estiveram presentes todo o dia, as lágrimas chamavam por eles! O colo vivia a calma e a tranquilidade, porque essa era a necessidade de aconchegar as encomendas, que procuravam por um momento a sós, um momento em que o elo de amizade, da relação, começasse a surgir de um abraço. 

Esta empresa tem um selo de qualidade, de segurança e de preocupação. 

Os sentimentos não são possíveis de expressar de forma plena. As lágrimas que as crianças deitaram eram sentidas por estes profissionais, que de tudo fizeram para as acalmar, para as secar, mesmo com todas as contrariedades que foram surgindo. 

Este sentimento, que todos sentimentos e que dificilmente conseguimos transmitir, revela-se nos abraços, na forma como os acalmamos, na forma como temos paciência para lhes transmitir segurança, que até nós próprios muitos duvidamos. Mas essa é a nossa função, mesmo com todas as dúvidas, ousamos a transmitir esta paz que os acalma, que os torne tranquilos nesta transição dura, e que todos nós temos consciente. 

A qualidade da educação não pode, de todo, ser posta de lado. Mesmo neste tempo, é urgente pensarmos e repensarmos na nossa forma de estar, de agir, de planear, porque todos estes momentos exigem uma planificação, um respeito pelas crianças, pelas suas necessidades e interesses. 

Estes profissionais que acolheram cada criança, choraram e choram no seu interior, porque não conseguirem transmitir os seus sentimentos como gostariam, por não conseguirem acolher como idealizaram, porque não conseguirem consolar os pais quando estes precisaram. 

Olhemos de um modo global, todos estamos a viver um modo de vida sujeito a mudança, e nós estamos conscientes de que os que entregam as encomendas também sofrem, também sentem e também gostariam de estar presentes nesta fase dura da vida dos mais pequenos. Estamos conscientes destas dificuldades, e fazemos e faremos de tudo para que todos cheguem ao destino da melhor forma: confiem e sejam verdadeiros nos vossos sentimentos; transmitam a confiança e a segurança aos mais pequenos, porque eles precisam dela, nós precisamos dela, vocês precisam dela. 

Esta fábrica de afetos está em constante luta interior, na esperança de que seja, realmente, um espaço de qualidade, onde não se escondem sentimentos, onde se mantém o foco em fazer educação de qualidade, onde as prioridades se centram nos bens preciosos que entregaram, onde o abraço é constante, porque mesmo na situação que vivemos, é impossível de nos isolarmos dos sentimentos e do que realmente sente o coração. E o nosso coração sente que temos de fazer tudo para receber os vossos filhos, não de um modo industrial, mas de um modo especial e único. 

Esta fábrica é única e constrói produtos únicos, sem tamanhos definidos. Constrói em parceria e vive essa parceria na partilha de sentir. E se é difícil planear os produtos, mais difícil é o caminho que levamos até chegar a eles, e esse caminho é o que torna esta fábrica especial. Porque esse caminho chama-se respeitar, chama-se observar, escutar e falar com o coração. 

Esta adaptação surge embrulhada de papel que cobre cada encomenda, uma encomenda única, que precisa do aconchego e da nossa dedicação. Essa encomenda, tem um selo que se chama afeto. 

E, todos nós o vivemos, todos nós o respiramos, todos nós o sentimos. 

Somos e seremos afetos, e disso não nos podemos esquecer. 



#umacaixacheiadenada

Rui Inácio

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