A mãe trabalha no computador. É professora!

 
Nestes dias tudo se reinventou, reformulou, readaptou… e poderia continuar a utilizar verbos com o prefixo re… porque de facto, foram, e são, tempos diferentes daqueles a que estamos habituados,

Estamos em épocas festivas, em que a vida se transforma, se renova. 
Quão próximo isto se encontra das nossa práticas... 

Aquelas práticas a que estávamos aprisionados, ou até acorrentados, caíram por terra. E tudo o que este vírus nos vem mostrar, é que tínhamos de mudar as prioridades e tornar as nossas práticas, realmente, direcionadas ao que interessa, os alunos. 

É um facto, bastante pertinente, que fomos capazes de nos adequar a esta “estranha forma de vida”, marchamos de cravos vermelhos em punho para mostrar a revolução que a educação esteve, está e estará sujeita. Esta mudança repentina e tirou-nos o chão, abanou-nos e tornou-nos pouco confiantes do modus operanti em que tudo iria decorrer. O computador começou a ser o nosso quadro, a nossa forma de chegar, a nossa forma de ensinar, mas mais do que isso, a nossa forma de os desafiar. 

Sobrevivemos e continuamos empenhados em manter a proximidade com os alunos, em mantê-los focados e motivados para continuar a aprendizagem. 

Se erramos? Claro, quem não erra. Estamos perante uma situação que nos apanhou desprevenidos e, em muitos casos, sem conhecimento de ferramentas que possibilitassem este ensino à distância. Seja este o caminho futuro, ou não, é certo que tudo isto se torna uma lição, empenharmo-nos nesta forma de ver a educação, de tentar perceber qual o melhor modo de lhes chegar, sem afetar a vida familiar, é uma atualização de ação, de conhecimento, de sensibilização. 

Desta forma, a nossa sala de aula mudou de lugar. Em casa tornamos o impossível, possível, porque estivemos acomodados e essa mudança causa-nos instabilidade. De facto, a nossa profissão é uma profissão de contacto, de proximidade, de relação com os alunos, de relação com as famílias. 

Mesmo distantes, ainda assim empenhados e embrulhados nos milhares de pensamentos que nos passam diariamente, nas estratégias a serem usadas para chegar a todos os alunos, fazemos o esforço para equilibrar a vida profissional com a vida pessoal e familiar. 

Mesmo em casa, agarrados ao computador, os professores estão a trabalhar, em teletrabalho, não estão de férias. 

Ao contrário do que a gíria diz e pensa, muitas são as horas que tentam, a todo o custo, desconstruir os programas, desconstruir as dificuldades que os alunos enfrentam, que criam relações com as famílias com o intuito de as orientar neste longo processo que atravessamos. Mais parece uma sessão do famosos Mastechef , onde nos esforçamos para apresentar verdadeiras iguarias, desconstruídas, é um teste pressão... Os professores não têm de definir rotinas, não têm de definir as formas de estar das famílias, mas podem-se tornar verdadeiros companheiros neste processo, pois, além do conhecimento e das explorações sugeridas, é muito importante a relação familiar, é importante saber estabelecer os limites e os desafios familiares, e este que passamos, é o maior desafio de todos. É novo para todos, pais, alunos e professores, basta compreender esta premissa. 

Os professores estão conscientes daquilo a que os pais estão a passar, porque a grande maioria deles, está sentado ao computador com os filhos agarrados às suas pernas, a grande maioria deles está a discutir ideias, estratégias com os docentes do seu próprio grupo, a definir planos com as famílias, tudo em prol de um bom funcionamento, parte deles são professores. Mesmo assim, à sua volta, as crianças não param de chamar a atenção, porque tal como as restantes profissões, os professores assumem tarefas e responsabilidades familiares e mesmo assim, cumprem os seus horários, cumprem com o seu dever, dar continuidade ao trabalho iniciado presencialmente.

Os tempos mudaram de um modo galopante, as adaptações são constantes, mas a proximidade continua a ser uma preocupação, a necessidade que temos em estar frente a frente com os alunos é bastante, no sentido de podermos retomar do ponto em que ficamos, Mas tudo mudou. 

Em casa, mantemos esta preocupação: reuniões atrás de reuniões, explorações de ferramentas que facilitem o contacto profissional com os alunos, a procura constante de atividades, de situações, de momentos que se consideram pertinentes para ultrapassar este tormento. Tornamo-nos, à pressa, nos professores que poucos fomos. 

Já diz o velho ditado, “Depois de casa roubada, trancas à porta”, e para tomarmos esta consciência, tivemos de passar por este momento, “depois de passarmos por isto, vamo-nos inscrever em formações sobre educação à distância”, não deveríamos já ter esta sensibilidade? 
Não deveríamos ter já vontade própria para ir inovando as nossas aulas e as nossas práticas? 
Simplesmente, agora, aventuramo-nos! 

Mesmo com todas as dificuldades que fomos encontrando, não deixamos de ser professores, não deixamos de pensar no melhor para os alunos, não deixamos de nos preocupar com as famílias e com tudo o que isto lhes poderá custar. 

Não pretendemos ter passadeiras vermelhas, nem nenhum Óscar que nos faça surgir nas capas dos jornais, sabemos, simplesmente, o esforço que fazemos diariamente, que faremos, se assim a situação se mantiver, para que os alunos que estão a nosso cargo, mesmo à distância, atinjam aquilo que idealizamos no inicio do ano. Mais, fazemos questão que vão além daquilo que pensamos, porque ser professor é isso mesmo, é permitir que os alunos construam as suas jangadas e continuem a viajar por caminhos que lhes deem prazer, que sejam caminhos que reflitam o seu interesse e motivação; que sejam caminhos definidos em cooperação com professores, alunos e pais; que sejam só e simplesmente, os caminhos que até então não estavam pensados, mas que, neste momento, estão sujeitos à mudança. 

Mas os tempos não são fáceis, mesmo em casa, as responsabilidades são acrescidas. Ora no computador, ora a preparar o almoço, ora no computador, ora a preparar o lanche, ora no computador, ora a cuidar dos filhos ou das responsabilidades que nos são confiadas, ou até mesmo a acompanhar os mais pequenos nos trabalhos que são enviados para ocupar o tempo dos mais novos. O ano letivo tem de continuar e nós, professores, temos feito os possíveis e os impossíveis para que isto aconteça, mas parece que, por vezes, nos esquecemos que os pais das crianças, para quem enviamos os trabalhos, também poderão estar em teletrabalho e que, tornamos as rotinas familiares uma verdadeira tortura escolar. 

Mas adiante, o que importa aqui, é mostrar que não nos esquecemos de quem gostamos, de quem tivemos todos os dias à nossa frente nas escolas. Não esquecemos as famílias e os esforços que vão fazendo, diariamente, para acompanhar os filhos. 

Somos professores a tempo inteiro, não estamos de férias e nas interrupções letivas, continuamos a manter o contacto com os alunos e a fazer o que tem de ser feito. E mais do que enviar trabalhamos, revelamo-nos seres sensíveis e preocupados com o bem-estar dos nossos alunos. 

Somos só professores, vivemos de relações e somos fruto das relações que construímos com quem está à nossa volta. 

Somos só professores que não baixaram os braços, que não desistiram e que tiveram a necessidade de manter próxima a relação que criamos, porque isso é ser professor. 

Somos só professores, passamos noites a fio, quando o silêncio reina nas casas, em busca de estratégias para melhor serem usadas pelos alunos; passamos noite em branco a planificar momentos ,realmente importantes, que requerem cuidado e se tornarão excelentes para a construção de um saber comum e cooperado entre todos, isso leva tempo...  

Somos só professores, porque mesmo estando debaixo de um terrível cenário, continuamos embrulhados nas estratégias que não conhecemos, mas que fazemos questão de as aplicar para que tudo chegue até aos nossos alunos, aventuramo-nos, simplesmente. 

Somos só professores, porque mesmo estando em interrupção letiva, em teletrabalho ou em layoff, há a preocupação para com as famílias dos alunos que temos. 

Somos só professores, e temos a capacidade de ouvir, de abraçar, de nos relacionarmos com os nossos alunos e de, mesmo através do ecrã, lhes mostrarmos que tudo passará e tudo, um dia ficará bem, mesmo que o estejamos a dizer com um nó na garganta. Porque somos professores que encorajam e que fazem confiar. 

Somos só professores, mesmo quando os nossos filhos estiverem a chorar junto a nós e estivermos a meio de uma aula, e apenas com um abraço, os calaremos, ou em alguns casos, nem possamos nos aproximar, porque mesmo à distância, continuamos a abraçar a profissão. 

Somos só professores, expliquem lá isso aos filhos mais pequenos que não entendem o porquê de estarmos o dia todo ao computador e o porquê de não lhes podermos dar a atenção que devíamos… 

Somos só professores, quando, diariamente, acabamos por colocar a nossa profissão à frente da nossa vida familiar, porque, mais uma vez, não estamos de férias e sim em teletrabalho. E isso implica, de igual forma, responsabilidade, entrega e empenho. 

Somos só professores, muitos dizem que somos super heróis, esquecidos, outros reconhecem realmente a importância que temos na vida diária dos alunos, na educação dos mesmos e no apoio que damos às famílias. 

Somos só professores… e, mesmo assim, os mais pequenos reconhecem, compreendem e nestes últimos tempos privam-se, mas sabem, realmente, a importância que temos na vida dos alunos: “A mãe trabalha no computador. É professora!”

#umacaixacheiadenada

Rui Inácio


Ilustração de Sara Dias

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