Vais mudar de escolinha, tens de (...) aprender a (...) escrever as letras...

Ao chegar ao último ano da Educação Pré-escolar surgem, também, as ansiedades de quem acompanha os pequenos. Sabendo que, parte do grupo é designado como finalista, tudo se começa a preparar nesse sentido: O que fazer na festa de final de ano, que música, que diplomas, que cartolas escolher, o que valorizar nas atividades que se preparam, que competências têm de estar consolidadas, uma panóplia de questões que fazem girar todo o trabalho em torno desta temática, ser finalista! No entanto, ao responder a todas as questões a passagem para o 1º ciclo prevê-se tranquila e, assim, jamais será posto em causa o bom nome do educador.

A terminologia finalista impõe-se de tal forma que, até as crianças mais novas começam a fazer contas à vida para saber quando serão eles os finalistas, tal é a imposição e valorização do termo no dia a dia. E para quê?

As atividades começam a girar na preparação desta transição e, mesmo que não se queira, há a necessidade de trabalhar as letras, os números, a adição e a subtração e, em alguns casos, até se aumenta o tempo de estar sentado, porque isso também é uma prioridade. Desta forma, ficam mais bem preparados para a transição, pois segundo dizem, passarão mais tempo sentados.

A inquietação aumenta, o cansaço para atividades, sem sentido e pouco coerentes para cada um, levam a que as birras surjam, a que de um momento para o outro se sinta uma instabilidade maior no grupo e, consequentemente, uma desmotivação. Sem aparente razão, desconhecem-se as causas e continua-se a insistir numa prática alheia a interesses reais, numa prática destinada à preparação para esta importante transição.

Os materiais começam a ser comprados, para fazer as cartolas, as pastas, as capas e, em alguns casos, colheres de pau e fitas. Gastam-se rios de dinheiro em algo que será rapidamente esquecido e posto de parte. Torna-se caricato entender que, durante o ano, as escolas lançam as mãos aos céus para que o Santo do Dinheiro lhes ouça as preces e lhes conceda material para ser utilizado nas aulas. Mesmo reconhecendo todas as dificuldades, esforços e restrições durante um ano, para esse momento, tudo conta, tudo surge, tudo se compra. 

Os pais que, por si só, já sentem alguma ansiedade e, por vezes, se torna difícil de ser escondida das crianças, são arrastados para este momento, são postos à prova nas exigências feitas pela escola: controlar mais os filhos, impor mais respeito, cumprir regras de entrada e saída, acompanhamento diário do percurso dos filhos, acompanhamento dos TPC’s, controlo nas amizades, resolução de problemas.... E, em nada, se ajuda para que esta transição seja tranquila, necessária e realizada em passo calmos, mas seguro. 

Acabamos por criar uma instabilidade, enorme, no seio familiar, mesmo sem que assim percebamos. Acabamos por aumentar a ansiedade dos pais e, por consequência, a dos filhos. Aumentamos o grau de exigência em competências desnecessárias, em momentos desapropriados e completamente afastados daqueles que deveriam ser o nosso foco de aprendizagem. A agitação, o cansaço e desmotivação das crianças tem uma razão, nós.

Estarmos conscientes do modo como agimos, do modo como lidamos com tudo isto, da nossa sensibilidade de atuar e de exigir, de reconhecer a transição como um passo importante mas não substituível dos interesses das crianças é, realmente, importante.

Que relação conseguiremos construir se substituímos o brincar pelo tempo de estar sentado, numa imposição de escolarização precoce?

Que capacidade de interação criamos nós, se o único companheiro de brincadeira é o lápis e a folha, com diretrizes impossíveis de contornar?

Que tempo definimos para a principal ação: o brincar, se este momento é o primeiro a ser aniquilado com o avançar do ano letivo? Mas, é tudo em prol de uma boa transição.

Que potencialidades criamos para o grupo, quando os interesses estão de olhos voltados para a festa de final de ano e para a transição para o 1 ciclo?

De que forma mostramos a importância do nosso trabalho, argumentando que o pré-escolar não é o espaço de aprendizagem à leitura e à escrita como tanta gente apregoa?

Haverá melhor competência do que a motivação, o empenho, a autonomia, a segurança, o bem-estar, a interajuda, a relação, o afeto, a confiança, o respeito pelo outro, a capacidade de escutar e ser escutado, a persistência, a imaginação, a criatividade, a capacidade de sonhar,... para uma transição de sucesso e equilibrada?

As prioridades são definidas, ou por nossa autoria e/ou por pressão social. Cabe-nos a nós escolher as prioridades e, sempre que conseguir, defini-las de acordo com aqueles que me são confiados, porque é a eles que nos damos diariamente, é para eles que definimos um currículo,  é a pensar neles que construímos e gerimos o nosso próprio currículo. 
É a eles que fazemos questão de mostrar, que são ouvidos e que conseguem ter poder de escolha face às aprendizagens, ao modo como chegam. 
É a eles que mostramos que a relação é a base de uma boa aprendizagem. 
É a eles que mostramos, que mais do que alcançar os resultados, se torna importante o valorizar o processo que fizeram para alcançar o que desejavam. 
É a eles que mostramos, que mesmo quando erram, o importante é não é desistir.

É a eles... Porque eles são a nossa matéria prima, basta conhecer, realmente, as suas potencialidades, interesses e funcionalidades.

Mas, além de todas as competências adquiridas, não adquiridas, em aquisição, ou não observadas, além das preocupações escolares, uma coisa é certa, a passagem para o 1º ciclo é extremamente importante! 

De facto, é, mesmo, importante. No entanto, não o podem fazer enquanto não aprenderem a brincar. Não deveria ocorrer essa passagem até terem consolidado o brincar. Mas hoje prioriza-se a escolarização, reduz-se o tempo dedicado à infância e aumenta-se o tempo dedicado à vida adulta.

E, mesmo sem serem os designados finalistas, a grande maioria dos pequenos nem vive o pré-escolar como deveria, tais são as expectativas colocadas em cima dos seus pequenos ombros.

Poderá parecer exagerado?
Talvez, mas se nem assim o entendemos, quando o conseguiremos fazer?

Um dia destes ouvia, simplesmente, alguém que nem idade teria para pensar nesta transição, referir:

Já vou ser finalista no próximo ano.

Quanta ansiedade? Quanto absurdo? Quantas expectativas? Quanto apoiamos tudo isto...

Vais mudar de escolinha, tens de começar a aprender a contar, a escrever as letras e os números.

E, mais uma vez, a velha máxima deixa de fazer sentido, é simplesmente, ignorada e tornada uma utopia: antes de entrarem para o 1º ciclo, têm de saber brincar. Isso sim é prioridade, isso sim é dar-lhes todas as competências necessárias e fundamentais para uma boa transição. 

#umacaixacheiadenada

Rui Inácio 




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