Esqueçam a rua e tudo o que ela contém!

Que ano será este que se aproxima a passos largos?

Com a chegada do mês de setembro, as férias foram ficando para trás e o tempo de escola aproxima-se, fazendo com que cada um viva de forma intensa cada momento. 

Ora se sentem os pais ansiosos, ora se sentem as crianças receosas, ora se sentem os educadores e auxiliares a renovarem expectativas para um novo ano. 

É o aproximar de mais um ano, em que as portas se abrem para receber todos os que fazem parte da educação, todos. 

As paredes vestem-se de cor, as planificações ganham forma, mesmo antes do ano começar, as ansiedades vão ganham cada vez mais terreno e, por fim, os primeiros contactos vão levando a que, de forma individual e única, se sinta a escola de um modo peculiar, de um modo seu, sem as palavras, “todos são assim”. 

Criam-se momentos de conversas individuais, vivem-se espaços de troca de informação, estabelecem-se pontes, estreitas, entre os dois contextos, casa e escola, procura-se acalmar e dar sentido ao que se faz, constrói-se um ambiente que se pretende de harmonia onde todos se sentem bem e acolhidos. 

Abrem-se as portas e ultimam-se os retoques. Tudo deve estar perfeito, tudo deve estar acolhedor, tudo deve estar cheio de cor. 

Em passos mais apreensivos, ou acelerados, entram corredor dentro sem largar pernas, mãos, ou os pescoços de quem os carrega. Espantados, olham ao seu redor, tentando reconhecer algo que já viveram, conheceram, tentando absorver algo que os conforte, tentando compreender porque terão de ficar naquele espaço.

Os corações acelerados levam a que a respiração acelere e, ansiosos, tentam não largar quem os trouxe. Todos estão nervosos, filhos, pais, educadores e auxiliares, quantas são as questões que pairam no ar, as incertezas e, por vezes, as inseguranças? 
Quantas são as ansiedades que carregam aos ombros e se encontram espelhadas nos olhos brilhantes e prontos a desabar? 

Quantos são os que trazem um nó na garganta e tentam, a todo o custo, sorrir de forma descontraída? 
As portas já se abriram para o novo ano; as janelas já estão prontas para mostrar o que há lá fora, as paredes continuam hirtas e sem possibilidade de serem derrubadas; os projetos, os nomes de salas, as cores das portas, a decoração, ocupa um espaço considerável na cabeça de quem os acolhe, apenas com um sentido, tentar promover um ambiente agradável, rico e acolhedor. 

Este é o ano que inicia, o ano que leva a mudar e a criar, o ano que leva a ousar e a ser, o ano que se revela como construtor e não como mero transmissor do que se vê ou pesquisa. 

Este é o ano de aventura que se espera que surja em cada canto, em cada espaço, em cada educador. Aventura… não será a educação uma mera aventura? 
Uma aventura que nos desafia a ir mais além, saindo do que se encontra socialmente estabelecido, exigido, e que aprisiona tantos profissionais, ao “sempre foi assim”, “aqui não se pode fazer mais”, “faço assim e pronto”, quantas perguntas ficam por responder, quantas leituras ficam perdidas ou, simplesmente, se ficaram pelas letras gordas… 

Mas este é o ano, em que se partilham nas redes sociais fabulosos projetos, receitas e encomendas, que se tornam reflexo de uma profissão sem argumento e sem capacidade de justificação pedagógica.  É o ano em que as redes sociais se tornam os locais propícios para as respostas dos pais, dos profissionais, dos intervenientes da educação. É o ano em que todos se tornam juízes de práticas e de educações, o ano em que a partilha profissional e real deixa de existir, a partilha baseada na reflexão e na construção. 

Este é o ano em que as palavras “que giro” darão lugar a verdadeiros argumentos pedagógicos, reflexo de pensamentos, de partilhas e de reflexões. 

O ano arranca, o tempo passa e com ele vão passando as oportunidades de escuta, de envolvimento e de ação. 

O ano inicia e as grelhas estão prontas a serem usadas, os números estão prontos para se tornarem meros dados estatísticos, as escalas prontas a rotular cada criança, prontas a torna-las iguais com os objetivos, iguais, atingidos ou não. 

Quanta mudança para este ano será necessária?!

Vão-se insurgindo no meio das trevas, luzes que inspiram a mudar, ou se não for possível mudar, que incentivam a pensar e a refletir no que queremos que seja a educação. Vão-se espelhando angústias e desesperos, desmotivações e desânimos nas práticas impostas pelo não entendimento da educação de infância, exigidas por quem nunca entendeu a educação. 

Mas é este o ano, acreditamos nós, em que se inicia de sorriso no rosto, em que se esquecem todos os problemas de anos anteriores, em que os problemas se repetem, em que os desafios se tornam semelhantes e sem inovações… e mesmo assim, mesmo sentindo esta fraqueza, este é o ano, e o faremos nós para o mudar? 

Continuamos fechados em nós próprios, entre paredes- Continuamos a mostrar a chuva, o sol, a neve, as folhas, as árvores, o que está à nossa volta, sempre entre quatro paredes. 

Continuamos em insistir, dizendo que escutamos as crianças e que, são extremamente importantes no processo da educação, mas somos os primeiros a cortar-lhes as razies da imaginação, da aventura, do desafio e da capacidade de pensar. 

Sempre se fez assim, para quê mudar? 
O adulto é, sempre foi e sempre será, aquele que planifica, que impõe, que lidera, sem medida e que é o detentor da razão, da educação. Jamais, conceder algum espaço para a partilha de tarefas, para a planificação conjunta, para ouvir quem deve ser ouvido. 

Mas, este é o ano que inicia e que mostra que o brincar será algo de extrema importância, algo com o qual as crianças lidam diariamente, em que as salas são o sítio ideal, controlado, seguro e propício para se desenvolverem as aprendizagens. 

Esqueçam a rua, o parque exterior, a sujidade e a ousadia, o risco e a aventura, porque dentro das salas tudo é possível de ser explorado de forma segura e controlada, e os resultados, esses, serão sempre os melhores. 

Este será o ano em que coordenadores e diretores reconhecerão a educação de infância e a defenderão com garra, mostrando aos restantes ciclos as reais aprendizagens que se constroem e se desenvolvem. Mostrarão as potencialidades que a Educação de Infância assume diariamente, na flexibilização que se atinge e planifica, na exploração de conteúdos complexos e que respondem às perguntas, simples, ou não, dos mais pequenos, na entrega e na tentativa de corresponder com os interesses dos mais pequenos.    

Este é o ano em que o respeito e a valorização de cada sala se constrói, em que não se olha de forma destrutiva para a sala do lado, mas se procura e se dá o auxílio necessário, a disponibilidade e a atenção, o companheirismo e a razão.

Este é o ano que tende a receber todos os que entram porta dentro, na ânsia de serem recebidos na ânsia de saberem e quererem conhecer o que é a educação.

Este é o ano que inicia e de braços acolhemos diariamente quem recebemos, quem surge, nos primeiros dias de forma melindrada e insegura. Este é o ano em que mostramos o potencial da educação de infância, renovando a perspetiva social enraizada ao longo dos tempos, em que a relação se torna real, a escuta uma prática, a partilha uma realidade, a construção profissional a urgência, a valorização do brincar a regra de ouro de cada sala e a rua o reconhecimento merecido para se construírem seres aventureiros e desafiantes, que se habitam ao risco, à socialização, à construção, à imaginação e ao crescimento saudável e desafiador. 

Este é o ano em que se permitem derrubar as paredes e se reconhece a rua, como um espaço em que se constroem momentos felizes, reconhecidos e valorizados pedagogicamente. 

#umacaixacheiadenada

Rui       

Comentários

  1. Precisamos de mais Ruis para nos espicaçarem, para nos fazerem refletir e sobretudo para nos incentivarem a não termos medo de fazer diferente. Mais uma vez um texto maravilhoso, neste novo ano!!!

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    1. Obrigado Margarida, beijinho e bom ano letivo para ti! Obrigado por continuares a partilhar e a acompanhar esta caixa!

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