São contratados e, nómadas, seguem de cidade em cidade...


O ano letivo chega ao fim a passos largos, ultimam-se os preparativos, os contratos começam a terminar, ora por substituições, ora fim de projetos, ora, simplesmente, porque o ano terminou.

As malas começam-se a fazer e, carregados, seguem rumo aos seus lares que deixaram durante um ano inteiro, ou em pequenos períodos, apenas em prol de uma carreira, que se visa doente, perdão, docente.

Ausentam-se da educação dos filhos, das suas relações, do círculo de amigos e rumam sem saber onde poderão ficar, o que esperar, o que fazer… rumam, tantas vezes, abandonados à sua sorte e aventuram-se por terras que não conhecem.

Tudo começa, tudo recomeça, durante um ano, recomeçam um nova vida, cheia de novas adaptações, cheia de mudanças.

Tantas vezes se fala nas adaptações dos alunos aos novos professores, que graças ao sistema, mudam de forma constante, prejudicando-os, “unicamente” a eles próprios,… mas, e os professores? Mas, e os professores contratados que, por vezes, durante um ano têm de se adaptar a diversas turmas, diversas cidades, diversas culturas, diversas gentes.
Vão à aventura, deixando para trás uma vida familiar que lhes dá o conforto e o alento, que lhes dá a força e a coragem, que os tranquiliza quando estão mais receosos, que os aconchega quando precisam, que lhes secam as lágrimas que silenciosamente deitam.
São os novos saltimbancos, que saltam de cidade em cidade, em prol de uma educação, de uma carreira, de um desejo: continuar a ser professor, apesar de todas as contrariedades.

Sujeitos às condições encontradas, aceitam percorrer centenas de km, recolhem-se em pequenos cantos, a que os senhorios chamam quartos, levando-os a pagar quantias absurdas sem as mínimas condições. Sujeitam-se a tanto, e tão facilmente são apontados, desvalorizados e ridicularizados por, ainda, acreditarem na profissão que escolheram.
Mas cansa…

“Lá vem mais um…” pensam e dizem muitas vezes os encarregados de educação! Conscientes ou não, são palavras que acertam na fragilidade de cada um, que provocam um sentimento de desvalorização e de esforço inglório.

A família ficou para trás, a vida ficou para trás e é tempo de reconstruir, por breves momentos, aquilo a que chamam vida, mesmo que esta seja desbravada longe de quem gostam, longe de quem os suporta, longe de tudo e do respeito merecido.

Seguem perfilados, deixando para trás as escolas onde, durante um ano, se dedicaram sem medida, onde tentaram construir e permitir o desenvolvimento da educação, onde serão esquecidos ano após ano, resultado de uma constante rotatividade docente.

As estradas preenchem-se e os contratados regressam rumo às suas casas, ansiosos, receosos, por não saberem o que lhes espera, por não saberem o que a famosa lista ditará para o seu futuro. Apoiam-se uns nos outros, carregados de malas, carregados de vivências, carregados de esperança de que, um dia, tudo melhorará, de que um dia, todos terão um lugar possível de conquistar, possível de construir, um lugar que lhes permitirá assentar e tornar vivos os laços familiares, torná-los presentes e próximos, torná-los atos merecidos de qualquer ser humano, mas que, devido a estes concursos, os obriga a saltar e a privarem-se do que todos têm direito a ter: uma família, um lar… Privam-se de tão grandes tesouros e guardam, durante tempos, a ansiedade, a tristeza, a revolta que é terem de se afastar por uma profissão, por uma vida profissional, por uma entrega à educação.

Cansados levam as malas às costas, cansados enxugam as lágrimas de revolta, de tristeza e de ansiedade. Cansados continuam em busca, constante, de um lugar, de uma atitude… buscam o respeito.

Tornam-se meras peças de um xadrez, que de um lado para o outro, a comando de alguém superior a eles, os faz meros peões neste tabuleiro a que chamam educação. São meros peões carregados de esperança e de vontade, mas que se tornam excluídos deste jogo, que anualmente, define as regras daqueles a que se aventuram neste tabuleiro, neste jogo…

Mas é tempo de descanso, é tempo de deixar a ansiedade de lado, ou tentar, é tempo de valorizar o que há e o que se tem, é tempo de viver o dia e pensar que o caminho que se percorrerá amanhã, será alicerçado no respeito. E, carregando as malas aos ombros, a vida que se deixa para trás e afeta cada dia, continua a ser vivida na esperança, na vontade e no desejo de ser professor.

Continua-se um caminho de luta, de mudança e mesmo que sejamos catapultados para qualquer sítio, que façamos o nosso melhor, mesmo tendo todas a adversidades que sabemos que existem. Que se continue a lutar pela educação, que se continue a lutar pela educação dos alunos, pela educação do país, não em prol de números e estatísticas, mas em prol de uma educação real e que responde às necessidades dos alunos.

Mas, para que tal aconteça, que se motivem os professores, que caminhem seguros do que se faz, que sigam carregados das vivências e das boas experiências, que se segurem e amparem nas quedas de uns e outros, que vivam em união e em prol da classe docente, que se tornem verdadeiros elementos de mudança. E, mesmo que cansados, que se continue a caminhar com as marcas de feridas internas, que saram a cada ano que passa, que secam cada lágrima que se deitou, que se corrijam os erros que se criaram.

E, quando se olhar para trás, que se reconheça o caminho percorrido, como um caminho de esforço, entrega e dedicação.

Quando as famosas listas ditarem o futuro de tantos mil, que se abrace cada momento, que se olhe para trás e se possa reconhecer tudo o que foi percorrido, tudo aquilo que se deixou, tudo aquilo que magoou e feriu. Que se olhe para trás e, mesmo cansados, se consigam ganhar forças para continuar esta jornada, que se consiga continuar a acreditar na educação, no futuro e na mudança.

Carreguem as malas, carreguem-nas de memórias, de boas memórias, e sejam fruto de uma educação que toca, que ensina, que educa, de uma educação baseada no respeito e na esperança.

Carreguem as vossas malas, os vossos carros e sigamos rumo ao futuro, não rumo ao passado.

Sequem as vossas lágrimas de tristeza, curem as feridas de dor, curem os sentimentos de desvalorização, de injustiças e de insegurança, tornem tudo isso sementes que dão bom fruto.

Sorriam, enfrentem o que há a enfrentar, porque mesmo sendo professores contratados, tornamo-nos motores e influentes nos conhecimentos dos alunos, tornamo-nos amantes da educação, porque acreditem, se não se acreditasse no valor da educação, jamais se privariam do que nos privam. E, cada um saberá os sacrifícios que faz, que fez e que fará…
Sejam professores, contratados, apaixonados pela arte de ensinar, apaixonados pela arte de educar, mesmo que não seja sempre fácil de o fazer.   

Encontrar-nos-emos no caminho… carregados e de malas às costas.

#umacaixacheiadenada
Rui

Comentários

  1. Excelente texto, "carrega" todas as emoções de cada docente que se encontre na(s) situação (ões) que tão bem descreve. Obrigada.

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