Apressem-se, a escola está a terminar e, ainda, não aprenderam a brincar

Já repararam como o ano não tarda a terminar? 
Já repararam como o tempo passou num ápice?
Pelo caminho ficaram tantos projetos, tantas atividades que gostaríamos de ter feito… 

Mas calma, ainda faltam uns meses para terminar, por isso, há, ainda, muito a fazer!

As pastas tem de seguir cheias para casa, com todo o trabalho, esforçado, das crianças. As paredes ainda não estão suficientemente preenchidas, e os projetos que foram definidos no início do ano, ou até mesmo antes deste arrancar, ainda nem sequer foram concluídos. 

Por isso, há ainda tanto a fazer. 
Os arraiais começam-se a preparar e as crianças tornam-se marionetas de um espetáculo que pretende mostrar o trabalho desenvolvido ao longo do ano, ou então não. Empenhados, (des)motivados, e repetição após repetição, ensaiam direitinho  e realizam rigorosamente, desajeitados, os passos que lhes são ordenados. 

Mas o tempo está a passar e, além da festa, as prendas de final de ano tem de ser feitas, as capas embelezadas, as cartolas e as pastas de finalistas terminadas, e as crianças, outrora ativas, deixam de ser agentes construtores do seu conhecimento, tornam-se agentes passivos. São parte integrante e fundamental de todo o processo, mas, nestes finais de anos tornam-se, quase que, uma segunda prioridade. 

Apressem-se por favor, há um rol de atividades a fazer, há um rol de atividades a combinar, a terminar. 

Como se não bastasse, aumenta a ansiedade dos pais em relação àqueles que vão transitar para o 1º ciclo. Quantas perguntas borbulham na cabeça em relação ao próximo passo, quantas incertezas nas tomadas de decisões, quantas faltas de conhecimento em relação aos próprios filhos. 

Mas atenção, o tempo continua a passar... 

Apesar do ano estar a chegar ao fim, as letras, ainda, não as sabem, os números dizem-nos a cantar e o seu nome nem o sabem escrever. 

Por favor, apressem-se o fim do ano está a chegar e as crianças ainda não sabem as letras do alfabeto! 

Como se a prioridade fosse isso, como se a intenção do pré-escolar fosse isso.
A pressão aumenta para as crianças, para os educadores, as incertezas surgem e existe tanto apoio a dar, tantas oportunidades a passar mesmo ao lado, oportunidades essas reais e de uma importância extrema.

Melindrosos, inseguros, eles esforçam-se para adquirir estas competências a que tantos sobrevalorizam, as letras e os números. 

Alguns insistem: ainda não sabe ler... Mas eles nem têm de saber ler!
Tantas são as competências que têm a adquirir antes da leitura e da escrita. Os educadores respondem, “O pré escolar não ensina a ler nem a escrever! O pré-escolar permite que as crianças construam noções, tais como lateralidade, orientação espacial, orientação da escrita, conhecimento fonético, motricidade, e tantas outras igualmente importantes...
Leitura e escrita não fazem parte deste cardápio. 

Os chamados condicionais balançam-se numa corda bamba, sem entender muito bem o que lhes resta, ou espera, equilibrados pela sua vontade e pelo apoio dos que os rodeiam, estão ao sabor da decisão, tão importante, dos pais: “Dá o passo para o 1 ciclo ou aguarda mais um pouco?”
Que seja um passo consciente, seja ele para onde for, que haja preparação, que o passo seja consolidado, ou que se torne o tempo, até ao passo, fortalecido e confiante. 

Não são precisas crianças inseguras, com baixa autoestima, assustadas, são precisos alunos confiantes, capazes, críticos e com capacidade criativa. 

Mas o tempo não para, por isso, todo o tempo que ainda resta deve ser aproveitado da melhor forma, e existe melhor forma para passar o tempo, para adquirir competências para o pré-escolar, para o 1º ciclo, do que a brincar? 

Mesmo com o tempo a passar tão depressa e a existirem tantos projetos que os adultos queriam implementar, o brincar continua a ser a melhor solução. 

E, ao invés de estarem fechados e sentados nas salas, a rua continua a ser o espaço para promover competências e, quão rico se torna. Mas, torna-se importante não esquecer, que mesmo sendo um espaço exterior, não deixa de ser da competência do educador a sua organização, as potencialidades que lhes proporciona. 

Apressem-se que o ano está quase a chegar ao fim. Apressem-se a ir para a rua, apressem-se a permitir que brinquem e que construam as relações sociais, que se tornem corajosos e audazes, que vivam a aventura e o medo, que ultrapassem os obstáculos que lhes surgem no caminho, que sejam crianças que experimentem o erro com o intuito de encontrar a solução, que subam e desçam às árvores, que se ajudem entre si e construam uma noção de comunidade, de autoajuda, de interajuda, de respeito e valorização do outro e pelo outro. 
Apressem-se por favor e deixem que eles criem relações que favorecem as amizades e o sentimento do eu. 

Apressem-se, porque o tempo está a passar, a escola quase a terminar, e eles não terminaram as atividades que havia para terminar, o brincar. 

#umacaixacheiadenada

Rui Inácio

Comentários

  1. Como sempre muito bom, perspicaz e sublime mas direto a um assunto tão importante, senão o mais importante neste momento em educação de infância, - o brincar (ou a falta disto). Obrigada!
    (Vanessa)

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    1. Muito Obrigado Vanessa, são apenas alertas para pensarmos todos nestas "pequenas" coisas! Obrigado!

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  2. Que pena que quem pensa assim no pré-escolar seja (ou a mim assim me parece…) quase "agulha num palheiro"...
    Muito obrigada Rui, por me fazer sentir acompanhada e um bocadinho menos "pamonha sentimentalona"...
    Isto tudo e ainda mais Afecto! Um abraço, um beijo, uma mão no cabelo, um afago, tão logo quanto assim o consigam conquistar.
    Gostava que o meu desabafo fosse só por ser segunda-feira… mas acho que não.
    (Rita)

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    Respostas
    1. obrigado Rita pela sua mensagem! somos várias agulhas neste palheiro a que chamam educação! Importante é que as encontremos e se troquem experiências! :) Muito obrigado!

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  3. Muito boas as suas palavras! Dá voz aos meus pensamentos, que por vezes parecem não caber neste mundo.
    Ainda não encontrei lugar nesta linda profissão, por não me conseguir afirmar da forma como me parece que se afirma, espero vir a consegui-lo! Saber que não sou a única ajuda, sem dúvida.
    Obrigada por tornar as suas palavras públicas!
    Joana

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