Deixem as grelhas padronizadas (...) os adquiridos, não adquiridos e não observados!

O primeiro período aproxima-se do final.

A toda a pressa começam-se a preparar as avaliações, a ultimar os retoques necessários, para que, em reuniões, sejam apresentados os percursos de cada criança, ou em alguns casos do grupo. 

Empenhados em transmitir o maior número de informação possível, os educadores seguem ao sabor da maré que lhes é imposta. Cumprem, à risca, uma série de itens que cotam as crianças e as equiparam a crianças padrão, crianças norma. 

Os indicadores a avaliar parecem não terminar. As grelhas tornam-se verdadeiros poços sem fundo. Os adquiridos, não adquiridos, não observados e em aquisição, tornam-se a linguagem mais falada nestes dias e, são elas que refletem o crescimento, a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças. São elas que ditarão as aprendizagens crianças e o seu nível de desenvolvimento (ordenadas pelos adultos). São elas que estabelecem níveis e categorias no grupo, tornando-se mais fácil fazer uma leitura numérica, ou até mediana do grupo. 

A construção de documentos de avaliação é o grande “calcanhar de Aquiles” dos educadores, o grande desafio. Esta lacuna, leva a que se procurem práticas de sucesso, práticas que justifiquem uma avaliação, uma avaliação que possa ser utilizada de forma direta e sem grandes alterações ou mudanças, uma avaliação prontinha a consumir!Utilizam-se grelhas que estão pré-concebidas e são aplicadas mês após mês, período após período, sem qualquer reflexão na sua utilização. Habituamo-nos a aplicar documentos que existem na educação, que existem na sala ao lado, que existem, porque alguém as construiu para o seu grupo. Utilizamos as grelhas porque, segundo dizem, é obrigatório e imposto pela Ministério do Trabalho e da Segurança Social e/ou pelo Ministério da Educação. 

Referimos, de forma constante, que as crianças, cada vez mais, estão pouco participativas, pouco críticas, com pouca capacidade criativa,… mas, e nós? Que exemplos damos? 

Procuramos grelhas de avaliação para aplicar, sem sequer as adequar, procuramos documentos feitos, e por vezes, até projetos curriculares/pedagógicos de grupo prontos a utilizar, e mesmo quando impostas as grelhas, aceitamos e nem questionamos o porquê, aceitamos e nem pensamos no grupo que temos, porque o importante, cada vez mais, são os números, a percentagem dos adquiridos e não adquiridos. E a nossa capacidade de criação? E a nossa capacidade de reflexão?    

É isto a Educação de infância? 
Chama-se a isto avaliar? 

A avaliação torna-se algo real quando olhamos para o grupo de forma integral, quando olhamos para as crianças mediante as suas conquistas, o processo que as levaram a ultrapassar as dificuldades. Não olhamos, ou não deveríamos olhar, mediante o adquirido ou não adquirido, só porque se torna necessário quantificar cada item, cada indicador.

Sabemos, claro, que a criação de documentos de avaliação não é fácil. Mas sabemos, também, que o crescimento profissional, leva-nos a melhorar essa nossa capacidade, leva-nos a ouvir, leva-nos a construir em equipa, partilhar em equipa e a direcionar cada documento no sentido real da educação de infância, não no sentido que adultos querem seguir. 

Deixemo-nos de burocracias. Deixemo-nos de teorias de conspiração e de quantificação, porque não são essas formas de estar que valorizam as aprendizagens das crianças. Não são os números, as médias, nem as escalas numéricas, que refletem o seu dia-a-dia. Não são as categorizações que reforçam o bem-estar de cada um. São as descrições, reais, de cada criança que refletem as aprendizagens, as dificuldades enfrentadas e ultrapassadas e a forma como se tornaram agentes da construção do seu próprio conhecimento. 

Deixem as grelhas padronizadas, categorizadas, numéricas e de percentagens. Deixem de olhar para as crianças como adquiridas, não adquiridas, ou como um simples número. 

Desafiem-se a olhar para cada uma delas, como alguém em construção, em que, tantas vezes, surgem indicadores que não estão presentes nessas listas intermináveis de categorizações. Desafiem-se a olhar para a educação de infância, como um espelho real e holístico das crianças e não dos adultos, onde os números e as percentagens, dão lugar às descrições únicas, reflexo da aprendizagem de cada criança, de cada criança não padronizada! 

Que se apresentem aos pais, as avaliações que representam percurso dos seus filhos e não os indicadores que demonstram que todas as crianças devem ser iguais, os indicadores que estabelecem o perfil padrão da criança. Sejam verdadeiros.   

Deixem-nas ser as crianças que são, únicas, com tempos diferentes, com formas de estar diferentes, com temperamentos diferentes, com aprendizagens diferentes. Deixem-nas, simplesmente, ser crianças.  

#umacaixacheiadenada
  
Rui   

 


   


 

Comentários

  1. Percebo claramente o que diz mas também defendo que é possível encontrar o equilíbrio entre a avaliação quantitativa e a observação do desenvolvimento da criança!
    Os sistemas de avaliação são aqueles que quisermos implementar. Existem orientações da tutela não obrigações da tutela!
    Gosto das suas reflexões! Parabéns pela partilha!
    Adriana Monteiro - consultora da Qualidade em Respostas Sociais

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    Respostas
    1. Olá Adriana, obrigado pelo seu comentário!
      Refere algo de extrema importância, e que, nem sempre é entendido dessa forma: "Existem orientações da tutela não obrigações da tutela!" A necessidade de seguir as regras que se consideram impostas, leva a que nunca se questione o que se faz. A obrigatoriedade nasce nas nossas cabeças, na nossa capacidade de não questionar. Infelizmente, ainda são muitos os profissionais que não refletem no que vai surgindo, utilizamos o conceito, pronto a consumir, grelhas, atividades, etc... Mas a verdadeira essência da educação é a adequação, adaptação e ouvir o que estes pequenos nos dizem. Quanto à quantificação, entendo que, para diversas situações, sejam necessários números, mas, a educação de infância não é quantificável, porque de Acordo com as Orientações Curriculares para a Educação de Infância, devemos seguir uma avaliação que siga ao encontro de cada criança, que represente o real caminho de aprendizagem e desenvolvimento, não a quantidade de adquiridos ou não adquiridos. Ao quantificarmos, terminamos a quantificar o grupo, a categorizar, a criar classes, níveis, e sendo provocatório, de classes e níveis, está a sociedade cheia! :) (uma brincadeira). Considero sim, coerente, esforçarmo-nos para atribuir um real sentido à palavra avaliação, e assim, conseguirmos mostrar um percurso coerente, afastado da categorização, da quantificação, da norma, da criança padrão!

      Agradeço bastante o seu comentário! E fico contente, por perceber que vou tendo leitores assíduos, mas mais do que isso, se aventuraram a partilhar opiniões e diálogos em prol da educação! O meu obrigado sincero. Desejo-lhe um bom Ano de 2019!

      Rui

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  2. Na Santa Casa está a ser feito um grande esforço para avaliarmos a partir através do Portefólio, desde a creche até ao JI.
    É necessária uma mudança de paradigma! Obrigada pelo seu post!

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  3. Parabéns pela reflexão e obrigada pela partilha. Completamente de acordo com as ideias expressas.

    ResponderEliminar
  4. "Que se apresentem aos pais, as avaliações que representam percurso dos seus filhos e não os indicadores que demonstram que todas as crianças devem ser iguais, os indicadores que estabelecem o perfil padrão da criança. Sejam verdadeiros.

    Deixem-nas ser as crianças que são, únicas, com tempos diferentes, com formas de estar diferentes, com temperamentos diferentes, com aprendizagens diferentes. Deixem-nas, simplesmente, ser crianças."
    O que dizem as cruzes e as grelhas sobre cada uma das crianças? Sobre o seu percurso, as suas conquistas e dificuldades? Sobre as áreas e formas de intervenção que poderão ajudar a criança a ir mais além?
    São crianças! Não são números, listas ou conjuntos de pessoas iguais.
    São indivíduos que não precisam de nota para transitar de ano mas sim de atenção individualizada e de efectivas relações de parceria entre escola e família, entre os vários intervenientes no seu processo educativo!

    Esqueçam as grelhas e procurem instrumentos que realmente apoiem a criança no seu crescimento.

    ResponderEliminar
  5. "Que se apresentem aos pais, as avaliações que representam percurso dos seus filhos e não os indicadores que demonstram que todas as crianças devem ser iguais, os indicadores que estabelecem o perfil padrão da criança. Sejam verdadeiros.

    Deixem-nas ser as crianças que são, únicas, com tempos diferentes, com formas de estar diferentes, com temperamentos diferentes, com aprendizagens diferentes. Deixem-nas, simplesmente, ser crianças."
    O que dizem as cruzes e as grelhas sobre cada uma das crianças? Sobre o seu percurso, as suas conquistas e dificuldades? Sobre as áreas e formas de intervenção que poderão ajudar a criança a ir mais além?
    São crianças! Não são números, listas ou conjuntos de pessoas iguais.
    São indivíduos que não precisam de nota para transitar de ano mas sim de atenção individualizada e de efectivas relações de parceria entre escola e família, entre os vários intervenientes no seu processo educativo!

    Esqueçam as grelhas e procurem instrumentos que realmente apoiem a criança no seu crescimento.

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