Por favor pai, tem de chegar mais cedo. O seu filho tem trabalhos em atraso.

Esta é a nossa realidade. 
O grupo de pais que temos, é um grupo diversificado. 

Temos os pais empenhados e preocupados. 
Temos os pais um pouco menos preocupados, em relação ao que se faz, ou à forma como os seus filhos passaram o dia na escola. 
Temos os pais "picuinhas", que à mínima situação nos caem em cima sem darem oportunidade de justificação. 
Temos os pais "tá-se bem", que valorizam o que vai sendo feito, e que, acima de tudo, se preocupam com o bem-estar de todos, seja dos filhos, seja da equipa de sala. 

Temos pais para todos os gostos. 

Ah! Há ainda os pais pontualíssimos que, por obrigações profissionais, estão à porta da escola, mesmo antes desta abrir. 
Temos ainda os pais, que chegam mais atrasados e que, tendo horários fora do comum a cumprir, aproveitam o tempo que é permitido para passar com os seus filhos. Tempo esse, que vale ouro. 

O educador na sala, observa pela janela os pais que trazem pela mão a criança. Chegam, já depois do acolhimento, atrasados, apressados, mas empenhados em deixar o seu filho na escola. Afinal, é um tempo importante, é um tempo de aprendizagem. 

À porta são recebidos pelo educador que, já um pouco cansado, repreende: 
"Por favor pai, tem de chegar mais cedo!"

É certo, que sabemos a importância que o tempo do acolhimento assume. 
É certo, que reconhecemos nele potencialidades de relação, de responsabilização, de tempo de grupo, de momentos para se dialogar, para se ouvir, para se cantar, para contar,... é verdadeiramente um momento intencional cheio de oportunidades importantes para o desenvolvimento das crianças. 

Mas o tempo que os pais passam com os filhos, não será importante? 

Sabendo que os pais, devido a questões profissionais, se regem por horários diferentes dos habituais, não deveremos considerar esses horários importantes para promover o tempo em família e, realizar uma adequação justificada pela necessidade consciente da mesma? 

Que exigências fazemos perante cada situação que temos diante de nós? Exigências conscientes? Dizemos frequentemente:  respeitamos as crianças que temos a nosso cargo, promovemos a boa relação entre família e escola, valorizamos o tempo de família. 

Valorizamos de facto, mas não sabemos argumentar. 

Olhamos para aquela criança, para aquela situação, e associamos o horário tardio a que chega, a um atraso no que tem para fazer, na quantidade de trabalhos que deixa atrasados, na dificuldade que será em manter o ritmo de trabalho impulsionado pelo grupo. Valorizamos os papéis que precisam de ser enfeitados, decorados, preenchidos, porque, de facto, aquela criança está a ficar com trabalhos em atraso. Não valorizamos a necessidade de pai e filho passarem tempo juntos. 

Como nossa responsabilidade, confrontamos os pais, e dizemos apenas, 
"Por favor pai, tem de chegar mais cedo!" Mas, se de seguida surgisse uma argumentação coerente, que valorizasse realmente a ida ao jardim-de-infância, ou seja, as aprendizagens reais, poderíamos entender! Mas não! 
Para completar a citação ouve-se:
"O seu filho está a ficar com trabalhos em atraso!" 

Incrédulos, os pais ouvem em silêncio tal afirmação, com o objetivo de assimilar tudo o que se vai dizendo, de valorizar a importância dos trabalhos, dos dossiers cheios de atividades de expressão plástica. 
Entre pais, e depois de ouvirem tal barbaridade, refletem na real importância da educação de infância. Refletem nos argumentos que acabaram de lhes ser apresentados. 
Apesar de tudo, valorizam o que é feito e partilham, "De facto, elas têm muito trabalho, fazem muitos trabalhos. As crianças chegam lá e carimbam o dedo no trabalho. E assim, já podem escrever o nome do meu filho no tal trabalho em atraso." 

Será que é isto que queremos passar? Será esta a importância que queremos dar à educação de infância? 

Ousem a valorizar o necessário. 
Ousemos a valorizar cada criança como um ser cheio de curiosidades, interesses e motivações. 
Ousemos a desvalorizar os dossiers e capas decoradas cheias de trabalhos e, valorizem-se as experiências pelas quais elas passaram ao longo da sua infância!
Ousemos ser educadores atentos, sensíveis ao contexto familiar, às necessidades de cada um.
Ousemos respeitar, porque só assim seremos respeitados.
Ousemos argumentar a nossa prática pedagógica, pois só assim será valorizada a educação de infância. 

#umacaixacheiadenada

Rui Inácio


Comentários

  1. Olá, Rui!
    Cheguei hoje a este blog, através de uma partilha, e antes de mais tenho de lhe dar os parabéns pela forma clara e rica com que aborda cada assunto, numa linguagem acessível para todos!
    Uma pergunta, por curiosidade, e não sei se já escreveu sobre isto: qual a sua opinião relativamente à situação em que os pais, trabalhando em horários rotativos, aproveitam a folga para ficar com os filhos todas as semanas?
    Por um lado, temos o fortalecimento de relações pais-filhos, com a partilha de experiências e de momentos que são obviamente benéficos para ambos. Por outro lado, faltam todas as semanas às experiências e vivências do JI. Há quem refira, ainda, que se criam maus hábitos para os anos seguintes, em que depois não é possível faltar à escola.
    Muito obrigada desde já!

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    Respostas
    1. Olá Marta, em primeiro lugar gostaria de lhe pedir desculpa, porque não vi o seu comentário. Em relação ao que me questiona, valorizo esse tempo em família. Sabendo que os horários são mais complexos e o tempo em família acaba por ser reduzido, temos de ter a capacidade de dar a resposta à família, neste sentido, permitir que semanalmente a criança usufrua desse dia de folga. Se falamos em pré-escolar, é um tempo flexível e ainda permite esta possibilidade. Como referi, é o fortalecimento das relações, o conhecer da necessidade da família que beneficia a criança. Obrigado! e, mais uma vez, peço desculpa.

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  2. Tão rica essa possibilidade que alguns pais têm de aproveitar as folgas com os filhos durante a semana! Mas, mais importante do que isso é, quanto a mim, questionarmo-nos se não será esse o único dia em que o podem fazer... muitos são os que não têm folga ao fim de semana... que saem cedo e chegam tarde e passam dias inteiro sem estarem com os filhos... que direito temos nós de llhes apontar o dedo?
    Aproveitem enquanto podem... São os primeiros 6 anos e depois acabou...

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