Como posso incentivá-lo, quando me diz que a escola é uma seca?

Hoje, em conversa com uma amiga, uma mãe preocupada com o início da escola, falava-me de como tinha sido o ano anterior do filho e das dificuldades que tinha sentido e ainda sentia.

Pela conversa, fomos entrando sala de 1º ciclo dentro, e a nossa imaginação, começava a viajar no tempo, comparando com o nosso tempo: existia brincadeira, com os recreios em terra batida, chão solto, montes de areia, árvores para trepar, pedras para atirar e tudo o que nos permitia ter boas experiências, que nos faziam ir para casa sujos, de  calças rotas, arranhados, feridos e com marcas para a vida… Marcas positivas, entenda-se! 

Continuamos a conversa, e a preocupação segue no sentido dos tempos demasiado preenchidos, nos tempos que não permitem que brinquem, nos tempos que não os permitem ser crianças.

Falávamos na organização do currículo, da necessidade de concluir o programa a todo o custo, deixando, tantas vezes, de parte o interesse das crianças, a vontade de aprender, e a necessidade real dos mais pequenos.

De facto, aprender a ler, aprender a escrever, é algo importante. É algo que marcará este ciclo, é um momento de concentração, de empenho e, quer queiramos quer não, é um momento de valorização, por vezes excessiva. E a nossa sociedade coloca um peso enorme, nos ombros de quem leciona, impondo, exigindo, reclamando, de que o importante é mesmo saber ler e escrever, precisam-se de números e de percentagens. 

Com esta atitude, acabam-se por perder interesses, motivações e necessidades. Acabam-se por perder atividades com sentido, isoladas dos manuais, dos temas estereotipados e afastados dos reais interessados, os alunos, as crianças.

A interdisciplinaridade poderia ganhar sentido, valorizando cada projeto como um momento de cruzamento de saberes, de gerações, de áreas, de disciplinas… No fundo, a interdisciplinaridade, torna-se sinónimo de mudança.

E na Educação de Infância é um caminho que se segue de forma frequente, onde não se olha de forma estanque para cada área. Observa-se o interesse principal dos miúdos, e tenta-se, a todo o custo, responder às necessidades de cada um. Tenta-se a todo o custo, envolver os mais pequenos neste processo a que chamamos educação, em que os mais novos, são os principais interessados, os atores principais nesta peça de teatro.

Apesar de tudo, tenta-se criar esta mudança, alertando para o interesse do grupo e para a capacidade das crianças: a capacidade de decidir o caminho que podemos tomar, em conjunto.

Quão motivante será, se nos impuserem um caminho, que nós adultos não queremos seguir? 

Quão desafiante será, se nos impuserem algo que não nos interessa e não nos suscita a curiosidade para continuar?

Quão empreendedor será se, eu, educador, não for sensível às necessidades das crianças, aos interesses e dificuldades?

Quão profissional serei, se esqueço uma competência que caracteriza a minha profissão, a reflexão da prática, e não reflito no que faço diariamente?

Quão disponível estarei a esta mudança que, de forma frequente, nos interpela a ouvir as crianças, seja em que ciclo for?

Mas, a conversa continuou e, em jeito de súplica dizia-me “como posso incentivá-lo, quando me diz que a escola é uma seca? “


#umacaixacheiadenada

Rui Inácio

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