A mãe tem de ir ao carro buscar o casaco e já volta


Quantas vezes, de manhã, os pequenos ficam a chorar? Quantas vezes, de manhã, se agarram às pernas dos pais e não os largam? Quantas vezes, queremos ajudar e não nos deixam sequer aproximar, porque têm a situação controlada? 

Este tempo, de transição, é de tal forma explosivo, sentimental e impulsivo, que os argumentos que se utilizam, saem da boca para fora, sem qualquer pensamento. Saem, apenas, porque acham que minimizam este momento.

Quantas vezes ouço "a mãe tem de ir ao carro buscar o casaco e já volta"? E posto isto, fico a pensar,  "o carro está realmente longe... Será que a mãe se lembra onde deixou o carro?? Será que a mãe ainda não encontrou o casaco??" 

Diz o que diz. 

A criança fica, ao meu colo, a chorar, porque a mãe teve de ir ao carro buscar o casaco e "já volta"...  E o "já volta", dura o dia inteiro, uma eternidade para as crianças! Mas "já volta"... Já? É que já está na hora de eu sair e a mãe ainda não apareceu!!!??

Bem sei que, em muitos casos, depressa acalmam,  e assim que os pais viram costas, ficam a sorrir. 

Mas eu sei, eu confio nestes pequenos, porque sei de que forma os hei-de confortar. Sei de que forma falar para os acalmar... Basta ser sincero... Verdadeiro. 

Quantas vezes tenho que dizer, "oh mãe, não vai nada ao carro buscar o casaco, vai trabalhar!" E isto, é tão importante de perceber. Trata-se, simplesmente de sermos e de, desde pequenos, lhes mostrarmos uma coisa tão importante que se chama sinceridade! 

Esta capacidade que vamos explorando ao longo dos tempos, leva a que todos os envolvidos saibam como agir, como os ajudar a crescer e a acreditar naquilo que lhes é dito. 

Quantas vezes temos de dizer, mesmo depois de terem sido informados que a mãe foi ao carro buscar o casaco, que afinal não foi ao carro, mas, foi sim, trabalhar. 

Os pais trabalham, a maioria, e é por isso, que saem todos os dias de casa e deixam os filhos na escola.

Além da sinceridade, mostramos a importância das responsabilidades que todos nós temos: responsabilidade de ir à escola, responsabilidade de ir trabalhar,... Sinceridade e responsabilidade, dois pequenos valores que podemos mostrar através das nossas ações. 

Deixem lá o casaco no carro, deixem lá o ir ali e já volto, deixem lá as desculpas que se dão sem medida, na ânsia de que resultem para os acalmar...

É que, por muito que tentem, não os estão a acalmar... (Mas desculpem a sinceridade) estão a mentir..  a enganar. E não me digam que é uma pequena mentira, porque hoje são vocês a dizê-las, amanhã, serão eles... 

E qual será a escala para lhes mostrar a gravidade da mentira? Para eles poderá ser sempre uma pequena mentira... 

Mas afinal, o que pretendemos? Educar crianças que sejam verdadeiras, e saibam lidar com estas situações, ou queremos que, desde cedo aprendam a mentir, mesmo sendo pequenas mentiras, que lhes são mostradas através das ações dos pais, e de todos aqueles com quem estão diariamente? 

#umacaixacheiadenada

Rui Inácio 

Comentários

  1. Muito bom Rui :) , muito verdadeiro!

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  2. Nunca deixe de escrever estes "desabafos". Gosto tanto de ler... Transmite o que muitos de nós pensam mas não sabem exprimir. Obrigada.

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    1. Obrigado Sónia pelo seu feedback! São reflexões que se podem tornar reflexões conjuntas e momentos de partilha! Um obrigado sincero!

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  3. Eh pah! Quem fala assim não é gago! Já dizia o ditado! É nisto que acredito! A verdade ( às vezes na medida do seu tamanho), mas sempre a verdade! Parabéns Rui pelo belo texto! Continua!!!

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    1. Obrigado Rute! É apenas mais uma reflexão, para pais e profissionais da educação pensarem! ;)

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  4. Um dos teus melhores textos. Bjinhos e saudades.

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  5. E é sempre tão verdade aquilo que escreves...
    Mais um texto maravilhosamente verdadeiro e que retrata perfeitamente o nosso dia a dia no trabalho com as crianças. Estes textos merecem um livro :)
    E já agora talvez fosses a pessoa ideal para dar formações a tantos profissionais de educação, assim como a pais também ;)

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  6. Acredito sinceramente que muitas vezes essa "desculpa" não é dada com má intenção, mas por amor. Porque só uma mãe que deixa o filho a chorar à porta de uma escola sabe o sofrimento imenso que isso causa. Costumo dizer que vou trabalhar, que preciso e porquê. Mas às vezes apetece mentir para não ter de ver o sofrimento no olhar deles... Não discordo do seu comentário, mas acho injusto crucificar os pais que muitas vezes usam a desculpa do "já volto" por desespero e por não saber o que fazer. Esses pais que dão a "desculpa", tal como eu, vão muitas vezes a chorar até ao trabalho...

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    1. Olá Natércia, agradeço o seu comentário! Não estou de todo a referir que é má intenção, alerto apenas para pequenos comportamentos que existem, dos quais, os mais pequenos se irão apropriar. Sou educador, sensível às necessidades dos pais, e reconheço a importância que este momento tem. Da minha prática, do que vejo, sei, perfeitamente que ao virar as costas as lágrimas correm nas caras de tantos pais e mães, e o coração vai mais apertado do que nunca. O texto tem o objetivo de pôr a pensar, de alertar para este pequeno comportamento. No meu caso, disponibilizo-me a ajudar nessas situações, porque reconheço o quanto to custa. Mais uma vez refiro, o texto serve apenas para pensarmos, em.conju to, pais e educadores, auxiliares, de forma a que estes momentos sejam menos penosos para todos. Porque os pais choram, porque os miúdos choram, mas é os educadores e auxiliares, não ficam também de coração apertado? Trata-se de olharmos para dos diferentes papéis e aprendermos a unir forças. Obrigado pela sua sinceridade e feedback!

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  7. Acho EXACTAMENTE o mesmo, e NÃO entendo pessoas como a minha mãe que consideram isto uma mentira piedosa. E fazem este disparate pegado a toda a hora. Tira me do sério. E deixa me com uma revolta tal, que a faz achar que a criança sou eu, e que "é em atitudes destas que se vê que não cresci." Apenas gosto de sinceridade, e atitudes destas revelam falsidade, mentira, capacidade de enganar (ou pelo menos tentativa de o fazer) miúdos e graúdos. Nem sempre dá bom resultado, ou melhor, quase nunca dá, porque por norma sai sempre o tiro pela culatra.

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  8. Concordo plenamente e sou a primeira a dizer que a mãe tenho que ir trabalhar. É como dizer que vai ao tostão, não sou adepta, é incentivar o "dinheiro" na mente da crianças desde pequenas. O meu marido ultimamente viaja muito e a pequena de quase 3 anos digo-lhe que o pai vai ao avião e que vamos levar e buscar o pai ao poto(aeroporto).

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  9. Muito bom o artigo ! Quantas e quantas vezes isso acontece ! Quantas e quantas vezes eu lhes reconforto dizendo que a mãe foi trabalhar, quantos deles os pais não trabalham e aí eles respondem : a mãe / pai não trabalha !,,,, lá tenho de explicar então a mar / pai não arruma a casa , lava a roupa etc !
    Mais!.....quantos adultos quando os pais se atrasam lhes respondem : hoje vais ficar aqui na escola !
    hoje vais para minha casa ,hoje esqueceram se de ti cá na escola ,
    Parem de remediar ou mentir elas ficam confusas e percebem tudo . E até percebem sim. Se lhes explicarmos a verdade ou até conversarmos com ela procurando perceber pague se terá passado naquele dia! Trânsito , atraso etc

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  10. A única certeza que um filho precisa é que : "A mãe vai sempre voltar !" e quando voltar vai ser bom , vai dar aquele abraço, vai sentir o cheiro e vai ficar tudo bem...
    E amanhã será outro dia...

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  11. Sabes que na primeira reunião de pais digo isto mesmo?! Saber que um colega de profissão concorda comigo é um conforto! Vou guardar as tuas palavras para o futuro, dizes o mesmo que eu dê uma forma muito mais eloquente! Um obrigado pela partilha, continua porque a tua caixa cheia de nada, para mim tem um cheia de tudo!

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    1. O importante é estarmos conscientes, são palavras apenas, meras palavras que se tornam escritas e que, acima de tudo, têm a função de fazer pensar, de mexer, de refletir, e nisso, todos somos chamados para o fazer! :) Obrigado pelo comentário!

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  12. Uma Grande Verdade e mto bem fundamentada. Sou mãe de 3 mulheres e avó de uma menina de 5 anos e sempre fui pela verdade às miúdas, tanto no infantário ou qdo não as podia levar comigo, saídas à noite por exemplo e elas ficavam com as avós. Depois com a neta igual, mtas foram as noites que a miúda ainda bem pequena ficou cmgo devido ao turnos rotativos da mãe. Dava dó, o choro dela a chamar pela mãe, sempre a confortá-la, dizia-lhe, "a mamã foi trabalhar morinho da avó, foi ganhar dinheirinhos para a papinha da menina, agora fazes óó e qdo acordares a mamã já está de volta para ti". Depois habituou-se claro, entretanto a minha filha conseguiu só horário diurno e tudo voltou ao normal. A verdade com as crianças é essencial, elas compreendem, acabam por aceitar pq sabem q podem confiar no que lhes é dito.

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    1. O texto tende apenas a alertar para os argumentos que se dão, tantas vezes de forma inconsciente. Sermos verdadeiros, através dos nossos exemplos, quer sejam pais, educadores, auxiliares, educamos pelo exemplo e tornamos qualquer momento uma verdadeira aprendizagem! Obrigado pelo seu comentário!

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  13. Acredito que sim! Enquanto profissional, reconheço que muitas palavras têm de ser dirigidas aos pais, tenho essa sensibilidade para o que passam e para a forma como poderão estar a sentir esse momento. Até para nós, educadores, se torna um momento difícil, damos o melhor para que os vossos filhos fiquem bem, para que os pais fiquem tranquilos e todos possam usufruir da melhor forma a escola! Obrigado pelo seu comentário!

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  14. Muito bem dito ! Eu sempre que vou levar o meu pequeno e ele fica a chorar digo lhe sempre que a mae vai trabalhar para ganhar dinheiro ! E ele se acalma e fica bem ! Acho uma parvoice dizerem essas coisas as crianças, so incentivam as criancas a mentir ,por mais pequena mentira que seja! Obrigada pelo seu testemunho ! Continue !!

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  15. Epah Rui!!

    Excelente!!

    Ass: Susana Crato

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  16. Falo muito nesta situação nas minhas reuniões...
    Muitos pais não imaginam o "dano" que fazem ao mentirem...as crianças ficam sempre à espera de quem prometeu ...para nós educadores, temos de descalçar a bota.
    Já me aconteceu em tempos, uma mãe enviar equipamento para natação, quando não o tinha inscrito para a atividade. Questionada sobre isso: ele não parava de chorar e eu mandei! Ah pois! Agora sou eu que tenho de explicar à criança que a mãe não permite! Mas enviou as coisas....
    Pode nem ser por mal, mas é uma falsa sensação de conforto. Explicar sem mentir é o melhor, porque os pais perdem a credibilidade perante os filhos.

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