O tempo roubado ao brincar


O tempo roubado ao brincar

Vivemos numa sociedade apressada. Uma sociedade que mede o valor do tempo pelo que se produz, e não pelo que se vive. O andar depressa tornou-se uma virtude e o “não ter tempo” um símbolo de importância, de uma agenda ocupada.

Neste atropelo diário e nesta corrida desenfreada por querer fazer, há um tempo que se perde sem que muitos deem por isso, o tempo de brincar.

O brincar, essa ação simples, ancestral, linguagem de infância, espaço de descoberta, ensaio de vida, está a desaparecer dos dias das crianças. É substituído por agendas preenchidas, atividades estruturadas, ecrãs e pressas silenciosas. O brincar, aquele que nasce do nada, que cresce da imaginação, que se inventa a partir do nada, tornou-se quase raro, exagerando, um luxo.

Há quem diga que brincar é perder tempo. Mas, é precisamente no brincar que a criança o encontra: o tempo que se alonga, e quase não termina, que se enche de mundos imaginários e invisíveis aos olhos dos outros.

No brincar, o tempo não corre, expande-se. Nesse tempo as crianças aprendem a esperar, a negociar, a criar, mas, principalmente, a ser.

No entanto, o mundo adulto continua a medir o tempo com relógios e metas. Continua a querer transformar o brincar em “atividade” definida numa agenda, limitado por tempo, o jogo em “estratégia”, a infância em “preparação para o futuro”. Mas a criança não precisa de se preparar para viver, precisa, sim, de viver para poder ser. No brincar há essa oportunidade, a vida acontece em simplicidade, de forma plena.

Quando a sociedade elimina o brincar, não retira apenas uma atividade: apaga um modo de existir. Brincar é viver com sentido, é experimentar o mundo com o corpo e com a alma, é aprender a sentir antes de saber nomear. É na liberdade do brincar que se constrói o pensamento crítico, a empatia, a resiliência e o futuro.

Mas o mundo adulto parece ter-se esquecido disso. Substituiu o tempo do brincar pelo tempo do rendimento. Impôs à infância a pressa que já consome os adultos. Esqueceu-se de que uma criança que não brinca é uma infância pouco feliz.

Talvez por isso é possível verificar que as crianças estão cansadas, inquietas, dependentes de estímulos, incapazes de se perder numa brincadeira ou jogo inventado. O vazio, que antes era o início da imaginação, tornou-se agora um espaço de desconforto que os adultos se apressam a preencher.

É necessário devolver este tempo às crianças, tempo sem objetivo, sem meta, sem manuais. Tempo para subir árvores, correr sem destino, olhar o céu, inventar histórias com pedras e folhas. Tempo para se aborrecer e, a partir do tédio, criar.

Brincar não é um intervalo da aprendizagem. É o lugar onde o mundo se constrói com as mãos de quem ainda acredita que é possível imaginar e criar.

E quando a sociedade rouba esse tempo, perde mais do que a infância, perde a sua essência.
Talvez, se voltássemos a escutar as crianças que brincam, também nós nos lembraríamos do caminho de volta ao essencial, o tempo que se vive, e não o tempo que se gasta.


Rui Inácio


#umacaixacheiadenada 

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