Brincar e o desenvolvimento Cerebral

As descrições de práticas na Educação de Infância afastadas do que realmente importa, continuam a surgir de forma incessante. Por incrível que pareça, continua-se a insistir em práticas que valorizam os tracejados, os números, as letras… tudo o que os afasta de ser crianças. 

Por incrível que pareça, continua a existir a urgência de refletir acerca do brincar.  

Reconhecer a importância que o brincar assume no desenvolvimento integral das crianças, é refletir na necessidade de construção de uma boa estrutura educativa, que deve ser centrada nas oportunidades, vivências, desafios e ambientes positivos e estimulantes. Acima de tudo, é permitir dar-lhes tempo para fazerem o melhor que sabem: brincar. Mas é preciso dar tempo!

Os caminhos que se constroem durante o processo do brincar, vivem, de um modo direto, o processo de aprendizagem. Inevitavelmente, brincar é um processo que nos transporta para o conceito de adaptação e de evolução da espécie, sendo evidente a necessidade de aquisição de competências fundamentais à sua sobrevivência. 

Este facto permite que exista uma construção cerebral harmoniosa para a vida, baseada nas experiências e vivências. Como tal, é fundamental a existência de cenários de brincadeira, dando a possibilidade às crianças, que os vivam e que sejam valorizados, principalmente numa fase tão importante como a infância.

O que provoca a sua ausência na vida das crianças?

A atividade cerebral torna-se mais reduzida, logo a predisposição das crianças também muda, de um modo substancial. Diversos autores referem que a ausência destes momentos condiciona o desenvolvimento de zonas cerebrais. Não experimentam o treino de habilidades, de oportunidades, liberdade de expressão, criatividade, imaginação, socialização,… é criado um corte nas aprendizagens alicerçadas no brincar. Falta a estimulação, o respeito e a valorização pela infância. 

Não é só nas escolas que o brincar deve ocorrer, é em qualquer contexto: escolar, familiar,… Os locais e contextos que as crianças frequentam assumem um peso enorme no desenvolvimento das mesmas, por isso, há a necessidade de alteração de perspetivas, quer em ambiente escolar, quer na valorização do brincar na vida das crianças. Omitir esta ação nos diferentes contextos, é deixar que não vivam a adaptação, lidar com a frustração e com o imprevisto. 

A ação do brincar é vista como um diálogo que a criança estabelece entre si e as suas necessidades, deixando-se ir ao sabor da sua imaginação, da criatividade e das relações que cria, consigo própria, com os outros, e até com as oportunidades que surgem e que são construídas. É um momento crucial de aprendizagem. 

Brincar é o processo que permite à criança alcançar novas metas, assumindo-se como um momento evolutivo. Desta forma, valoriza-se como parte integrante do dia-a-dia e como ferramenta de aprendizagem. É um plano mental que as crianças definem, e que abre tantas hipóteses de continuidade, como aquelas que não conseguimos imaginar. 

Esta possibilidade leva a criança a tornar-se um ser ativo, que proporciona trocas fundamentais no desenvolvimento do sistema neurológico e motor. 

Continua-se a valorizar demasiado a escolarização precoce, as disciplinas “base” ou o ciclo vicioso de sucesso escolar, a que se tornam acorrentados durante o percurso escolar desde cedo. No entanto, reconhecer as potencialidades comprovadas do brincar é, ainda, uma temática a refletir, na medida em que, falar dela é valorizar a aprendizagem de viver e de aprender a viver pela experiência e vivência. 

Falar do brincar é assumir que ocorre construção de personalidade, associada, de forma direta, à saúde mental, emocional, social e motora.

Omitir o brincar, leva a uma atividade cerebral reduzida, tornando como premissa a dificuldade de relação, emocional, social e empática.  

Refletir no brincar, associando ao desenvolvimento cerebral, é reconhecer a sua ação transformadora na vida das crianças, no presente e na construção do futuro. É um crescimento constante, interligado e potenciado por tudo o que as rodeia. Esta relação, direta, revela-se como uma vivência das emoções que leva à comunicação entre intervenientes, que, ao não serem vivenciadas, cria um afastamento social e um obstáculo às relações interpessoais. 

A criação de ambientes positivos que proporcionem um cenário harmonioso e desafiante, promovem modificações fundamentais no cérebro, permitindo que os diversos estímulos tenham o poder de transformar e de serem impulsionadores na criação de memórias motoras, emocionais e cognitivas numa infância de aprendizagem.

Este brincar a que assistimos nas salas da Educação de Infância e fora delas, nas famílias, é e deve ser valorizado como um espelho de necessidades reais das crianças. É, e deve ser, um crescimento numa fase de criação de memórias, a infância que não se pode deixar de permitir que aconteça.  

É a conexão entre o Ser criança (em construção) com o futuro adulto. 

Esta valorização está nas nossas mãos, e valorizar o brincar não depende de mim. Depende de nós. 

Será assim tão difícil entender, que o brincar se deve sobrepor a tudo o resto? 


#umacaixacheiadenada


Rui Inácio



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