“A minha mãe comprou-me livros para aprender as letras”
Enquanto educadores devemos promover espaços e momentos que sensibilizem para a importância da Educação de Infância, nomeadamente, da Educação Pré-escolar na aquisição de competências reais e que, se tornam fundamentais na transição para o ciclo seguinte.
A necessidade de se criarem momentos em ambientes familiares, precocemente escolarizados, leva a que as crianças sintam uma pressão excessiva, tornando as vivências que se pretendem positivas, em aprendizagens sem sentido e afastadas das suas necessidades e interesses. Reconheçamos que, as crianças nesta idade, encontram-se numa fase em que o seu corpo e a sua maturidade não estão preparadas para receber os conhecimentos, quer sejam de foro físico, emocional, social, como escolar. Há um processo importante de ser vivido e esse, é baseado naquilo que melhor sabem fazer: brincar.
A utilização de livros ou de manuais, por vezes incutidos em escolas, transmite uma falsa sensação de preparação para o ciclo seguinte. Não é, de todo, o que se pretende nesta faixa etária.
O que se pretende na Educação Pré-escolar?
De facto, olhar a Educação Pré-Escolar é conseguir entender que o brincar é uma ferramenta de aprendizagem, e que a maior preocupação, que se deve ter, é que se dê tempo e espaço para que as crianças o façam.
Este reconhecimento, valorização do brincar, torna o trabalho dos educadores ainda mais desafiante, dada a especificidade na observação a ter diariamente e nos desafios propostos, quer pelos adultos, como pelas crianças. O intuito é desafiar, promover situações, materiais e aumentar as potencialidades dos espaços que levam ao desenvolvimento do brincar. É escutar e conhecê-los.
Este reforço do brincar leva a que se sensibilize para a necessidade de se associar o movimento, a interação com todo o corpo, ao espaço que os rodeia. Assim, criar espaços diferenciados torna-se urgente, alargando, desta forma, as oportunidades de desenvolvimento e de envolvimento criadas.
A escolarização precoce é algo que chega,, diariamente, pelas bocas dos mais pequenos aos jardins de infância. A responsabilidade que lhes é transmitida na exigência da aprendizagem das letras e dos números, leva-os a centrarem-se em atividades que os fazem viver a angústia, a desmotivação e a criação do conceito de escola desviado de si própria. Não há sentimento, não há envolvimento, não há escuta, não há a capacidade de olhar s crianças de modo individual e único.
Quantas oportunidades se perdem ao agirmos desta forma.
O que acontece no jardim de infância que valoriza a transição?
Em primeiro lugar a maturidade é fundamental, comportamental, psicológica, mental, física, visível através do brincar, das relações que estabelecem, dos jogos que se jogam e da própria proatividade ao longo do dia.
A capacidade de criatividade e imaginação leva a que, durante o brincar, construam cenários idealizados, partilhados e cooperados representando a forma como olham o mundo que os rodeia. E se, inicialmente, o brincar estava definido por um caminho, este é alterado, vezes sem conta, e fá-los alargar os conceitos que detêm, tudo com o objetivo de complementar os planos que iniciaram. Alargam, desta forma, conhecimentos já adquiridos, partilhando-os, ou até refutando-os.
As brincadeiras com plasticina, massa de modelar, legos, … permitem-nos explorar as sensações, as texturas, realizar construções minuciosas que envolvem a exigência do movimento para atingirem o fim que imaginaram.
Mas, apesar de vermos refletidas as tentativas diárias e que dão frutos, continuamos a insistir na premissa de que só o lápis os ajuda a desenvolver este movimento. Os labirintos no chão, os desenhos com paus na terra, o movimento ao longo de linhas, muros, e espaços que exijam equilíbrio, fazem com que a experimentação se torne e transporte do global para o específico, e essa vivência é fundamental para a transição. A verdadeira experimentação com todo o corpo.
O jardim-de-infância é um canto de oportunidades, de potencialidades. As ligações criadas entre os diferentes espaços são benéficas para tornar e alargar os conhecimentos que têm e aqueles pelos quais demonstram interesse. As mesas e as cadeiras não podem servir como justificação para a transição, como tantas vezes se ouve: “tens de treinar a estar sentado!”.
Se pensarmos nesta frase e a cruzarmos com momentos do brincar, por ex. enquanto faz uma construção de lego, enquanto brinca no chão, iremos reparar que a criança se encontra sentada, não numa cadeira, mas sim próxima ao que está a fazer, e fá-lo com intenção, com sentido, motivada e empenhada, é isso que se valoriza e que se permite que vivam.
A criação de momentos entre um lápis e uma folha, com orientações precisas de nuvens, chuva e voos de abelhas, não preparam as crianças para o ciclo seguinte, não promovem a motivação, mas sim a frustração.
Que se contem histórias, que se lhes mostre diferentes livros, com código escrito, ou até sem ele. Porque é através do contacto com a leitura e com a escrita destes livros, que se começa a sensibilizar para… A Educação Pré-escolar não tem como fim o ensino de letras e de números, ou até, de um modo exagerado, a leitura; pressupõe, sim, a sensibilização para o código escrito. Ter contacto com palavras, letras, números, não é apenas no jardim-de-infância que deve acontecer, entre quatro paredes. A escrita está em todo o lado, e a sensibilização para a leitura passa por nos tornamos atentos ao que nos rodeia e permitir que eles sejam curiosos e reconheçam à sua volta essas potencialidades.
A preparação para o ciclo seguinte, não passa por comprar 3 ou 4 manuais e, todos os dias, sentá-los à mesa para treinar a escrita das letras ou os números. Passa, sim, por permitir que moldem plasticina, rasguem folhas, brinquem na terra, mexam em pedras, sintam as texturas, fiquem atentos e criem hipóteses, soluções aos seus próprios problemas. É permitir que sejam curiosos, que saibam viver justificando os seus atos, as suas escolhas, que tenham uma opinião em relação ao que veem e se permitam ser proativos. Serão seres que arriscam.
Esta vivência em Educação pré-escolar pretende que vivam o ser cidadão, despertos para o outro, para o grupo, como ser integrante e responsável. Viver a autonomia, a valorização pessoal, o otimismo, a criatividade, a imaginação, o sentido crítico, o sentido de partilha e de cooperação, confiança e segurança, o sentido de respeito e de interajuda.
A preparação para o 1º ciclo, ou o seu treino, é focado em competências que não se tornam tão visíveis como gostaríamos, daquelas que poderíamos colocar um certo ou um errado. É focado e centrado no SER, no permitir que vivam a sua infância e a tornem, realmente, como um centro de oportunidades, de crescimento.
Poupem o vosso dinheiro dos manuais, criem as oportunidades certas, de modo a que, quando os vossos filhos, as crianças que temos diante de nós, transitarem para o 1º ciclo, sejam capazes de olhar para trás e reconheçam que todas as corridas que deram, as construções que fizeram, as esculturas que criaram, os diálogos que viveram e o tempo que empenharam no brincar, não foi tempo perdido, mas sim, um verdadeiro e importantíssimo processo de construção, de desenvolvimento e de aprendizagem. Um processo de aprendizagem daqueles que não vêm nos manuais.
Que a frase, “A minha mãe comprou-me livros para aprender as letras”, seja cada vez menos ouvida, e se comece a reconhecer, realmente, o que se pretende com a Educação de Infância. Mais do que um momento de escolarização precoce, é um momento de construção de identidade, de personalidade, de SER criança.
#umacaixacheiadenada
Rui Inácio
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Essa publicação é de suma importância para todos os responsáveis e educadores, visto que o brincar é algo inato e indispensável para o processo de ensino e aprendizagem das crianças.
ResponderEliminarDe acordo, o mais possivel. Obrigada pelo Maravilhoso texto🙏
ResponderEliminarEste é um tema que, infelizmente, surge quase sempre no final do ano, por um ou vários pais. Esta insegurança e angústia que os pais sentem raramente é real, as crianças estão muito bem, com ótimo desenvolvimento e só mesmo os pais não conseguem ver e valorizar, com todo o respeito que tenho pelos pais. Verifico muitas vezes que os filhos destes pais são crianças com muitas competências académicas no entanto, também elas muito inseguras, insatisfeitas e muito exigentes com elas próprias. Não aguento os livros de fichas por idades, que são muito apreciados pelos pais e que desrespeitam tanto a individualidade de cada criança. Patrícia Silva
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