Uma semana depois do regresso…

Uma semana depois do regresso…

A ansiedade para regressar, sentida por pais, por educadores e, talvez, por crianças era muita.

A necessidade de voltar a uma suposta normalidade, à escola, às relações, aos afetos escolares, às aprendizagens, mas, acima de tudo, a necessidade de voltar a brincar e a promover a atividade física era urgente.

Que efeito provocou este confinamento nos mais novos?

Que cuidados tivemos, e continuamos a ter, quando os recebemos?

O que promover neste regresso?


Eram muitas as questões que nos inquietavam. Eram muitos os anseios e receios vividos, mas o importante, era estarmos conscientes de que teríamos um papel fundamental no regresso, no acolhimento.

Segunda-feira, as portas das escolas abriram-se.

De mão dada com os pais, aproximavam-se do portão da escola. Os pais, ansiosos, permaneciam no exterior sem poder acompanhar os mais pequenos até à sala. Os abraços foram mais demorados, os beijos não terminavam, mas mesmo assim, tentavam a todo custo transmitir confiança e segurança, porque confiam em que está além do portão.

Aos poucos entravam na sala, sem choro, sem lágrimas, mas de sorrisos no rosto, com os seus braços prontos a abraçar quem sempre os recebeu. As pequenas corridas até nós foram saltos de esperança, confiantes, ou não, a aguardar pelas nossas palavras de acolhimento, de conforto, de afeto e de relação.

Tantos abraços: abraços sem fim, abraços apertados, abraços com sons e palavras, embora embrulhadas de sentimento, abraços de saudade. Abraços rápidos para aqueles que estavam ansiosos por ir fazer o que se privaram durante tanto tempo: brincar, explorar, construir, aprender, mas mais do que isso, viver. Viver a sua infância, no momento certo. Houve ainda abraços com sorrisos e risos, mesmo assim, demorados. Abraços todos eles sentidos.

Aos poucos os cabides começaram a ficar cheios de casacos, cheios de cor, cheios de testemunhos de aventuras, de aprendizagens, de brincadeiras condicionadas entre quatro paredes. Mas o momento, seria diferente. Este acolhimento abria as portas ao que mais necessitavam, voltar a construir relações de partilha, de brincadeira, de aprendizagem, de aventura com todos os que na escola entravam.

A sala voltou a ter ruído, se é que podemos chamar de ruído. Voltou a ter agitação, movimento, imaginação, criatividade, conexões construídas entre todos eles. A sala voltou a ter crianças. E o parque exterior ganhou a vida que não via há dois meses.

Havia tanto a dizer, mas a palavra que mais se ouviu, foi saudade.

Os abraços foram inevitáveis ao longo do tempo. De um modo constante eramos procurados para relembrar o vínculo que se criou, e nunca foram recusados. Outras vezes, sem que nos apercebêssemos, abraçavam-nos as pernas e bastava afagar-lhes o cabelo, e lá iam eles em corridas e viagens sem destino. Eramos procurados para acalmar ansiedades, eramos chamados a ser companheiros, tranquilizadores ou até encorajadores destas oportunidades

De sorriso no rosto, apenas penso, há necessidade de lhes dar a possibilidade de viver a sua infância, isto sim é urgente. A necessidade de tornar estes momentos tranquilos é fundamental. Mas a preocupação por entender como estão, cada um deles, é indispensável.

Esta foi a planificação semanal: observar, escutar e criar um ambiente que lhes permita ser, estar em segurança, tranquilos, em que o bem-estar físico, social e, principalmente, emocional sejam a peça fulcral neste puzzle que estamos a construir. Não é tempo, nem foi tempo de valorizar as aprendizagens a metro, forçadas. É tempo de refletir no estado das crianças.

Ao contrário do que muitos de nós esperávamos, as crianças surgiram tranquilas, calmas, afastadas da agitação que as carateriza. Descansados respiramos de alívio e afirmamos, Estão calmos, pensei que viessem pior. Mais uma vez reforça-se, a calma poderá ser aparente, o receio por tudo o que vivemos poderá ser o que estão a viver na realidade, a respirar. Mas não é visível, ou pelo menos não estamos preparados para observar esse medo interior.

Diálogo, foi o que prevaleceu ao longo desta semana. Olhar além do que vemos, chegar ao sentir. Essa atividade preencheu cada espaço na planificação semanal, porque a prioridade só pode ser essa.

Aliada à constante preocupação pelo bem-estar das crianças, é urgente transportá-las para viver o brincar de forma plena, de modo a ativar memórias, conhecimentos, relações, movimentos, a fazê-los sentir que vale a pena continuar a apostar em viver a sua própria infância.

O nosso papel? Observadores, mais do que nunca.

Gestores (de currículo), mais do que nunca tornar esta competência consciente nas práticas.

Não precisavam, nem precisamos, de estar preocupados com efemérides. Se soubermos justificar a nossa ação, a família irá entender. Mas quais são as nossas principais prioridades, as pastas cheias de trabalhos obrigatórios, ou as crianças emocionalmente equilibradas?

Nesta primeira semana fomos chamados a agir de um modo mais emocional, psicológico e, se o soubemos aproveitar, usufruímos de cada espaço, da sala, da rua, do refeitório, das casas de banhos, … as crianças são e constroem-se nos diferentes espaços, é transversal! Em cada um deles há uma aprendizagem, uma vivência, que os ajuda a tornar o seu SER único e equilibrado.

Esta foi uma semana que exigiu muito de cada um de nós. A criação de redes constante, que nos levou a ser, realmente, elementos que ajudam à estabilidade de cada um e do grupo, fez com que cada momento fosse especialmente carregado de bem-estar, levando a que a nossa presença não fosse um desvio de atenções, mas sim, um envolvimento nas aventuras que desenvolvem; mas sim, uma sensibilidade para chegar a cada um, de um modo único e especial.

Existiram conversas que nos preocuparam e que nos deixaram a refletir: saudades, medos, morte. Tudo isto chegava-lhes através da TV, dos diálogos familiares, cheios de receios e de angústia, que transportaram os mais pequenos para cenários vividos e sentidos sem filtros. Não podemos ficar alheios a este viver.

Esta semana que passou vem-nos relembrar o quão importante é o nosso papel, de não sermos meros repetidores, ovelhas de um rebanho, mas sim, audazes com a capacidade de criar momentos intencionais com respostas urgentes às necessidades dos grupos.

Na Lei-Quadro da Educação Pré-escolar, tanto haveria a esmiuçar, de modo a justificar a nossa atitude pedagógica ao longo desta semana e das outras. Se olharmos de um modo sério para o documento referido, reparemos em todas as alíneas, mas centremo-nos nesta: g) Proporcionar a cada criança condições de bem-estar e de segurança, designadamente no âmbito da saúde individual e coletiva. Ao falarmos na saúde, falamos na saúde no seu todo, mas o seu todo, implica reconhecer a necessidade da especificidade, e, nesta medida, a saúde mental e física, são dois polos de urgente reflexão.

No meio dos abraços, quantos pedidos de atenção, de ajuda, acabam por estar incluídos, mas por vezes, centramo-nos apenas no que é visível aos olhos e esquecemos o mais importante: o invisível ao olhar.

Esta semana foram estabelecidas tantas metas direcionadas, na sua grande maioria, para trabalhos desnecessários, para aprendizagens perdidas, para conhecimentos que deveriam ter seguido o Plano Anual de Atividades e que, devido a esta situação ficaram por fazer.

Mas, qual é a competência que cruza todos esses planos, as áreas de conteúdo, as paredes? É o bem-estar físico e emocional, esse é o nosso foco. E, para o observarmos de uma forma plena, temos de estar atentos, temos de estar envolvidos no que vai ocorrendo, temos de promover a exploração de diferentes espaços, de saber valorizar cada canto, de voltar a encorajar algo a que se têm privado: brincar, brincar na rua.

Sabemos as potencialidades do brincar, sabemos que este assume uma construção urgente do ser criança, do viver criança. Por isso, teremos de estar despertos e ser verdadeiramente respeitadores dos momentos que estão a viver, porque esse é o papel que temos de ter, saber acolher, saber respeitar, permitir que vivam a sua infância de um modo equilibrado.

Uma semana depois olhamos para trás e pensamos, Chegamos ao fim da mesma cansados, mas não vamos esquecer os abraços que recebemos, que demos, que valorizaram a expressão sem palavras, o brilho no olhar, a vontade de estarmos e de nos fazermos presentes, através do respeito da sua necessidade física e emocional.

O ponto central foi a criança, como sempre. Esta semana validaram-se as relações com as famílias, promoveram-se momentos de equilíbrio emocional, físico, mental e social. Esta semana, e sempre, vivemos a preocupação de lhes dar o tempo necessário, os abraços necessários, os afetos e o tempo de brincar.

Temos de ser, verdadeiramente, conscientes do nosso papel. Temos de ser promotores do acolhimento necessário às crianças e às famílias. Não é tempo para preocupações de encher pastas, paredes e de realizar trabalhos em atraso, porque para que tudo resulte deve existir uma boa base de sustentação emocional.

Temos de ser admiradores do SER criança no seu todo, enquanto seres emocionais, relacionais, físicos e sociais. Olhar com os olhos, olhar com o coração e valorizar a educação, no verdadeiro sentido da palavra.

Que papel assumem enquanto educadores no pós-confinamento?

Desafiam-se?


#umacaixacheiadenada

Rui Inácio 



Comentários

  1. Sim sem dúvida os Pais de pé a traz .e os meninos de sorriso encantador por estar de volta

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