Mãe, é agora que podes brincar?

Estar presente, como temos estado, não é sinal de disponibilidade e de presença para o que realmente queremos.
Entramos numa fase de apostas, todos dizem o que acham, o que consideram pertinente, e opinem sem sequer conhecer a educação.

Entramos nas casas de cada aluno, todos os dias, mas confirmamos que o confinamento traz inúmeras desvantagens. Ainda assim, continuamos a promover momentos que se tornam completamente afastados das famílias, completamente afastados das crianças. Tivemos oportunidade de as conhecer até ao momento em que entramos, novamente, em confinamento. Mas a ânsia de não os querer largar, faz-nos esquecer as verdadeiras prioridades.

Em casa, os pais estão sujeitos a pressões, de tal forma, que se tornam verdadeiros malabaristas na gestão do tempo familiar e profissional. A família não pode ficar para segundo lugar, o trabalho não pode deixar de ser feito.

Mas ainda assim, e tendo como exemplo o primeiro confinamento, insistimos em preencher os tempos familiares, em fazer acontecer e transportar o nosso papel de professores, educadores, para os pais. As tarefas acumulam, o cansaço aumenta, a paciência diminui e quem sofre com isto são os mais pequenos.

De há um ano para cá, que diariamente, as notícias são as mesmas, a pandemia. O mundo parou e com ele as notícias habituais mudaram o foco, desapareceram, e esmiuçando este vírus, criam-se histórias mirabolantes, tudo em prol de um líder de audiências. Com isto, não desvalorizo a situação que vivemos, condeno a atitude que a comunicação social na atualidade, afastada da sua missão: ser meio de comunicação eficaz e com veracidade. Mas, que vença a liderança de audiências.

Que notícias terão quando tudo isto passar?

Agora a moda vai mudando, a abertura das escolas. Todos falam, todos dão opinião, todos criam estratégias e planos de ação, todos são tudo, todos sabem de tudo, todos confirmam tudo, ainda que sem certezas de nada. 

Que cenários e que sentimentos se criam nos outros?
Que preocupações temos?   

As famílias continuam em casa, ansiosas por ver estes momentos ultrapassados, por permitir que as crianças saiam e aproveitem os seus dias nas escolas., que revejam os professores, os colegas. As respostas dadas são poucas, porque a carga horária não reduziu, porque mesmo â distância lhes chegam instruções profissionais, instruções escolares, exigências que não podem falhar. O cansaço ganha. Mas, como acima referido, as crianças perdem.

Mas eles falham.
Falham quando os filhos anseiam pela sua presença e estes não a podem dar.
Falham porque cada vez que o filho pergunta, Mãe, é agora que podes brincar? A resposta é negativa, porque os afazeres profissionais os ocupam.
Falham, quando os mais pequenos precisam de atenção e estes não a podem dar.
Falham, quando se recusam os abraços e os beijos, porque no seu horário de trabalho e mesmo estando em casa, não o conseguem concretizar.

Eles não falham. Falha uma sociedade que parece centrada no achismo e naquilo que consideramos o correto, mesmo que não tenhamos fundamentação suficiente no assunto.

Eles não falham, falhamos nós que somos a sociedade, que não se preocupa com a melhoria dos ambientes familiares.
Eles não falham, falhamos nós que somos parte integrante da sociedade e que não soubemos mostrar o que é o respeito, o espírito de ajuda e ensinamos a apontar o dedo a todos os esforços feitos pelos outros através das nossas atitudes.

Mas o tempo não estica e, fechados há uns meses em casa, continuamos centrados na obsessão de fazer com que os outros respirem desinformação, que se culpabilizem, que se desrespeitem e tenham nomes prontos a acusar.

Seremos melhores depois de tudo isto. Não seremos.
Respeitaremos os outros, reconhecendo neles que são seres humanos, como nós. Não respeitaremos.

E assim, através das nossas atitudes, transmitimos este conhecimento, esta educação, estes “desvalores” às crianças. Porque julgamos sem conhecer. Porque afirmamos, sem ter fundamento. Porque ofendemos, porque não nos agrada. Porque nos deixamos levar pelo cansaço e pela incoerência dos atos. Isso sim, começa a ser um problema, um problema que se chama futuro. Pois é a sociedade que nós, elementos dessa mesma sociedade, estamos a construir nos exemplos que damos diariamente, e que fazemos chegar aos mais novos sem filtros e sem consciência.

Mas o regresso à escola é urgente e muitos são os que se aventuram a debater estas questões. Muitos são os que se preocupam pelas aprendizagens que se estão a perder e pela forma como a escola se construiu. Que se abram as escolas, porque a educação faz-se presencialmente, cara a cara, olhos nos olhos, imprimindo o sentimento, o afeto e a nossa capacidade de despertar o melhor nos seres humanos.

A relação, o respeito, a vida em comunidade, aprendizagens fundamentais que se tornam percetíveis desde tenra idade.

Não se apontem dedos, não se vivam vitimizações. Sejamos conscientes no que criamos, pois é através dos exemplos de hoje, que veremos as atitudes a acontecer nas crianças de amanhã. Por isso, se queremos que a Educação seja um veículo de mudança, de construção de seres humanos críticos, vestidos de respeito, de afeto e de valores, é agora que temos de ser exemplo, porque amanhã, quando dissermos: se eu pudesse tinha feito assim, já nada poderemos fazer.

Que abram as escolas, que tirem este fardo que tem vindo a ser atribuído às famílias. Que sejamos conscientes e que comecemos a pensar nas pontes que temos de criar, na preparação para o regresso, no exemplo que temos de ser, na atitude que tem de viver em nós, para que possamos ser um modelo.

Que abram as escolas, mas que as decisões sejam tomadas de forma consciente, em benefício das crianças, do seu bem-estar, da sua aprendizagem, da construção da sua personalidade e identidade, do SER humano.

Que a justificação não seja entramos na banca rota, vivemos um período de quebra económica, mas sim, apesar das dificuldades enfrentadas, que apostemos no presente tornando-o impulsionador do futuro.

Porque ao se ouvir, Mãe, é agora que podes brincar? A palavra não, não vem isolada, mas surge com sentimentos de frustração, de não conseguir dar aquilo que aquela criança merecia, a atenção, o afeto, a relação, a construção de uma infância feliz. Que nesta frase, simples, se reconheça a intenção, se reconheça a pressão, se reconheça o gritar da necessidade de estar presente e se fazer presente, independentemente dos condicionalismos.

Não sejamos um Escola-Obstáculo, mas sim, uma escola que valoriza cada momento, cada ser, cada ser família. Ensinemos o espírito crítico, a criar pontes entre a relação e a vida de cada um, entre todos os elementos que dela fazem parte.

E, quando voltarmos a ouvir, Mãe, é agora que podes brincar, que o sorriso ocupe lugar, que o desejo se torne concretização e que vivam momentos felizes e uma infância feliz de aprendizagens reais e necessárias, não aquelas que, enquanto escola idealizamos.

Que tenhamos a capacidade de reconhecer e conhecer cada um. Essa é a nossa missão, ao contrário do que a Comunicação Social nos mostra, eles desconstroem, nós construímos pontes de relação, de confiança, de valorização, de aprendizagens desde tenra idade.



#umacaixacheiadenada

Rui Inácio


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