Empenhados em fazer Educação de Infância… à distância.

Repetimos o cenário. Voltamos a agir à distância, tal como fizemos há um ano atrás.

O que corrigimos? 

O que mudamos? 

Ao que nos desafiamos desde então?

Mais uma vez voltamos a estar em frente ao computador para criar dinâmicas, sugestões, atividades pensadas (o que lhe queiram chamar), unicamente e exclusivamente, ou então não, para o grupo que temos à nossa responsabilidade.

O desafio é enorme, mas mais do que carregarmos emails com as ditas propostas, torna-se urgente refletir no que estamos a fazer e na forma como estamos a chegar às famílias.

Presencialmente, afirmamos: a nossa prioridade recai sobre o superior interesse das crianças. Presencialmente, afirmamos: a nossa prioridade é permitir que eles construam relações, que vivam os afetos e aprendam a lidar com eles.

Sabendo que, neste momento, não estamos em formato presencial, esquecemo-nos destas premissas que definimos para a Educação de Infância. 

Substituímos as relações e os afetos por folhas, por atividades, por manuais, por futilidades que acabam por sobrecarregar o contexto familiar. 

Substituímos o espaço vazio destinado ao brincar, ou simplesmente, à relação familiar e ao tempo em família, por momentos pensados para uma série de crianças, para um aglomerado de crianças sem que tenhamos a consciência de que, desta forma, não chegamos ao tão afamado superior interesse da criança.

Que espaços, que tempos, que interesses valorizamos nesta fase?

Tal como referido noutros textos do blog, o espaço não é nosso, o tempo não é nosso, a vontade não é a nossa e o mais importante, o superior interesse não é nosso. 

A questão é: o que aprendemos com o ano anterior, o que aprendemos com a experiência passada? 

O que mudamos desde então?

Sabíamos que poderíamos entrar, novamente, neste confinamento. Mas agora, tivemos tempo de preparação, tivemos tempo para conhecer os interesses das crianças e reconhecer que, as propostas que encontramos nos milhares de grupos das redes sociais não são transversais. Esquecemos depressa o conhecimento que têm, que tiveram, que as vivências que experimentaram são todas elas diferentes, mas definimos, ainda assim, um único sentido. 

Apresentamos um menu de Fastfood com apenas uma opção de escolha, transversal a diferentes espaços educativos, a diferentes contextos familiares, a diferentes realidades.

Mas continuamos a afirmar, estamos empenhados em fazer Educação de Infância… à distância.

De facto as prioridades não mudam, ainda que à distância.

Basta refletirmos um pouco nas pegadas que estamos a seguir, se assumimos a necessidade de mudar, ou nos limitamos a vestir os mesmos erros passados.

Que preocupação temos nós para com as crianças? Não é por estarmos 30 minutos, 1 hora , semanalmente, com elas numa videochamada que poderemos dizer que estivemos empenhados em ouvi-los ou em escutá-los. Poderemos dizê-lo quando mantivermos a preocupação que sempre mantivemos presencialmente, porque temos de aprender com todo esse tempo e manter a nossa atitude, ainda que à distância. O foco é a criança.

Sim, é possível.  

Tempos criados e pensados de forma única, é assim que o devem ser para cada grupo. Se assim não fosse, faríamos uma única avaliação, transversal a todas as escolas. (Mas não quero dar ideias, não vá que alguém considere que isto é, de facto, uma ideia fabulosa.)

Pensemos, como nos desafiamos a avaliar estes momentos, centrados n
as crianças ou nos adultos? De que forma planificaremos se continuamos a querer passar-lhes menus?

A prioridade mantém-se: o bem-estar das crianças.

Neste sentido, alargamos esta noção ao contexto familiar, e além de os valorizarmos, devemos, sem sombra de dúvida, respeitá-los. Devemos ter a sensibilidade para nos disponibilizarmos, não para sermos meros debitadores de ordens e de afazeres. Devemos manter aquilo que sempre deveríamos ter sido, companheiros de viagem. Mas a questão é, estamos disponíveis para o ser, ou todas as decisões que tomamos são de acordo, apenas, com o todo? Onde deixamos o espaço individual?

Não temos de estar preocupados em enviar atividades a toda a hora, porque as atividades a metro em nada beneficiam os mais pequenos. Enchemos, apenas, o ego dos adultos para este acompanhamento abusivo, para existirem evidências e registos de que mantiveram o seu trabalho, ainda que afastado de uma realidade.  Pelos visto. esqueceram-se, por momentos, do mais importante: permitir que brinquem. Dar-lhes tempo, espaço e respeitar o seu ritmo.

É sabido, os media relembram-nos, de minuto a minuto, que atravessamos um tempo difícil, de mudança, de adaptações, mas já lá vai 1 ano e os erros vão-se mantendo.

Onde ficam as questões reflexivas para melhorarmos o que foi feito? Onde fica o nosso tempo de reflexão que faz melhorar as práticas diárias.

Acompanhar um grupo, uma criança, nesta fase, não é olhar apenas para 30 minutos de videochamada.

Acompanhar um grupo, uma criança, não é preencher o tempo de família com um calendário escolar completamente inadequado à sua realidade.

Acompanhar um grupo, uma criança, não é enviar menús de atividade sem poder de escolha, ignorando a disponibilidade financeira da família, os materiais que se pedem e a exigência de tornar os pais acompanhantes de todo esse calendário.

Acompanhar um grupo, uma criança, não é tornar os pais Educadores de infância ou professores de outros ciclos.

Acompanhar um grupo, uma criança, não é tornar o tempo preenchido em atividades escolares, pois não será isso que os tornarão, hipoteticamente, médicos, advogados, professores, empregados da limpeza, o que seja, após este confinamento.

Mesmo em confinamento, continuam a ter interesses, necessidades individuais, e nós tivemos tempo para os conhecer presencialmente e justificar os nossos passos nesta chamada Educação de Infância à distância.

Mantenham-se presentes, mas não abusem. Sejam sensíveis ao grupo, mas mais do que isso, sejam sensíveis a cada criança e a cada família. Também precisam de manter a relação, de manter um suporte mental e emocional estruturado e fortalecido, para que saibam suportar todos os fatores exteriores que lhes chegam. E nós não podemos ser um entrave, mas sim, companheiros disponíveis e sensíveis para os apoiar, para apoiar as crianças. Teremos de reconhecer que o que vivem hoje está a ter um peso negativo psicológico, e afetará a sua forma de estar futura. Embora saibamos que têm uma excelente capacidade de adaptação, temos de ser sensíveis ao que eles estão sujeitos. Tomemos consciência.    

Acompanhar estes momentos difíceis para todos, é conseguir olhar para o que já vivemos e tornar as dificuldades e fragilidades em oportunidades de crescimento, em conjunto com as famílias, É valorizar o que foi feito e tornar ainda mais adequado o que planeamos, o que definimos, e que, unicamente pensamos para eles.

Tenhamos o discernimento de sentir que as necessidades familiares devem ser respeitadas, que o contexto familiar deve ser fortalecido com a nossa atitude e não ser atacado, como tantas vezes o fazemos.

Criem-se momentos e espaços em que todos se sintam bem, porque mesmo em casa, continuamos ao serviço, continuamos a trabalhar e disponíveis para fazer o melhor que fazemos, Educação de Infância, ainda que à distância.

Mantenhamos o foco. Tenhamos a capacidade de observar, escutar, planear e de avaliar, adequadamente, pensando, unicamente, naqueles que vão usufruir do que de forma intencional preparámos. De forma intencional… o que nos caracteriza… a intencionalidade… ainda que à distância. 

 

#umacaixacheiadenada

 

Rui Inácio

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