Vamos regressar, e agora?

De mochila nas mãos e com os seus pequenos ao colo, ou pela mão, lá vão eles regressar. 

Com todos os cuidados necessários e exigidos, mudam-se os sapatos e talvez algumas peças de roupa. Ansiosos, inseguros os pais, e com receio de tudo o que possa acontecer e deste novo funcionamento, encaminham-se para os locais destinados à receção das crianças. As crianças sobem-lhes pelos braços e são recebidos por alguém de referência, ou não, de sorriso coberto e também ele receoso. 

Os braços erguem-se na direção das crianças e pretende-se que cada gesto seja confiante, seguro e tranquilizante para as elas. No entanto, as palavras trémulas dos pais, despontam alguma desconfiança e necessidade de saber que tudo ficará bem. 

Quem os acolhe recebe-os da melhor forma que consegue e, mesmo de rosto tapado, o espírito de receção continua caloroso, afetivo, apesar de não ser possível de o verificar através do rosto. Os olhos tornam-se a melhor forma de expressar esse calor, essa vontade de acalmar aqueles pequenos e, até, os pais. 

Como irão eles acalmar se são recebidos por alguém que quase esqueceram? Como reagirão quando virem os pais sair, inseguros, por esta nova forma de vida? 

Que segurança conseguirão dar aqueles que os receberam e os acolheram nos braços, quando eles próprios não sabem bem que passos dar? 

Já ao colo de quem cuidará deles, as palavras calmas, os gestos tranquilos tentam minimizar cada momento mais aflito ou, aparentemente, desesperado. Ao sabor dos sentimentos e das emoções, os próprios cuidadores, tornam-se um misto de insegurança, de instabilidade emotiva, por acharem que estão a viver um sonho, ou um pesadelo que jamais imaginaram viver. 

A caminho da sala o colo deveria parar, o abraço deveria deixar de estar presente. Mas, como será possível acalmar aquele coração pequeno que se sente acelerado e as lágrimas que lhe correm nas faces, se apenas ouve as palavras de uma voz conhecida, de uma voz trémula, por tudo o que estão a sujeitar aqueles pequenos? 

Apesar do abraço não ser o recomendado, é impossível não o tornar presente, é impossível não ceder o ombro para que aquele pequeno ser se acalme, é impossível criar o afastamento que dizem de segurança. É impossível, simplesmente. 

Sabíamos que será difícil, que os sorrisos se irão esconder, que as lágrimas serão uma constante, até que todos se habituem a esta estranha forma de vida. 

A sala está mais vazia, alguns colegas estão presentes na sala, e apesar do aconselhamento, partilham brinquedos, exploram juntos, divertem-se, quase esquecidos de tudo o que lhes foi exigido. 

As mochilas estão distantes, e antes de entrar na sala, esfregam-se e lavam-se as mãos de forma repetida. Continua ao colo, porque o choro ainda não terminou. 

Depois de entrarmos na sala, o chão parece o melhor espaço para estar, ao colo vai-se embalando, o coração pequeno, as lágrimas que teimam em não parar, mas nós, continuamos a cumprir o nosso papel. Mesmo sabendo que estar sentado, com os mais pequenos ao colo, não é o aconselhável, como poderemos recusar ou afastá-los deste momento?

Se o afeto faz parte do nosso dia, se o sorriso é o que os acalma e os leva a sorrir connosco, e agora, estão tapados, como perceberão que estamos a sorrir? Como poderemos mostrar-lhes que o sorriso é o melhor para os acalmar? Mesmo de sorriso tapado, tentamos acalmar cada um e torná-lo seguro de que todos estamos e estaremos bem. 

Estar sentado no chão é sinal de que, brevemente, estarão perto de nós, porque querem, apenas, ter um momento de aconchego, e por muitas palavras que possamos dizer, jamais irão entender estas proibições, porque o afeto, o toque, o sorriso, o afagar do cabelo, faz parte destas rotinas. É através deles que estabelecemos uma relação vinculada na amizade, no amor, no exemplo e nas relação. 

A creche é afeto. 

Mas o dia vai decorrendo, os choros vão-se acalmando, o brincar torna-se cada vez mais presente, existem as trocas de brinquedos, e nós, adultos, não conseguimos, e nem podemos, afastá-los deste momento e desta forma de estar. Brincar é poder relacionar-se, brincar é poder envolver-se, brincar é aventurar-se, brincar é tocar, é sentir, é cheirar, é abraçar, brincar é creche, e tudo isto acontece connosco, e nós não podemos restringi-los desses sentimentos e dessas oportunidades. 

Mais uma vez, as mãos são lavadas. 

As crianças juntam-se nas salas, estão poucas crianças presentes na escola, o que faz com que sejam recebidas e acolhidas por alguém que não os responsáveis de sala, faz com que estejam com alguém com quem não tem um vínculo, uma vivência, uma cumplicidade.  Faz, simplesmente, que estejam com adultos confiados e confinados a este momento. 

Todos se sentem inseguros, todos parecem incrédulos pela forma de estar, pela forma de sentir, no entanto, todos estão a dar o seu melhor para que tudo corra bem. 

As refeições não são possíveis de acontecer afastadas, cada um necessita de ajuda, porque o cansaço e o sono já faz com que a presença dos adultos seja necessária, e com ela, a forma de os acolher prolonga-se por todo o dia, porque realmente, o afeto, não é necessário apenas para o início do dia, mas para todo ele. As práticas que tínhamos, levam a que se reflita numa melhor ação. No entanto, nestas idades, como é possível de os fazer entender de que não podem estar perto de quem gostam? 

Como é possível fazê-los entender de que à sua volta estará apenas o ar, e que afastados, estarão os colegas com quem estiveram a brincar?

Temos de mudar, temos de nos adaptar. 

Na hora da sesta, as salas pequenas tornam-se verdadeiros desafios, com o intuito de  manter a distância solicitada. Mas, como se adormecem duas ou três crianças ao mesmo tempo, quando a mão direita embala uma criança, a mão esquerda embala a outra, e o pé toca no catre para que a criança sinta o movimento e a presença? 

São tantos os que ali estão e afastados, que se torna impossível de lhes chegar. 

Apesar de haver nova distribuição de crianças, redução de grupos, presença reduzidas em espaços, todos dão o seu melhor e todos fazem e farão para que todas as mudanças sejam equilibradas, mas pensemos em tudo o que envolve, adultos, crianças e pais. 

É de facto um momento de readaptação, em que as rotinas sofrem mudanças, em que o toque, embora escondido pelas luvas, seja menos frequente, em que o sorriso, embora escondido pela máscara, continue a fazer-se presente e, mais do que nunca, os olhos terão de aprender a sorrir. 

Apesar de haver uma série de exigências, de pedidos, teremos de ter a consciência de que as adaptações devem surgir ao nível de cada espaço, de cada instituição, e mais do que apontar o dedo para tudo o que é “exigido”, é importante, sim, que se arregacem as mangas e se tente minimizar qualquer fragilidade que possa acontecer. Certamente, não serão tempos fáceis, as práticas serão revistas e renovadas, a nossa forma de estar terá de ser repensada, e mais do que criticar, temos de ser proativos no apoio às crianças que, tal como os adultos, estão presentes nesta nova dinâmica escolar. 

Vamos olhar para estes momentos como verdadeiros desafios, não derrotistas, mas desafios verdadeiros que nos renovam e nos fazem avançar, mesmo sabendo que serão passos difíceis a tomar. 

Ao invés de olharmos para o espaço de segurança de cada um, vamos ver esse espaço, como uma forma de olhar para as crianças, ou seja, reconhecer nelas o espaço que necessitam para crescer, para respeitar o seu tempo, para respeitar os seus interesses e necessidades, é um espaço para respeitar para ser respeitado, no sentido figurativo. Ao olharmos para estas questões, vamos fazer o esforço de permitir que eles cresçam, e nós, melhor do que ninguém, sabemos quais são as suas necessidades. 

Portanto, o afeto continuará a existir, o toque continuará a ser presente, o sorriso, mesmo que escondido, será uma constante, e estaremos, diariamente, a fazer e a dar o nosso melhor, porque essa é a nossa forma de estar: criar momentos de verdadeiro acolhimento, afeto, proximidade e relação. 

É, no fundo, o reconhecer de uma nova fase da educação, mas vamos torná-la como uma excelente forma de conhecer melhor os outros, e acima de tudo, aprender a priorizar aquilo que importa, e neste caso, a prioridade é uma, o bem-estar das crianças. 

Sabemos que temos de regressar, sabemos que regressaremos, assim, valerá a pena pensar na forma como o faremos, como o tornaremos possível. E, por mais diretrizes que surjam, sabemos o que temos a fazer e, neste momento, temos de agir! Poderá doer-nos, poderá levar a que nos sintamos incrédulos, mas com tudo isto, acredita-se que todos cresceremos, que todos seremos exigentes, e faremos o melhor que sabemos, ser educadores de infância, ser auxiliares de ação educativa. Quer uns, quer outros, estaremos juntos, e tornaremos a educação de infância um espaço seguro e confiante, mesmo com todas as questões que nos inquietam. 

Vamos regressar, e agora? 

Agora, seremos aquilo que sempre fomos, profissionais que exigem qualidade e que fazem o possível, e o impossível, para o concretizar. 



#umacaixacheiadenada 



Rui Inácio

Comentários

  1. Muito bom! Obrigada!!! Profundamente sentido!!!

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  2. Obrigada Rui, obrigada! ❤️

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  3. Obrigado pelas palavras, que neste momento são reconfortantes e deixam falar o coração. É assim que devemos agir, pois os nossos meninos precisam tanto de nós.

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  4. Muito bom!
    Nova normalidade!
    Ainda inseguros.
    Mas a competência e o profissionalismo vão sobrepor!
    Bom recomeço.
    No Brasil, ainda no auge da pandemia e da insegurança.

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  5. Chorando muito aqui. Lembrando dos meus bebês (bII).

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  6. Boa tarde!

    Rui seria possível citar seu nome completo e formação. Gostaria de cita-lo em um trabalho acadêmico que estou realizando.

    Desde já grata,
    Allinny Calixto

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    Respostas
    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Muito obrigada pelas informações. Realizarei referência ao seu blog também. O texto é enriquecedor.
      Muito obrigada!

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  7. Trabalho numa escola. Estive no pré escolar e agora estou no primeiro ciclo e sei que esses meninos muutas vezes os únicos afectos que tem é na escola. Mesmo no primeiro ciclo todos na maioria vem ter connosco e nós damos afetos e beijinhos e agora? Como di, er não? Mais valia abrir só em Setembro

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