Quanto tudo isto terminar…

Quanto tudo isto terminar, parecerá que acordamos de um pesadelo. 

Quando tudo isto terminar, olharemos para o tempo em que a liberdade nos foi tirada, em que as casas se tornaram verdadeiras prisões, bunkers, protegendo quem neles se abrigam. 

Quando tudo isto terminar, reconheceremos a importância das relações, da família e de tudo o que deixamos passar na vida. Reconheceremos que tudo o que guardámos, que tudo o que temos é fútil…vamos aprender a valorizar o que é para valorizar!

Quando isto terminar, vamo-nos recordar do quanto o abraço, o beijo e a presença nos fizeram falta. Faremos relembrar o real significado da palavra saudade, para com aqueles que gostamos, que amamos e que, tendo em conta a situação, nos impede a aproximação. Lembrar-nos-emos da saudade. 

Quando tudo isto terminar, tornar-nos-emos conscientes de que somos todos iguais, sem distinção de raças, de poder económico, de ideais políticos, de religião, de sexo,… somos seres humanos, iguais. 

Quando tudo isto terminar valorizaremos os esforços, reconhecendo o real sentido da palavra: serviço. Olharemos, aplaudiremos e reconheceremos o seu valor, daqueles que ontem, hoje e amanhã, estarão a dar aquilo que têm e não têm, a sua vida, para salvar o outro, para nos salvarem. Reconheceremos nos gestos as suas atitudes, reconheceremos nas suas palavras o seu desespero, reconheceremos nas vidas que salvaram a resiliência por ultrapassar esta nova fase. 

Quando tudo isto terminar, olharemos para trás e veremos quantos se deram neste tempo, privando-se de estar no sossego com a sua família, em prol do bem-estar dos outros, para que nada nos faltasse, alimentação, medicação e tudo aquilo que necessitamos. 

Quando tudo isto terminar, caminharemos lado a lado, nesta estrada que chamam, vida, que chamam sociedade, mais preocupados do que nunca com quem está ao nosso lado. 

Quando tudo isto terminar, seremos menos, mas mais seguros de que tudo passou, de que nesse tempo mostramos o que há de melhor em nós, mas desvendámos atrocidades escondidas no ser humano. 

Quando tudo isto terminar, sentiremos o ar de um modo especial, sentiremos o florir das flores de um modo sensacional, valorizando o ciclo da vida, a beleza que nos enche e faz sentir a necessidade de estarmos despertos para os outros e para o mundo. 

Quando tudo isto terminar, sentiremos os grãos de areia nos pés e, mesmo pequenos, minúsculos, valorizaremos o seu toque como uma dádiva, como uma obra da natureza, como algo a cuidar e não a destruir. 

Quando tudo isto terminar, permitiremos que a maresia nos toque as faces e nos faça respirar um ar húmido e fresco, renovador de energia e de otimismo, um ar que nos fará ter presente na memória o quanto necessitamos dele, o ar puro que nos faz respirar e sentir. 

Quando tudo isto terminar, seremos menos, mas certos da importância do nosso passado, do qual deveremos conseguir tirar uma moral, tornando-nos seres mais sensíveis aos outros e ao que fazemos. 

Quando tudo isto terminar, as lágrimas que caíram em desespero, serão a memória de toda a nossa ansiedade, do medo, da insegurança. Serão substituídas por recordações, por um conhecimento mais profundo de nós mesmos, serão o sinal da esperança e da fé para a mudança que provocada em nós. 

Quando tudo isto terminar, estaremos mais próximos, estaremos conscientes que a vida nos brindou com a possibilidade de continuar a trilhar os sonhos, respeitando cada um, levando-nos a deixar a roupa do egoísmo e a vestirmo-nos com novos valores, assentes na humanidade, na partilha, na entrega no respeito ao outro. 

Quando tudo isto terminar, parece que vivemos um pesadelo, basta que, para isso, nos tornemos responsáveis, por tudo o que fizemos, por tudo o que fazemos e por tudo o que faremos. 

Quando tudo isto terminar, poderemos dar um exemplo de vida aos mais novos, torná-los conscientes do que há a fazer, do que poderemos ser no mundo, das atitudes e das reações que poderemos criar, das emoções que suscitaremos, das lágrimas que provocaremos, nos sorrisos que faremos, do crescimento que poderemos ter, das lições que disto poderemos tirar. 

Quando tudo isto terminar, olharemos para trás e recordaremos como nos tornamos hamsters fechados em bolhas, isolados das relações e dos outros. Relembraremos que, mesmo com o medo a bater-nos à porta, mantivemos a esperança, a fé e a resiliência para ultrapassar tudo o que nos chegava. 

Quando tudo isto terminar, tornaremos o #vamostodosficarbem um lema de vida e faremos com que todos se lembrem disso, através daqueles que se deram, que se dão, que se darão. 

Quando tudo isto terminar, vamos todos ficar bem, desde que, agora, sejamos responsáveis e tenhamos a consciência de que os nossos atos afetarão os outros. Como dizia o jornalista Rodrigo Guedes de Carvalho, “Estamos todos no mesmo barco, só não sabemos para onde vamos” 

Quando isto terminar, poderemo-nos arrepender de não termos tomado consciência mais cedo, poderemo-nos esquecer que a morte poderá surgir na porta ao lado. 

Quando isto terminar, estaremos conscientes de que não nos despedimos daqueles que partiram, que não nos permitiram fazer essa despedida, que não fomos conscientes nos nossos atos. 

Quando tudo isto terminar, teremos duas formas de agir, os que, realmente, aprenderam e tornaram isto como uma mudança para o resto da vida, e os que seguem a sua vida centrados, apenas, no seu umbigo. 

Mantenham-se seguros, para o vosso bem e para o bem de todos nós. 

Ao invés de revelarem o que há de pior, enalteçam o que há de melhor em nós. 



#umaxaicacheiadenada 



Rui Inácio

Comentários

  1. BEM HAJA PELA SUA REFLEXÃO A ESTE MOMENTO TÃO DELICADO DAS NOSSAS VIDAS.
    É MESMO ASSIM...
    TUDO O QUE LEVAMOS DESTA VIDA (PORQUE É UMA PASSAGEM) É O QUE VIVENCIAMOS...
    AS ALEGRIAS E AS TRISTEZAS,
    A FAMÍLIA, OS AMIGOS, OS COLEGAS DE TRABALHO, OS CONHECIDOS, ATÉ AQUELA PESSOA QUE AVISTAMOS TODOS OS DIAS A QUAL DIRIGIMOS UM CORDIAL BOM DIA SEM A CONHECERMOS NA REALIDADE...
    A NATUREZA... O CHEIRO DO CAMPO... OS PÁSSAROS A CHILREAR... O SOM DA ÁGUA A CORRER NAS RIBEIRAS... A BRISA DO MAR... O BATER DAS ONDAS NO CALHAU... O SOL NA NOSSA PELE...
    AS REUNIÕES FAMILIARES, OS CONVÍVIOS E PATUSCADAS, A CRIANÇADA NA CORRERIA APROVEITANDO AO MÁXIMO COMO SE NÃO HOUVESSE AMANHÃ...
    QUE OS VALORES VOLTEM AO DE CIMA... NÓS PRECISAMOS... O MUNDO PRECISA!!

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