54, uma realidade ou uma utopia?


Com a mudança da legislação da Educação Especial a relação entre a família e a escola preveria uma aproximação das mesmas, quer através da comunicação diária, quer através da inclusão dos encarregados de educação no processo educativo. O envolvimento de cada um tornar-se-ia fundamental se a escola fornecesse ferramentas e meios para uma boa inclusão dos alunos que estão abrangidos por tal utopia.

Definem-se os parâmetros, definem-se os passos a seguir, mas com esta mudança, os passos são de tal forma desproporcionais, que os passos dados por cada agrupamento, por cada escola, por cada docente varia de acordo com as interpretações realizadas da legislação ambígua e pouco precisa. De facto, os procedimentos efectuados nas diferentes escolas e agrupamentos leva a que sejam feitas leituras diferenciadas da legislação, levando, posteriormente, a uma acção e prática totalmente diferenciada e distinta. Não se pretende com isto dizer que as escolas deveriam agir todas da mesma forma, até porque as especificidades dos alunos deveriam ser a prioridade, o que não é verdade.
A falta de meios, recursos humanos e materiais, o tempo definido de trabalho direto para com os alunos que necessitam é de tal forma curto, que a prioridade recai sobre os impressos necessários a preencher. Mudam-se as prioridades, afastam-se das realidades.

Se por um lado a legislação vem abrir horizontes e tornar o aluno como elemento chave no processo, perdem-se as práticas pelas entrelinhas, perdem-se os interesses dos alunos, substituindo-os por currículos pouco adaptados às suas necessidades, interesses e dificuldades.

As aulas oportunamente têm, de forma individual ou em pequenos grupos, com currículos adaptados, tornam-se verdadeiros circos, em que, sem qualquer sensibilidade lhes tentam passam informações desapropriadas e completamente abstractas, o que dificulta quer a compreensão e aquisição dos alunos, quer a motivação dos mesmos para as mesmas. Mas esta é a realidade, em que os docentes não estão preparados para se debruçar no assunto, ora por falta de estudo da legislação, ora, para muitos, por falta de conhecimento da sua existência. Cada professor torna-se responsável pelos seus atos e a capacidade de conhecer as legislações que apoiam a educação em Portugal é um mínimo obrigatório, não com o intuito de a conhecerem como a palma da mão, mas, minimamente, saberem da sua existência.

Com estas mudanças as inadequações existentes nas escolas tornam-se evidentes, falta de empenho, falta de recursos, falta de interesse em ir ao encontro dos alunos, ausência de estratégias e de acomodações, o aluno médio impera, mesmo com os que estão abrangidos por tal utopia.

Os docentes apesar do seu esforço, inglório, continuam a marchar de acordo com o diz que disse, de acordo com o que acham que deve ser, sem sequer, tantas vezes, procurarem a fundo, ou pelo menos, tentarem ler o que deveriam aplicar diariamente. Que responsabilidades assumem, que envolvimento, que disponibilidade existe para se adequar a prática a estes casos específicos? E posto isto, que papel assume o professor de Educação Especial?

A responsabilidade pelos alunos é, e será, do docente da turma, Educador de Infância, Professor de 1º ciclo, director de turma. São eles os principais responsáveis por todo o processo, definição de estratégias, contacto com a família, definição de interesses e dificuldades. Certo é, que existe, e felizmente que assim o é, uma parceria saudável com os docentes de educação especial. Através de um trabalho comum o apoio e a acção torna-se fundamental, pois estes, tornam o apoio psicopedagógico como um momento de trabalho funcional que pretende desenvolver estratégias que se tornem ágeis e funcionais no dia-a-dia dos alunos.

A definição de papéis torna-se fundamental, mas no fundo, leva a uma confusão de responsabilidades. Leva a que ocorra a omissão de tarefas, leva a que haja desinteresse por se envolverem porque, de acordo com algumas práticas, o professor de Educação Especial terá esse papel.

Não. Chama-se cooperação.

Com a legislação em vigor, torna-se evidente de que o papel de cada envolvido está definido e deve ser respeitado. Afinal, o processo educativo é isso mesmo, uma cooperação entre diferentes parceiros.
Quer-se uma aprendizagem de todos e para todos. Quer-se a criação de oportunidades, uma igualdade de prioridades, mas, tomam-se as medidas teóricas, completamente afastadas das medidas práticas, utópicas, afastadas da realidade das escolas portuguesas.

Afinal, com esta mudança, o que se prevê?

Prevê-se uma educação eficaz, que responde a interesses e necessidades, que pretende dar ferramentas funcionais e claras, que pretende responder a cada dificuldade, a cada necessidade de cada aluno, de forma individual, não de um todo, porque tal como na Educação de Infância, o trabalho deverá promover a individualidade, respondendo às necessidades e interesses de cada um.

No fundo, e olhando de forma transversal para o decreto 54, a transversalidade não existe, porque ainda é desconhecida para a maioria dos ciclos, porque a mudança é difícil de acontecer, porque o que está definido não é claro e porque a educação ainda não abandonou a ideia de aluno modelo.

Enquanto não existir essa quebra, o 54 torna-se uma utopia, pois a individualidade é difícil de aceitar, os interesses são difíceis de responder, as necessidades individuais difíceis de colmatar.

54, uma realidade, ou uma verdadeira utopia?

#umacaixacheiadenada

Rui

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