Tanto há a aprender com a Educação de Infância

Já pararam para pensar e para observar a educação de infância?

Já se dignaram a experimentar a refletir acerca da prática e da valorização da infância?

Já experimentaram compreender a educação de infância e torná-la prática noutras disciplinas ou noutros grupos de docência?

Provavelmente, não. 
Seria tão importante que reconhecessem a importância da educação de infância, seria fundamental reconhecer as práticas como uma potencialidade de trabalho que responde às necessidades e adequações necessárias de cada criança…

“No pré-escolar estão sempre a brincar e não se podem esquecer, não há currículos e programas a seguir!”

Mas que grande verdade, a educação pré-escolar, ainda, não tem um currículo definido como nos restantes ciclos (felizmente!). É mais fácil? Pelo contrário, os educadores tornam-se verdadeiros observadores do grupo que têm à sua responsabilidade, estabelecem prioridades que tendem a responder às necessidades específicas de cada criança, tornando então o currículo único, específico de cada grupo, ou pelo menos assim deveria ser. Baseados nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar, reconhecem as potencialidades e os interesses de cada um, definindo um caminho a seguir, em que, educadores e crianças se tornam verdadeiros companheiros de aprendizagem, de caminho, de planificação, de ação e de avaliação. Tornam-se construtores e gestores de intenções extremamente ricas que valorizam, de forma holística cada um daqueles pequenos.

Há tanto a aprender com a Educação de Infância!

De facto, olhar para a educação pré-escolar é saber que se está para os alunos, para as crianças, é saber que se está disponível ao que nos dizem e ao que fazem, é saber que se está  atento e desperto para cada provocação, para cada chamada de atenção. É tornar real o conceito, escuta ativa, valorizando toda a bagagem que carregam, o contexto em que estão e todo o percurso que vai sendo construído em prol de um interesse único, o aluno.  

Mas, também é uma verdade, somos donos do nosso umbigo, com princípios definidos em relação a nós, não em relação aos alunos. Repetem-se atividades, ano após ano, dado que o currículo, o programa, os testes e as dinâmicas de aulas se mantêm, mesmo que as turmas se vão alterando. Ao longo do tempo surgem:

 “Este aluno não conseguiu fazer o teste.”
“Oh colega, tem de alterar a sua forma de os avaliar!”
“Não consigo ter tempo para fazer essa alteração, não há outra forma de dar o programa. Eu não sei o que fazer aos alunos com dificuldades”

Infelizmente, torna-se recorrente este tipo de comentários, este tipo de desmotivação, que se passa, de forma inconsciente, ou não, para cada aluno. Mais uma vez se refere, há tanto a aprender com o pré-escolar… é um facto, não se fazem testes, mas tornam-se as aprendizagens que realizam momentos lúdicos, em que, a brincar, se adquirem conhecimentos específicos e complexos, mas mais do que atingir um resultado, valoriza-se, tanto, o caminho que percorreram, o que sabem, o que dizem e onde querem chegar.

Ouvir, ouvi-los e ousarmos a sair da nossa zona de conforto, fazer-nos tremer e inseguros nos caminhos a que eles nos querem levar.

Tanto há a aprender…

É realmente um momento, a educação pré-escolar, que valoriza a individualidade, a expressão, a forma de estar, o bem-estar, a relação,…. Diariamente, deixamos a cadeira e a secretária (quando existem) e tornamos o nosso nível, superior, adequado ao nível dos que nos rodeiam, em que o afeto se torna palavra de ordem, em que a relação se torna algo que valoriza o indivíduo, a personalidade, a motivação e a confiança. Existirá melhor maneira de os envolver no dia-a-dia se soubermos ser afetivos, relacionais e verdadeiros exemplos de atenção e motivação?

Queixamo-nos tanto dos alunos que temos hoje em dia, das famílias que estão connosco diariamente, da dificuldade que é ser professor, mas será que nos propomos a mudar ou, simplesmente, a envolvermo-nos na mudança?

Continuamos a culpabilizar os alunos, por não terem capacidades, continuamos a culpabilizar as famílias por não respeitarem os professores, mas certo é que devemos, cada vez mais, assumir práticas de envolvência, ligadas à emoção, à criação de relação entre seres humanos, à positividade, ao interesse e à curiosidade, ao saber estar e ao estarmos disponíveis para criarmos momentos autênticos de aprendizagem cooperada e não de aprendizagem autoritária.

Tanto há a aprender om a com a Educação de Infância!

As salas aprisionam as mentes, a curiosidade, o saber estar e o espírito crítico. As salas tornam-se verdadeiras clausuras abstraindo-se das aprendizagens além sala. Prefere-se o conhecimento teórico, abstraindo-se do facto de se ter uma geração prática, que vive o espaço exterior de um modo protegido e sem risco ou aventura. E tanto há lá fora para aprender, através da educação de infância e de qualquer outro ciclo.

Mas, que não se esqueça, a necessidade de seguir o programa de forma exímia, ano após ano, leva a que esta exploração se mantenha contida entre paredes, possível de observar, apenas, através de um vidro.

Tanto há a aprender…  quando a educação de infância reconhece o espaço exterior como mais um espaço de oportunidades, de conhecimentos, de vivências, de ousadias, de explorações e de aquisições fundamentais, de relação social, de se permitir que sejam crianças, agentes conhecedores e ativos do seu crescimento.  

Na educação pré-escolar a prática vive das emoções, dos interesses dos alunos, da necessidade de ser proactivo, respeitador e aventureiro, na ousadia de deixar o nosso lugar e sermos flexíveis na forma de estar e de ser, tornarmo-nos sensíveis a diferentes causas, necessidades, expectativas e interesses.

E, para que tudo isto resulte, a consciência do trabalho, do caminho que se pode percorrer, das competências que seriam pertinentes de atingir, tornam-se fulcrais para levar a que todos e cada um consiga ousar-se, desafiar-se e superar-se. É um desafio, sermos flexíveis e tornar toda a nossa prática flexível e articulada.

Mas, bem se sabe, torna-se uma utopia, porque esta mudança vira-nos do avesso, cria-nos borboletas no estômago, faz-nos abanar e tremer, faz-nos caminhar por areias movediças e desconhecidas, faz-nos duvidar, mas acima de tudo leva-nos a questionar e a refletir… e isso, é um bem necessário!

A educação de hoje vê os alunos apenas pela capa, abstrai-se do seu interior e da sua história. Vivemos acorrentados aos resultados, ao sucesso escolar ou à falta dele, o mesmo conteúdo de norte a sul, as mesmas fichas, os mesmos testes, a mesma cor, o mesmo para a individualidade e para a diferença. Esquecemos a nossa capacidade de valorizar o caminho e não, somente o resultado, as conquistas, os desafios ultrapassados, a correção de erros, esquecemos de olhar, olhos nos olhos, e de acreditar em cada um… esquecemos de ouvir… esquecemos do que é ser professor.    

Se procurassem um pouco sobre educação de infância, descobririam o que nos faz ousar e reconhecer a nossa necessidade de adequar a prática de forma constante, olhando para cada tema, para cada atividade, para cada desafio, de um modo articulado, flexível, em que nada é estanque, em que nada se torna um caminho de sentido único, mas sim, num emaranhado de caminhos, consoante os diferentes interesses. Descobririam que sempre que nos aventuramos para onde nos desafiam, saímos de coração nas mãos, mas certos de que estamos a dar o nosso melhor para responder às suas dúvidas, anseios e preocupações, que os estamos a ensinar a querer sempre mais e a serem construtores de um conhecimento claro, direto e necessário para as suas respostas.  

Os educadores de infância não são heróis, não são os melhores, mas há uma garantia, há muito a aprender com eles. Assumem práticas em que a flexibilidade, a articulação, a relação, a positividade, a afetividade, a individualidade, o interesse, a curiosidade, o espírito crítico se tornam fundamentais, em que a ousadia se vive, em que o desafio é constante, em que o  respeito por cada um, é lei. Reconhece-se a importância de ser criança e tornamo-nos cúmplices de um caminho cheio de turbulência, mas certo de que será o caminho que eles querem seguir, o caminho do seu interesse, de permitir que sejam crianças interessadas e envolvidas no processo de aprendizagem.  

Temos a capacidade de olhar para nós próprios e sujeitarmo-nos a mudar?  Estamos dispostos a trabalhar de forma cooperativa e colaborativa em prol do futuro da sociedade, da educação? 

#umacaixacheiadenada 

Rui Inácio



Comentários

  1. Sem dúvida Rui, subscrevo mas vejo tantos colegas a reproduzir ' trabalhinhos' que viram no Pinterest, iguais para todos e onde o que importa é que fiquem lindos e perfeitos e infelizmente é cada vez uma prática mais comum.
    Esses educadores além de prejudicarem as crianças baralham adultos que nao sabem o que é a educação Pré -escolar, sejam eles professores, pais, assistentes operacionais… que dizem está tão bonito. Temos ainda muito a desbravar😂

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    1. Verdade! Nem sempre o bonito é significativo de aprendizagens. As criancas aprendem quando mexem, exploram, investigam, descobrem...enfim quando há lugar à " magia". Considero os materiais não estruturados potenciadores de diversas aprendizagens bem como da imaginação e criatividade. Há tanto a fazer pela educação e pelo ensino.e nós docentes temos de estar em permanente atenção às diferentes abordagens pedagógicas.

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