Desculpem-nos, mas é tudo uma questão pontual!

Hoje foi mais um dia de trabalho.
À entrada da escola os sorrisos aguardavam-me, os abraços revigoravam-me e enchiam-me da energia que faltava para aguentar mais um dia de trabalho.

Na sala de professores o café aquecia-nos antes de entrar na sala. As conversas que existiam rondavam o cansaço docente, as burocracias, a falta de pessoal nas escolas e, mais uma vez, as agressões a professores e a alunos. Opinião após opinião, receios após receios, revelam as preocupações na idade avançada que já levam e, apesar de amarem a profissão que abraçaram, o cansaço começa a tomar-lhes o corpo. Alguém dizia, como me conseguirei aguentar até à idade da reforma se diariamente já tomo 10 comprimidos para conseguir ensinar os alunos?

As lágrimas, em alguns casos, tornam-se frequentes, reflexo de cansaço, desprezo e desvalorização pela profissão. Mas toda a conversa, desabafos e anseios são interrompidos pelo soar trémulo da campainha.

Levantam-se e carregados das suas malas, das suas palavras e dos seus conhecimentos, cada um segue rumo à sua sala.

Ao longe os pequenos começam a correr de mochilas às costas, pousam-nas nos cabides e entram de sorriso no rosto. Abraços e beijos vão sendo distribuídos e revelando cada sentimento puro e valorizado para connosco. Se até à hora do toque a angústia tomava lugar pelos exemplos que se ouviam, agora, a energia é renovada pela ansiedade de quererem saber mais, motivam e fazem com que cada segundo valha a pena. Apesar de saber que os restantes professores estão cansados, gostaria que recebessem um pouco do que recebo nesta sala do pré-escolar.

O agradecimento com que nos olham, a admiração com que nos observam enquanto, por exemplo, modelamos uma pequena bola de plasticina, é de encher os seus pequenos olhos de luz, de pura relação. No fundo, ajudam-nos a olhar e a valorizar a simplicidade.

Vou observando cada um e, ao mesmo tempo, vou tendo em mente cada palavra que ouvi logo no início da manhã, cada palavra que vai mostrando o que poderá ser uma profissão sem futuro e cansada, uma profissão que acolhe, mas que se torna cansada a cada dia que passa...

Se pudesse dar lhes um pouco da alegria da sala e mostrar-lhes que se olharem para os alunos e os escutarem poderão envolver-se de um modo tão positivo e menos penoso do que aquele que estão a sentir.

Se pudesse partilharia cada abraço, que recebi, com cada um daqueles professores tristes e desolados, cansados e sem motivação. 
Se pudesse ensinava-os a valorizar cada gesto simples, sorriso e abraço que se vive no jardim.

Mas, nos corredores a conversa continua, as auxiliares queixam-se do trabalho que não conseguem realizar, queixam-se de que existe falta de pessoal, queixam-se das constantes desculpas que o Sr. Ministro dá, reforçando de que são situações pontuais. Há choros por não conseguirem desempenhar os seus papéis, há revolta por não serem reconhecidos os seus trabalhos, há desespero, há desmotivação na forma de ação, há tudo aquilo que gostariam de que não existisse para desempenharem o seu papel.

Se olharmos para tudo isto, não vemos a qualidade da educação, mas sim a morte da mesma, e como se ouve tantas vezes nos corredores, a morte da escola pública.

A isto poderíamos acrescentar a desvalorização e desresponsabilização dos pais no processo da educação, a culpa que apontam de forma constante aos professores por um trabalho que seria o deles, mas que de forma tão fácil se desviam da responsabilidade.

Depois de almoço, as atividades retomaram, a agitação é clara, resultado de uma envolvência plena e construtiva. No entanto, surge a discussão entre eles. Ao intervir uma criança levanta-me a mão, foi, simplesmente, contrariada. Deixo-me estar para não me sujeitar a levar um processo disciplinar e tendo em conta todas as situações mediáticas, tudo aquilo a que nos obrigam, pergunto-me, permito que conclua aquilo que planeou (bater-me) ou intervenho não permitindo que tal aconteça?

As exigências que nos chegam diariamente, pelos superiores, pelos recados das mochilas, pelo ridículo interesse do umbigo, deixa-nos tantas vezes com o pensamento, onde irá isto parar? Numa escola que outrora a qualidade imperava, numa escola em que o respeito era palavra de ordem, elevam-se as vontades justificadas pelo individualismo, pelo egocentrismo, pela ausência de comunidade, mas é assim se caminha, rumo à ausência da preocupação pelo outro, à desvalorização do esforço e do interesse comum, ao desrespeito e à desonra, rumo à morte da educação. 

Nas salas ouvem-se respostas mirabolantes, em que os professores gritam para se fazerem ouvir, em que lutam por melhorar uma sociedade futura, dão o que sabem e o têm na construção de conhecimentos fundamentais para o sucesso de cada um. O esforço não será apenas destes, mas dos principais interessados. E porquê tanto desinteresse, porquê tanta desmotivação? De facto, a educação vai andando pelas horas da morte, com necessidade de mudar, de adequar, mas as mudanças deverão surgir nos dois sentidos. 

O toque da campainha anuncia o fecho de um dia de aulas, cansativo e cheio de situações pendentes de resolução. Além de seguirem para fora das salas com as malas, os professores carregam aos ombros mais um dia de preocupações, mais um dia de questões que não lhes largam o pensamento, levam mais carga do que aquela que trouxeram. E, apesar do seu dia de trabalho ter terminado, de já terem realizado o trabalho exigido por contrato e pago como tal, em casa corrigem os testes, definem estratégias, ocupam o seu tempo familiar com o seu tempo profissional, mas este tempo não é visto, nem relembrado, quando diariamente reclamam com os mesmos, não é sequer tido em conta o esforço extra escola, o desgaste e a utilização de um suposto tempo de descanso... 

A família fica tantas vezes em segundo lugar, mas dizem que ser professor é isto, e obrigam-se a agir deste modo, tudo em prol de uma qualidade na educação e, mesmo que não se consiga atingir essa boa qualidade, poderemos responder de igual forma, 

Desculpem-nos, mas é tudo uma questão pontual!  

A lista de queixas seria grande, a desmotivação os alicerces, mas sobre ela erguem-se vontades e constroem-se vidas que se tornarão eternamente agradecidas, envoltas de esperança e de reconhecimento, visíveis e sentidas por pequenos gestos e palavras. Mesmo que não consigamos tocar todos os alunos que estão a nosso cargo, que consigamos tocar um apenas, e só isso já será motivo para nos alegrarmos do nosso esforço diário, do nosso empenho, do nosso acreditar, e mais do que tudo, da decisão que tomámos para a nossa vida profissional ser professor. E se alguém vos disse, algum dia, que seria fácil, enganou-vos. Porque o difícil é mostrar que a educação vale a pena e que é com ela que se constrói o respeito.    

#umacaixacheiadenada

Rui

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