Relatório de auto avaliação, relatórios de encomenda, ou então, não!

O ano começa a aproximar se da meta, a correria para ter os documentos todos prontos já começou, as plataformas enchem-se de dados, de notas, de valores, de quantificações, de representações numéricas e, posteriormente, estatísticas, do que foi o ano. 

Representam-se, quantitativamente, conquistas, deslizes, esforços, objetivos alcançados, tudo em prol de dados estatísticos que, mais tarde, se tornarão como leituras do estado "real" da educação. 

Os professores, apressadamente, tendem a cumprir os prazos, a inserir, novamente, dados atualizados, a espelhar no computador a frustração de não serem mostrados os resultados qualitativos, porque para os agrupamentos, para os diretores, para os ministros, para quem quer que seja, nada há mais importante do que as percentagens, sendo estas,  possíveis de comparação entre escolas, concelhos, distritos, países.... Nada mais importa, do que as comparações mediáticas que valorizam o aluno padrão, com o atingido ou não atingido. 

São ignorados todos os processos, todas as tentativas, todos os esforços e, chegou ou não? Só isso fica expressado, transitou ou não transitou? Fica, novamente, a acumular e adquirir conhecimento? Não há nada tão claro como estes objetivos, não há nada tão claro como esta perspetiva errónea e afastada da realidade do país. 

É o país que temos, é a educação que temos, é a forma como nos acomodamos e tendemos a não mudar. 

Mas, como se não bastasse, lá vem os famosos relatórios de auto avaliação, os relatórios que refletem, supostamente, o nosso desempenho ao longo do ano letivo. São relatórios que, apesar de tudo, se consideram complexos, embora não estejam contempladas as evidências mais importantes, aquelas que surgem quando saímos da escola e que nos dizem, os encarregados de educação, obrigado por tudo. Ou, os meus filhos estão sempre a dizer o que aprenderam na escola, ou, qualquer palavra que seja partilhada ou dita; porque de acordo com a diretrizes dos famosos relatórios, não existe qualquer campo para mostrar as evidências daqueles que conhecem e se envolvem, diariamente, nas nossas práticas; aqueles porque quem nos esforçamos em manter práticas reais e que respondam às suas necessidades, as crianças. Esses sim, são os reais avaliadores.  

Ao chegar ao final do ano, haverá melhor avaliação do que termos palavras, tão simples como, obrigado? Palavras tais como, obrigado por tudo o que fez com a minha filha? E a acompanhar as palavras as ações, em que, de olhos nos olhos, estabelecem um contacto olho no olho, cheios de emoção, e prontos a desabar? 

Em que tópico deverão surgir estas e outras tantas evidências nos ditos relatórios? 

Sabemos, claramente, que será atribuída uma cotação no relatório que, por imposição dos agrupamentos, por imposição das cotas definidas, a maioria, mesmo sem estarem feitos e sequer entregues, já estão enquadrados numa avaliação previsível, alicerçada nas cotações  disponíveis para cada ciclo. São relatórios por encomenda, em que, os resultados já estão previstos, em que, apesar de se tentar transpor tudo para o papel, jamais serão o reflexo das práticas do ano, jamais serão o reflexo dos resultados e das vivências do ano. 

Seja qual for a nota, será, sempre, uma nota quantitativa, completamente afastada da realidade, das evidências. Mas a nota qualitativa, com evidências das crianças, dos encarregados de educação, é dada pessoalmente, longe dos coordenadores, dos diretores dos agrupamentos, longe da ribalta a que chamam relatórios de avaliação de desempenho docente, porque mais uma vez se refere, nesses não estão contempladas as reais evidências. 

E, mais importante do que o insuficiente, suficiente, bom, muito bom e excelente, são as avaliações qualitativas que reconhecem a potencialidade, as oportunidades, as vivências, a relação, o empenho, dedicação, as aprendizagens, as evoluções de todo o ano. 

Gosto de ti... 
Obrigado... 
Não quero que vás para outra escola... 
Queria voltar para o pré, para o pé de ti! 

não são estas evidências mais que claras para ter excelente? 
Não... Porque tudo isto, e muito mais, não está contemplado no famoso relatório, não é isto que se regista como evidência, porque o que está descrito acaba por não ser um reflexo claro e evidente na prática que desenvolvemos, na avaliação de desempenho. 

Mas, empenhei-me no meu relatório e mesmo não tendo o tópico para descrever estas evidências... Aguardo, ansiosamente, pela nota que mereço ter, pela cota disponível que me ditará que profissional me consideram, em que patamar estarei... 

#umacaixacheiadenada

Rui 

Comentários

  1. Não gosto de dar conselhos, sobretudo quando não são pedidos. Há sempre algo de paternalismo ou de condescendência inevitável na grande maioria dos 'conselhos' que se ensaiam. Por isso, façamos de conta que somos apenas pares da mesma profissão. Nessa situação, eu diria assim: ó pá Rui, apesar do que nos fazem penar, apesar do que moem, apesar do muito que pretendem controlar - para além de regular (sua função de facto) - os governos são muito mais passageiros que os educadores. Assim, tenta viver em dois mundos que só apenas parcialmente se tocam: um, é aquele onde tens de preencher papéis sem sentido e sem o sentido da educação que praticas... e outro, o das tuas práticas reais, concretas, com os teus próprios meios de monitorização dos processos educativos de que és responsável... Creio que misturar os dois não é benéfico, sobretudo para aquele onde há meninos e meninas com nome, cara, desejos, vontades... É que um dos vírus que tem vindo a contaminar as práticas educativas, tem sido uma linguagem que não faz sentido nem tem fundamento em nenhum 'mundo' científico; exemplo: competências. Conheces alguma criança incompetente seja lá no que for? Agarrar num conceito aplicável ao mundo do 'trabalho' e colocá-lo dentro dos contextos educativos, foi a golpada mais ditatorial de um modo de ver o mundo apenas pelo prisma de uma certa 'economia'. Esse conceito não encontra em nenhuma perspectiva de desenvolvimento e de aprendizagem qualquer eco. É uma 'mentira' coberta de chantilly. É uma deturpação corrosiva, que tem feito o seu caminho destrutivo pelas veias e artérias da educação, com a quase inocente conivência dos educadores e professores... O poder não pode decretar o número de meses que leva a gestação de um ser humano, pois não? Pois também não pode decretar que está na natureza do seu desenvolvimento sejam lá que 'competências'... Cá por mim, não há nada mais competente que um bebé! É a nossa socialização para campos cada vez mais abertos e na direcção de uma vida (se tudo correr bem) profissional ou laboralmente activa que exige que sejamos 'vistos' como mais ou menos 'competentes' mas em relação a uma dada actividade... É ridículo aplicar a mesma terminologia em relação, por exemplo, às amizades ou aos amores: o que é um amigo competente? É neste sentido que compreendo o seu lamento quando diz que nenhumas das evidências do seu bom desempenho - competência, agora sim - enquanto educador, conta para 'nada' apenas para si, crianças e pais... É isso mesmo: num universo mora o 'nada' e no outro 'quem verdadeiramente interessa'. Não dê tiros nos pés - procure ser 'competente' também no preenchimento dos papéis. Mas não lhes dê muita importância. Noutras instâncias - saberá melhor que eu quais - terá espaço para ser operador de mudança. Abraço.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Assistentes operacionais, mais do que um termo, uma profissão.

Grupos de WhatsApp de pais, um obstáculo ou uma potencialidade?

"as minhas paredes estão cheias de nada (...) isso é sinal de que não trabalho"