No jardim-de-infância não existem brinquedos para rapazes ou brinquedos para raparigas

O jardim de infância... um espaço de igualdade de oportunidades, de crescimento, de cometer erros, de correr riscos, de igualdade de géneros. 

Os brinquedos, que são dispostos, valorizam cada espaço, cada brincadeira, cada desafio e cada erro. Tornam o espaço rico em aprendizagens, a diferentes ritmos de trabalho, a diferentes ritmos de envolvimento, de empenho, tornam-se claros nos interesses que apresentam. É um espaço organizado de acordo com o grupo. 

Sendo constituído como uma ferramenta importante no dia-a-dia das crianças, o ambiente educativo, nomeadamente, a escolha de brinquedos e a sua organização, leva a que, a variedade dos mesmos beneficiem ambos os sexos, ou seja, será um ambiente com brinquedos para uso de ambos os sexos.

Felizmente, no jardim de infância, não existem barreiras de género, brinquedos para rapazes ou para raparigas, existem sim, brinquedos. 

Socialmente, ainda se relacionam as cores ao género, ainda se criam ligações das bonecas, panelas, ..., às raparigas e os carros, ferramentas, madeiras,... aos rapazes. Ainda se elevam as barreiras sociais aos vestidos que existem no jardim, às construções que são projectadas e postas em prática, ainda se duvida da intenção de derrubar muros de géneros, muros de igualdade, muros de experimentação e de vivências. 

São limites definidos socialmente, são limites definidos economicamente, com o intuito de valorizar o marketing e os estereótipos enraizados, mas que se tornam urgentes de serem derrubados, extintos. 

Se, diariamente, as roupas femininas são utilizadas por rapazes, as roupas masculinas utilizadas por raparigas que peso negativo poderá ter? Que leitura social poderá ser feita? E, mais do que social, que justificação pedagógica poderá estar subjacente a esta prática? 

Certamente, lembrar-se-ão das famosas matrafonas que tornam a sátira do Carnaval, como um espaço de liberdade de expressão, mas mais do que isso, de diversão. Claramente, em momentos de brincadeira as crianças, sejam rapazes ou raparigas experienciam, vivem e adquirem conhecimentos alicerçados na experimentação. São tempos de mudança, em que, o homem assume papéis, funções, profissões, que outrora jamais assumiria, mas sublinhe-se, adquire competências. E vice-versa em relação à mulher. 

No jardim-de-infância todos colaboram, todos lavam a loiça quando estão a brincar, todos vestem vestidos compridos para dar sentido ao que idealizaram, todos desmontam carros, e tornam a montá-los, parafuso a parafuso. Todas as brincadeiras, todos os brinquedos adquirem um conceito de igualdade e, ao invés dos papéis serem diferenciados consoante os géneros, são diferenciados consoante as tarefas disponíveis, consoante o diálogo, a negociação, a cooperação, o entendimento, e, mais do que tudo isso, consoante o respeito e o interesse de cada um. Seja qual for o papel que estão a representar, estão em constante aprendizagem, em constante representação, planificação e implementação do que idealizaram. 

Os pais preocupam-se de forma frequente com o tipo de brinquedos que os filhos utilizam, ora se gostam de brincar com as bonecas, ora se gostam de rebolar na terra, ora se gostam de cozinhar, ora  até, de construir carros e fazer construções... São apelidados de "Maria Rapaz" ou "Mariquinhas", que tem isso a ver com as fabulosas experiências que eles vivem? Porque se insiste em não entender que, no brincar, não existe diferenciação de género, mas sim, na cabeça dos adultos? 

Quando poderemos aprender com os mais pequenos, que de forma tranquila, experimentam cozinhar, construir, lavar, martelar, rebolar, pentear, e que o brincar é transversal? 

No jardim-de-infância não existem brinquedos para rapazes ou brinquedos para raparigas, existem brinquedos que potenciam géneros, de forma igual, de forma respeitada e valorizada. Existem brinquedos que potenciam aprendizagens, vivências, envolvimento e empenho, existem momentos de brincadeira pura! 

Entende-se cada oportunidade como uma forma de exploração, de expressão, de valorização pelo eu, pelo conhecimento próprio, pelo crescimento saudável dos pequenos em prol da aceitação, da partilha de papéis, da cooperação, do respeito, da ajuda e da comunicação... 

No jardim-de-infância não existe diferenciação de género, existe sim, na sociedade, nas cabeças dos mais crescidos, e esses sim, fazem com que a igualdade de género seja algo difícil de aceitar, de entender, de respeitar.

E que sociedade queremos construir se somos os primeiros a colocar entraves e a fazer juízos de valor? 

Eles, os mais pequenos, respeitam-se, reconhecem no brincar uma diversão, onde podem vestir qualquer personagem... nós, adultos, não. 

Que os jardins-de-infância se tornem espaços de igualdade, que os rapazes brinquem com as panelas e os pratos, que as raparigas conduzam a toda a velocidade pela sala ou pela rua e construam os mais altos prédios alguma vez vistos. 

Que os muros se desmoronem e se ergam indivíduos alicerçados em valores necessários para o bem-estar de todos, para a valorização do brincar como algo natural e inato nas crianças, sem juízos de valor, sem juízos sociais, sem correntes presas ao passado. 
  
#umacaixacheiadenada 

Rui  

Comentários

  1. Meu caro Rui: compreendo as suas boas intenções. Creio no entanto que cai aqui numa esparrela que, aliás, é comum a muitos jovens educadores e educadoras: não toma a ESCOLHA
    das crianças como factor decisivo no modo de brincar (com o que se brinca, com quem se brinca, como se brinca...). Os objectos ou suportes de jogo podem ter um peso importante nesse conjunto de factores que leva a escolher 'a brincadeira'; tão importante que pode mesmo afastar da brincadeira ou rapazes ou raparigas ou ambos! As crianças não vivem em contextos isolados e imunes aos adultos (os tais seres terríveis que têm coisas muito más metidas na cabeça que impedem que hajam mudanças felizes para todos no modo social de viver...); elas reflectem a sua experiência de vida nas escolhas que fazem. Aqui há anos atrás, algumas educadores diziam que 'a casa' era um espaço onde só brincavam meninas...; quando o que ali existia reflectia apenas um universo marcadamente feminino, os rapazes não encontravam nesse espaço meios de expressão; bastava colocar ali objectos de um universo masculino por natureza e por marca social, para os rapazes também quererem ali brincar e discutir com as raparigas o seu papel em pé de igualdade; depois era vê-los 'jogar' consoante as suas experiências, oferecendo um caudal de temas de discussão interessantíssimos para debate em grande grupo. A isso chama-se 'socialização'. O pior que um educadora pode fazer é - de maneira mais ou menos explícita - afirmar que há 'famílias' que funcionam de modo 'errado' e outras de modo 'certo'. O confronto dos vários modos de viver - que as crianças trazem para dentro do JI - são a base do trabalho. Lembro também que, desejavelmente, um educadora é uma adulto, não é?

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  2. Para se construírem em valores as meninas têm necessariamente que brincar com carrinhos e os rapazes com bonecas? É isso que vai trazer a igualdade?
    Esta obsessão com os brinquedos com que as crianças brincam é enervante!
    Ao longo dos últimos 30 anos várias crianças da minha família frequentaram vários jardins de infância, sob a orientação de diferentes educadoras. Nunca vi uma única condicionar a forma como as crianças brincavam nem vi nenhum pai preocupado em saber com que tipos de brinquedos os filhos brincavam!
    A idiotice disto tudo é achar que efeminando os meninos e masculinizando as meninas se vai conseguir igualdade e que só dessa forma é que é educar com valores!
    Por favor, deixem de ser paranóicos e aceitem com naturalidade que, maioritariamente, os meninos tendem para certas brincadeiras e as meninas para outras, e outras vezes gostam de experimentar brincadeiras diferentes e não há problema nenhum e não é preciso andar a vestir os meninos com vestidos ou a pôr bigodes nas meninas porque não é isso que vai resolver o problema da igualdade!

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