Os pés calçados e suados suspiravam pela liberdade, e assim foi.

A relva estava tão verde que brilhava ao sol. 

Os pés calçados e suados suspiravam pela liberdade, e assim foi... 

Querem fazer uma experiência?Tirem os sapatos, tirem as meias, podem andar descalços na relva.” 

O olhar espantado e o sentimento de fazerem algo que poderá ser proibido, levou-os a hesitar. Sentados no pequeno muro, olham atentamente à espera de novas indicações... 

“Descalcem-se e sintam a relva, o chão...”
“Não posso tirar os sapatos, a mãe não deixa”  Diz um deles a justificar essa resistência.

Após o encorajamento para andarem descalços, o choro surge com o receio de sentir a relva nos pés. O choro surge como resistência ao toque da relva, da terra, aos bichos minúsculos que por ali se passeiam. Olham para a terra, para a relva, como algo que nunca sentiram, como algo em que nunca tocaram. E, apesar de estarem todos os dias naquele arvoredo, receiam em lhe tocar, receiam em senti-lo. 

Quão protegidos se tornaram, se por tocarem a relva e a terra com os pés, recorrem ao choro e tornam esta experiência uma dificuldade utópica a ser ultrapassada?

Os sapatos dos adultos ficam de lado e os nossos pés começam a tocar o chão, a terra, a relva… sabe tão bem sentir esta liberdade, esta sensação, esta frescura… 

Agora, e depois de verem os adultos a andar na relva e com todo o cuidado, vão descendo os pés, descem o muro um de cada vez, vão-se aproximando da terra, toca-lhes ao de leve e a cada pedaço que tocam a terra, o choro para e a sensação torna-se agradável. Levanta-se e aventura-se a tocar a relva com todo o cuidado para não machucar... Os pés... 

De forma lenta avança pelo arvoredo com medo de que, a qualquer momento, algum bicho lhe salte para cima dos pés, com medo de que a relva o magoe. Que aventura tão perigosa, que experiência tão traumatizante, que contacto tão importante.

Espantados, os restantes, questionam o porquê de estarmos descalços! Agora seguro do que faz e após algumas corridas responde: “estou a fazer uma experiência” 

Apressam-se a sentar no muro e os pés, outrora protegidos, descalçam-se a toda a velocidade, e vagueiam, agora, livres pela relva, livres pelo chão, ansiosos por explorar e sentir o cheiro fresco verdejante da relva que pisam e pisaram todos os dias. Estão ansiosos por se sentirem sujos nas primeiras passadas que dão, ansiosos por se sentirem livres nas aventuras que tem. 

É só relva, é só chão. 

Se alguém descobre que andaram descalços, não sei o que dirão. 
Se alguém descobre que caminharam descalços sobre a relva, não sei o que falarão. 
Se alguém descobre que se passearam pela terra, não sei o que pensarão... 
Se alguém descobre o que lhes fizemos, não sei se o valorizarão. 
Se alguém descobre que os pés estavam sujos, não sei se o proibirão. 
Se alguém ousar a perguntar porque o fizemos, basta dizer que, apenas, sentiram algo que nunca sentem, que andaram, descalços, como nunca andaram, que descalçaram e  calçaram as meias e os sapatos sozinhos, foram autónomos. Responderemos que, mais uma vez, deixamos aproveitar mais um recurso que esteve ali o ano inteiro, mas que, socialmente os obrigam a não aproveitar, que teimosamente o ignoram e se torna desvalorizado. 

Como saltaram contentes, como riram e como correram. Descalços pelo arvoredo, sujaram-se e deixaram os pés outrora protegidos, ganhar cor, ganhar vida e liberdade. Descalços sentiram cada pedaço de terra, cada relva, cada pedra no caminho. 

Que grande momento de exploração... Que grande momento de socialização... Que grande momento de libertação... Que grande momento.. Embora raros, acontecem... e vão acontecer!

#umacaixacheiadenada

Rui

Comentários

  1. Que grande momento de leitura! Obrigada! Os pais podem protestar, mas as crianças agradecem.

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    1. Muito obrigado pelo seu comentário. As crianças deliram com estes pequenos momentos e, ainda bem, que ainda lhes vamos dando estás oportunidades!

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  2. Mara adorou a experiência!OBRIGADA!!!

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    1. Adorou mesmo! Primeiro andavam espantados, mas depois não queria outra coisa! Muito obrigado

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    2. Fantástico texto, Rui! Como é possível termos chegado a este estado de "isolamento" das nossas crianças em relação à natureza que a rodeia. Gostam tanto de se descalçar e andar nas pedras do recreio, mal o sol desponta e o termómetro sobe! E deitar-se, livres, e cobrir-se com as pedras, como se na praia estivessem :)
      Continua a ser o excelente Educador que és. Mas escreve. Como hoje.
      Ainda há muito por fazer...

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    3. Muito obrigado pelo seu comentário! É uma verdade, a proteção da crianças torna-se exagerada, a educação das crianças, uma utopia, baseada em valores pouco chegados aos seus interesses! Por aqui, vamos refletindo, e de alguma forma, tentar sensibilizar, pais, educadores, auxiliares, ou quem quer que seja, para estas questões! Muito Obrigado!

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