Havia lama no parque e, sem ninguém ver, estiveram a brincar!

O sol tem brilhado. 

O parque tem-se enchido de cor com a versatilidade das roupas de cada um, sem batas iguais, sem quadrados, sem cores associadas a géneros. Enchem cada canto de movimento e de uma agitação que os caracteriza. 
Todos os espaços tornam-se capazes para brincar, para explorar, para desenvolver a mais mirabolante brincadeira. 

Escondidos, atrás de árvores, constroem túneis, casas, cozinhas secretas, e fazem as suas novelas românticas, as suas representações, sem que os adultos intervenham e terminem de uma vez com todo o momento criativo. 

Vigiados, de perto, mas distantes do imaginário daqueles pequenos criativos, os adultos observam os passos dados, as brincadeiras que desenvolvem, as relações e as linguagens que vão tendo. E, ao seu olhar, valorizam cada uma delas, mesmo sem entender o esforço que fazem, mesmo sem reconhecer a potencialidade deste espaço fantástico a que os privamos o ano inteiro. 

Toda a gente reconhece, claro, que o espaço exterior é um espaço que potencia um infindável número de competências nas crianças, mas o que é certo, é que são poucos os que tornam o espaço exterior como um espaço pedagógico e rico de experiências. A dinamização, a organização, o reconhecimento do espaço exterior são deixados de lado de forma constante e, dizemos que, ao permitir que as crianças brinquem no exterior, estamos a promover tempos de brincadeira, de enriquecimento! E de facto, promovem, nós é que não o organizamos para tal! Tornar as opções pedagógicas, saber argumentar, e mais uma vez, "porque faço o que faço"! 

Diariamente, surgem nas redes sociais pedidos de ajuda para prendas do dia do pai, prendas do dia da mãe, prendas da páscoa, prendas do natal, prendas para o 25 de abril, prendas para todas as festividades, e todos comentam e põe o seu like, mas não se encontram partilhas, acerca de pedidos de ajuda nos jogos a desenvolver, nas atividades a valorizar, nos comportamentos a ter nos espaços exteriores. Aliás, veem-se milhares de textos que valorizam estas práticas, veem-se opiniões que valorizam estas práticas e este contacto com o exterior, mas ficam-se pelas redes sociais, porque na verdade, a rua continua a ficar na rua, e eles continuam a ficar na sala, com recreios pouco dinâmicos, poucos explorados... Lê-se a teoria, mas não se aplica na prática. Leem-se, na grande maioria das vezes, os títulos e julgam-se textos e artigos apenas pela capa! E quantas razões surgem para não se avançar: a direção não permite, a colega da sala ao lado não quer, eles precisam de correr apenas, eles não precisam de mais espaços para brincar, ... quantos argumentos… 

Venham os pedidos de ajuda que ajudam a refletir, os pedidos de ajuda que não surgem com o intuito de ter receitas prontas a utilizar. Venham de lá às reflexões, as partilhas de opiniões e, posteriormente, a construção de conhecimentos, a construção comum. 
Pedidos para ajudar as crianças a brincar nunca surgiram... Porque os pedidos tendem a surgir em prol do adulto… 

Abençoado sol que tem aparecido todos os dias! Abençoado sol, que tem permitido que todas as crianças se mantenham nas salas, perdão, na rua, a brincar no Parque exterior. 
Abençoado o sol que nos faz sair das quatro paredes e permite que ousem a sair dos casulos  que os prenderam até se transformarem em verdadeiras borboletas, frágeis, mas extremamente interessadas em voar pela rua com os raios de sol a bater-lhes nas asas. 

Abençoado o giz que voou para a rua e, como se nunca o tivessem visto, começaram a desenhar cada pedra, cada canto, cada muro. Abençoado o giz que sujou as mãos, as caras e as calças e os fez aproveitar o parque de uma forma como nunca o tinham feito. Abençoado o chão que se tornou numa folha de desenho e que parece não ter fim. Abençoado o chão que lhes permitiu desenhar sem obedecer a limites...

No parque, mesmo atrás da árvore, há água que jorra sem parar, e sem que percebam, cria uma poça, boa para sujar, boa para mergulhar, uma poça ideal para fazer lama... Uma poça fabulosa para tornar roupas imaculadas em roupas sujas e a acastanhadas. 

Aí se aquela lama se pudesse utilizar, fariam dela um almoço ou um jantar, digno de um verdadeiro banquete. Seria uma cozinha de lama, atarefada em servir os mais saborosos pratos... Aí se eles pudessem continuar ali, sujos, a brincar com a lama, quão felizes estariam, quão felizes seriam. Aí se os adultos descobrirem que havia lama no parque, e sem que eles se apercebessem, os mais pequenos estiveram a brincar com ela. 

Mas, havia, mesmo, lama no Parque, sujaram-se e isso tornou-se um problema. Havia lama no Parque e mesmo com essa lama poder-se-ia ter proporcionado um excelente momento pedagógico. Aí se aquela lama se mantivesse ali, quantos bolos nos serviriam e comeríamos até não poder mais, não haveria dieta que resistisse.

#umacaixacheiadenada

Rui

Comentários

  1. Fico tão emocionada por ler que “isto” existe e que há quem realmente reme contra as marés! Sou uma mãe que decidiu fazer uma pausa na carreira para cuidar da sua filha, agora com 27 meses, e apesar de fazermos diariamente dois períodos de brincadeira no exterior, não deixo de ficar sempre triste por encontrar os parques infantis vazios. Durante a semana simplesmente não há crianças! E quando, pontualmente aparece alguma, vem sempre acompanhada de um discurso infindável de regras: não corras, não te sujes, não subas, aí não é para a tua idade, isso não és capaz...
    Além de que o que mais parece importar aos adultos é a capacidade da criança andar no escorrega, balouço, etc e não “apenas” a imensa vontade de chapinhar nos lagos dos patos...
    Pergunto-me se um dia a minha filha se vai sentir desenquadrada quando for para a escola e tiver de se limitar e de lidar com crianças que nunca foram verdadeiramente crianças...enfim, medos de uma mãe :)

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