Eu quero ser professor, como tu!
O que queres ser quando cresceres?
Bem cedo, é uma pergunta recorrente a fazer a crianças e
jovens. É uma pergunta que se ouve sem medida, que se faz a qualquer criança,
de qualquer idade.
Partindo desta pergunta, a maioria dos educadores, explora a
temática das profissões em sala: polícias, bailarinos, bombeiros, professores,
tratadores de animais,... uma panóplia de sugestões que mais parece uma lista
de supermercado.
Torna-se engraçado verificar que, até mesmo após o nascimento, e em jeito de
brincadeira, os pais dizem, “pode ser que venha a ser médico”. Como se isso
fosse realmente o modo de atingir a tão desejada felicidade. E desta
forma, até logo após o seu nascimento já estão a ser invadidos com esta
pergunta!
Mas a pergunta persiste, em creche, em pré-escolar, no 1º ciclo, no 2º ciclo e no
3º ciclo, e ano após ano até chegarem, finalmente, ao 9 ano, existe a tão
desejada decisão durante esse mesmo ano: que curso seguir, que área seguir.
Decidem-se objetivos para o resto da vida, mesmo sem saber o que ainda é a
vida. Decidem-se áreas de interesse, mesmo sem nos conhecermos a nós próprios, delineiam-se
caminhos profissionais a seguir e, depressa se desviam... São decisões tão importantes,
mas que exigem uma consciência imatura do que se prevê, que gostariam de ser…
Uma boa decisão para tão tenra idade. Mas é desde cedo que se começa a falar de
profissões, o intuito, possivelmente errado, prevê um inicio de pensamento, de
decisões!
E quando à pergunta, a resposta é rápida: “Quando for grande, quero ser criança”.
Passam a infância e a adolescência a ouvir e a sentir o quão é importante é carecer,
quão importante é "deixar de ser criança", quão importante é
tornarem-se ajuizados, porque já não têm idade para brincar, porque já não são
crianças. E, até mesmo, as crianças vão sendo sujeitas a esta pressão de
crescimento instantâneo, por necessidade familiar, escolar, em que todos são
iguais, em que todos têm de ter um canudo na mão, em que todos têm de ser
alguém importante numa área profissional, em que todos têm, simplesmente, de
ser produtivos economicamente.
As famílias pressionam, as escolas pressionam e o tempo. em que poderiam e
deveriam brincar, passou, e com ele, todas as oportunidades de sujar, trepar,
correr, cair, levantar, saltar, socializar, todas estas desvalorizadas e
ultrapassadas por valores idiotas sociais, por prioridades sociais
completamente descabidas, desadequadas aos tempos de hoje.
É, de facto. um tema recorrente. É, de facto, algo que surge de forma
involuntária numa sala de pré-escolar. E haverá melhor resposta do que esta, “Eu
quero ser professor, como tu! Ajudas-nos, ensinas-nos e és nosso amigo”. E como
se não bastasse há quem continue, “brincas na rua, levas- nos a passear, e
fazemos tantas coisas. Eu quero ser professor, professor como tu.”
Se é a escolha certa? A resposta só ele saberá. Mas de facto, o melhor de
tudo é quando estamos com eles e nos fazem sorrir com estas palavras, e nos
mostram o real sentidos das palavras: amizade, quando sentimos um abraço, e nos
aquecem o coração, quando mesmo chateados, nos acalmam ou reconhecem que
erraram, quando sem palavras se agarram as nossas pernas e apenas nos aconchegam
e pedem uma festa na cabeça; e reconhecimento, a valorização do tempo de
crescimento que passamos juntos, mesmo enquanto cresciam, enquanto crescemos, permitimos que crescessem
no conhecimento e interesses e tiveram a oportunidade de o mostrar, de o experimentar. Fazem-nos
sentir seres, profissionais, amigos de verdade.
“Tu estás a trabalhar?” E quando esta pergunta se torna uma dúvida? Eu escolhi,
mesmo em adulto continuar a ser criança, continuar a brincar, de um modo mais
direcionado, dar a oportunidade de brincar, de conhecer, de explorar, dar a
oportunidade de continuar a ser criança. E, quando brincam são felizes.
Mas nem tudo são rosas, somos uma classe que julga facilmente quem está ao
nosso lado, que se acomoda ao que há e tem, uma classe que ridiculariza o
sentido da palavra criança. Somos uma classe que desvia os interesses sinceros
das crianças e as encaminha para os caminhos que queremos seguir. Não são eles
que me levam, sou eu que os levo. É uma profissão que assume uma atitude de
desvalorização, de desrespeito por pedidos de ajuda, que ignora práticas e
valoriza apenas a sua, tornamo-nos os animais da selva da história do Cuquedo,
em que, andamos de lá para cá, e de cá para lá, sem a capacidade de questionar,
de refletir, de sentir, apenas seguimos como a maioria, sem quês nem
porquês...
Mas, a decisão é pertinente, ser ou não ser professor? Há ainda o lado do
contacto com as famílias, em que, nos empenhamos para melhorar o bem-estar das
crianças em sala, e nem todos entendem que damos continuidade ao que iniciaram
em casa. Exigem, sem medida, criticam, sem medida, desgastam, sem medida, quem
acalma os filhos durante o dia, desvalorizam o que se faz na escola, agem por
impulso sem medo de magoar. Mas são apenas as contrariedades da profissão. Não
aprendemos a lidar com estas situações na faculdade, vamos aprendendo, e isso,
faz-nos mudar, crescer e por vezes, desistir.
Ser professor, ser educador, uma escolha pertinente, que valoriza o crescimento
saudável, a relação, o brincar, a oportunidade de os deixar ser crianças.
Apesar de tudo, e valorizando o que importa, ouvir, “quando crescer quero ser
como tu”, justificado de forma coerente e sentida, com um fecho de intervenção
a 4 braços, deixá-los aliviados e de consciência tranquila, deixa-nos com o
sentimento de missão "comprida" e cumprida... Comprida, porque de
facto é uma luta ser educador, ser educador que quer e que faz tudo pela
mudança, mudança de mentalidades e de priorização de saberes, que parece não
ter fim; cumprida, porque aos poucos os resultados vão surgindo, a valorização
profissional e pessoal vai assumindo uma resposta importante nas práticas que
são desenvolvidas.
Qualquer criança poderá dizê-lo “Quero ser professor como tu”. Qualquer um
poderá querer ser educador. E qualquer um poderá ser educador, mas bom educador
será só aquele que se esforçar. Educadores todos somos, mas bons educadores, só
aqueles que se esforçam.
#umacaixacheiadenada
Rui
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