Eu não te carreguei 42 semanas para isto!

O jardim de infância é um espaço fabuloso de relação. Um espaço onde se promovem socializações, interações, se vinculam relações, um espaço cheio de oportunidades de crescer em micro sociedade, onde cada um, assume responsabilidades, tarefas, olha pelo outro e ajuda-o a ir mais além!

Este espaço torna-se tão rico como o educador o quiser, tão rico como o educador o permitir.

As competências que se desenvolvem diariamente leva a que, a nível futuro, vivam as relações sociais alicerçadas no respeito e na valorização pessoal, na valorização do outro. Trazem, tantas vezes, problemas de casa, e em grande grupo ou de forma individual, vão sendo debatidas, com o intuito não de saber mais, mas de as ajudar a lidar com cada problema e com cada preocupação.

É uma verdade que, na grande maioria, os adultos nem se percebem da capacidade de compreensão destes pequenos, não se apercebem de que, mesmo com 3 anos entendem as atitudes, as zangas, as contrariedades que ocorrem em casa, e de forma inconsciente, vai sendo transmitida para os mais novos... Tornam-se esponjas que absorvem sentimentos, atitudes, dos adultos com as quais não sabem lidar. Quantas vezes, o grupo se torna numa espécie de confidentes e de especialistas na resolução de problemas emocionais. E o abraço poderá valer por tudo.

As crianças tornam-se o espelho, os sentimentos vividos e experimentados em casa, tornam-se meros transmissores de desavenças, discussões e angústias, tornam-se mini-adultos em crescimento instantâneo.

Na escola, e em situações de separações parentais, as crianças vivem de um lado para o outro, ora com um saco de roupa a ser entregue à mãe, na segunda feira, ora a ser entregue ao pai à sexta feira. Tornam-se pombos correio, destroçados emocionalmente, com recados ora para um, ora para outro. E, quantas vezes, a comunicação entre os progenitores é feita através dos próprios filhos?

Quantas vezes são eles que transmitem recados para que se evite qualquer contacto entre adultos?

Comunica-se, ora por mensagem, ora por e-mail, tudo para evitar contacto direto, são estratégias, formas de estar, que quer queiramos quer não, afetam em grande medida os mais novos. Sejam conscientes, apenas afetam os vossos filhos.

Na escola os recados são dados a dobrar, os convites a dobrar, quando em algumas práticas, existem as prendas, são exigidas a dobrar, tudo a dobrar... Tudo para que as crianças não notem... (Acham vocês...) Notam... Porque são vossos filhos, e eles conhecem-vos bem.

Mentem, de que o pai está a viajar, de que tem trabalhado até tarde, de que mantém uma aparência teatral de casal feliz, com o objetivo de tornar a criança longe dessas situações. Mas não ajudam, pioram, apenas, a forma de pensar, de sentir e de entender. Ocultar leva a que as crianças nunca entendam os vossos sentimentos, leva a que as crianças vivam a mentira e a tornem presente no seu dia a dia. Sejam diretos, sejam frontais, sejam honestos, mais do que esconder, estão a ensinar a mentir, e a contribuir para que os vossos filhos nunca percebam que os pais, mesmo separados continuam a gostar deles.
Sabemos, de antemão, que é uma temática difícil de pensar, de refletir, de ser abordada. Mas é tão necessária.

Veem-se comportamentos completamente alterados em sala, discursos cheios de dor e incoerências emocionais, abraços necessitados de aconchego, de tranquilidade, veem-se crianças  em mudança, perdidas e sem saber para onde seguir... Comportamentos resultantes destas situações... são reflexos... São comportamentos que preocupam... Que fazem preocupar...

Quantos os professores, educadores, auxiliares e animadores, são sujeitos a esconder as situações vividas em casa, porque mesmo conhecendo a realidade de cada criança, os pais fazem com que se mantenha um guião a seguir, levando a que as falas sejam reflexo de famílias felizes e não de famílias reais que sabem enfrentar problemas.

As crianças merecem a verdade, devem viver a verdade e experienciar a verdade, e os educadores em nada tem a julgar, tem apenas de apoiar cada criança, de modo a que, cada uma delas esteja feliz e segura emocionalmente na escola. E essa segurança deverá ser construída em casa inicialmente.

Não mintam, não omitam, sejam sinceros e conversem com os vossos filhos. Não os tornem meros correios parentais, carregados de recados e roupas, confundidos com os sentimentos e as suas emoções. Aprendem, vivem e aceitam.

Quantas justificações ouvimos, "não queremos que eles sofram", "não queremos que eles percebam", "não queremos que os nossos filhos saibam que estamos separados".

É desta forma que se educam os mais pequenos, através da farsa e de uma série de enredos programados de forma meticulosa de modo a que, os espetadores vivam a peça e a sintam como real?

Grave... Grave quando tentam, a todo o custo, fazer com que as crianças tenham opiniões negativas dos pais, quando se ofendem e os ofendem, quando ignoram os sentimentos de crianças pequenas que são obrigadas a crescer e a criar opiniões alicerçadas em insultos e juízos de valor... Ideias que perduram ao longo do tempo e que são confessadas nas escolas.

É então que se soltam gritos de raiva, de fúria:
"Hoje não estás em condições para andar na rua. Estás a ser mal comportado. Olha que a minha paciência para estar contigo é pouca. O teu pai estragou o trabalho que eu tive contigo, 3 anos de trabalho, estragados num mês. Eu não te carreguei 42 semanas para isto!"

Que consciência sentimental existe de quem se carregou durante 40 semanas? Que palavras medonhas saem sem medir o seu estrago, as suas consequências... Que competência tem quem as diz diante dos filhos, para ser pai ou mãe? Que filhos querem educar?

Existem situações desnecessárias, absurdas, que desvalorizam as crianças, que desvalorizam as atitudes e cenários a que os sujeitam... Apesar de terem todo o apoio, de existir frontalidade e sinceridade na escola, não são esses os valores que são transmitidos pelos pais separados...

Sinceridade, honestidade, abertura... capacidade de lhes mostrar que, mesmo afastados, separados, o amor entre pais e filhos se mantem.

Sejamos positivos nas relações que construímos, só assim teremos crianças seguras, positivas, com a capacidade de amar e de serem amadas, sensíveis aos outros. 


#umacaixacheiadenada

Rui Inácio 


Se gostou, poderá gostar de ler: Serei eu o saco de boxe da sua filha?

Comentários

  1. Obrigada Rui por tão claramente expor está questão... não sou mãe... mas sou professora e lido diariamente com jovens um pouco mais velhos que os a que o Rui se refere... mas as mágoas estão cristalizadas e muito mais difíceis de gerir... porque nesta altura as questões da adolescência acrescem a essa dor confusa da infância. Custa-me que a maioria dos professores não tenha qualquer rasgo de empatia ou de solidariedade para com o sofrimento que está por trás de um mau comportamento. Acho que devíamos investir na formação dos professores na área da cidadania e do humanismo. Ser professor não é e nunca mais será (se é que alguma vez foi) um único e exclusivamente transmissor de informação... (hoje em dia está tudo google)... Falta Ser...

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    1. Obrigado pelo seu comentário! A educação precisa de mudança, precisa de se apropriar e adequar as crianças de hoje e não as de ontem . As famílias devem se mentalizar para as responsabilidades inerentes, não para se desresponsabilizarem. Deve haver, como refere uma mudança de mentalidades ,mas tão importante que surja uma valorização da classe docente, é tão importante que surja uma união de recursos e de intervenientes em prol das crianças, só assim a educação terá e fará sentido! Obrigado!

      Rui

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  2. O post anterior é meu... não consegui alterar o nome de jurídicos 02 antes da publicação. O meu nome é Ana Paleta

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  3. "...e entre viagens para a mãe e para o pai, encontramos:
    - Questionários das auxiliares
    às crianças;
    -Comentários frios e calculados às crianças;
    -Pessoal dos processos em tribunal a fazer chamadas na busca de falhas parentais;
    - Os olhares de julgamento de todos para o pai/a mãe que faz uma visita na escola.

    Uma infinidade de invasões corrosivas ao bem estar de um ser cheio de vida e com uma enorme capacidade para absorver tudo o que o rodeia.

    E isto só para dizer que "depois da dor de uma grande verdade surge sempre o olhar, o abraço de conforto.
    Isto é aprender, isto é ensinar a verdade amando. �� "



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