Fomos felizes a brincar na rua, mas não deixamos que eles o sejam!

Os dias frios têm feito com que, milhares de crianças, fiquem enclausuradas em espaços fechados, sem ar fresco a correr, sem ar puro para respirar, sem ar do exterior. Respiram, apenas, o ar quente da sala, aquecido pelos aquecedores que aquecem, de forma ensurdecedora, a sala. 

 O recreio do exterior permanece vazio. Os agasalhos e as camadas de roupas acompanham os pequenos, de tal forma, que por vezes até dificulta os movimentos e as atividades que desenvolvem. 

Os avisos dos pais não param! Não se permite que as crianças andem na rua, que sintam o frio, que brinquem no espaço exterior. Apesar de virem prevenidos com casacos, cachecóis, luvas, gorros,… não é permitida a exploração ao ar livre, não é permitido sentir o frio, a geada, ou, em algumas situações, a neve.

Fecham-se entre quatro paredes e, ali, desenvolvem as suas atividades, assim como acontece todo o ano, esteja sol, chuva, ou frio…

Por que razão não se aproveita o espaço exterior em qualquer altura do ano? 

Com receio das reações dos pais evitamos sair da sala, para que ninguém fique doente, para que ninguém se suje, para que ninguém se desconcentre nos trabalhos de mesa, mas mais do que isso, para que ninguém se chateie! 

Mas, fazer com que fiquem fechados na sala só faz com que percam oportunidades, excelentes, de exploração! Experienciar  os sentidos, com sensações ótimas de sentir o exterior… conhecer, "só" aquilo que está à sua volta... e quantas oportunidades se perdem…

Mesmo, quando ordenados pelos pais, o espaço exterior continua a ser um excelente recurso pedagógico! Um espaço a ser utilizado em qualquer altura do ano, que tem potencialidades peculiares que, fechados em sala, se tornam impossíveis de serem explorados! 

Simplesmente, tendemos a jogar pelo seguro, tendemos a agradar a todas as solicitações que nos pedem, tendemos a cumprir as obrigações que nos são impostas e, nós, como bem-mandados que somos, calamo-nos e limitamo-nos a ouvir sem justificar o porquê da nossa prática. 

No entanto, torna-se bastante interessante pensar, que damos ouvidos a todas essas solicitações, que cumprimos todas as obrigações impostas, que fazemos tudo o que nos pedem, ordens vindas de adultos, mas quando os mais pequenos nos pedem, apenas, para ir à rua sentir o frio, respondemos que não! Quando nos relembram que, são eles os grandes agentes da sua própria aprendizagem, dizemos que não… porque, quer queiramos, quer não, a educação de Infância é dos adultos e não das crianças. 

Não venham dizer que ouvem as crianças, porque não é verdade! 
Não venham dizer que seguem os interesses das crianças, porque não é verdade, apenas os desviamos para caminhos que, para nós, são calmos e controlados!
Não venham dizer que se aventuram, porque ao mínimo pedido de aventura, fechamo-nos entre quatro paredes, porque está frio! 

As escolas tornam-se verdadeiras prisões, onde justificados pelas condições meteorológicas, se impedem as vivências das oportunidades que existem lá fora! 

Partindo deste isolamento exterior, desta preocupação excessiva pela sujidade, da necessidade de regras impostas pelos adultos, da sobrevalorização do currículo, em oposição ao brincar, criam-se crianças incapacitadas de explorar a terra, a água, o ar…Tornam-se, desta forma, crianças de “produção de estufa”, em que à mínima contrariedade, seja ela de foro físico, social, emocional, murcham e tornam-se em seres cinzentos e sem cor, em que a sua maior necessidade, o brincar, deixa de ser permitida, e as crianças que outrora exploravam o espaço exterior e respiravam um ar mais fresco, tornam-se seres de repetição, seres que aguardam, ansiosamente, que alguém lhes mostre como podem crescer, sem vontade própria, imaginação, criatividade, ou desejo de saber e de querer mais. Tornam-se, apenas, seres que, em terra desconhecida, não se aventuram e nem desejam conhecer, ou explorar aquilo que mais lhes poderia dar prazer, brincar ao ar livre, em dias de chuva, frio ou de sol.  

São crianças e a rua, brincar ao ar livre, faz parte da sua infância! 
Se fez da nossa, porque não poderá fazer parte da deles? Se aprendemos a brincar enquanto pequenos, porque não lhes poderemos dar essa oportunidade? 

Fomos felizes a brincar na rua, mas não deixamos que eles o sejam! 

#umacaixacheiadenada

Rui Inácio

Se gostou de ler, poderá gostar: Para de brincar com a areia, estás a fazer pó.

Comentários

  1. Tao bem que faz aos miúdos explorar/ brincar na rua. Alem de que quanto mais tempo passam na rua mais defesas ganham. Cresci com as brincadeiras de rua, quero que os meus filhos tb tenham essa alegria..

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  2. Acabei sair d uma reunião c pais onde se queixam pq os descalcei p pintar pés pq ficam doentes! Tão bom ler este artigo! Todos os pais e educadores deviam ler e reflectir e deixar as crianças ser crianças!

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  3. Conhecem a abordagem educativa Forest School (Escola da Floresta)? Está a ganhar terreno também em Portugal. Ora espreitem a página da recentemente criada associação que visa promover esta abordagem: https://www.facebook.com/escoladaflorestapt
    Já há bastantes projectos a germinar, se quiserem a associação disponibiliza uma listagem que está em construção para que possam identificar projectos na vossa proximidade para se inspirarem e inspirarem pais e instituições de ensino!
    Ana Teresa Santos

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    1. O que é lamentável é que todas as escolas/creches com métodos de ensino interessantes Montessori, Waldorf, EM, Forest school, etc praticam preços proibitivos para as familias comuns... Olho para todas estas oportunidades magníficas e que vão de encontro ao que a nossa família quer/deseja e esbarro-me com a realidade: está feito só para alguns, mas esses alguns são sempre os mesmos.

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  4. E quando são os educadores e os professores que não lhes permitem atividades no exterior???

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    1. É também uma verdade e que, infelizmente também acontece. No texto aborda a questão dos pais, no entanto, as decisões são tomadas pelos educadores, ou seja, o reconhecer das potencialidades do espaço exterior, o saber sensibilizar para esta importância, olhar para a idas ao exterior como momentos pedagógicos, de crescimento... Há muito a mudar, há muito a valorizar, há muito a sensibilizar. São chamadas de atenção para todos: para pais, para educadores, para professores, para auxiliares, no fundo uma chamada de atenção para toda a comunidade educativa. Obrigado pelo seu comentário!

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    2. É exatamente o que diz, as decisões são tomadas pelo educador e, cabe ao educador fazer ver e sensibilizar para essa questão, é a nossa função. A motivação gera motivação e acredito que isso se passa, de profissional de educação para pais, de crianças para pais, acabando por fazer com acreditem que o espaço exterior tem muitas e importantes potencialidades.

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    3. Sem dúvida alguma! Se soubermos sensibilizar para a importância do brincar, para a importância da rua, a compreensão vai surgindo aos poucos... Mas teremos de estar dispostos a isso! :) Obrigado pelo seu comentário

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