És educador, porque estudaste menos do que eu!

É, em jeito de brincadeira, que se ouve a frase: "És educador, porque estudaste menos do que eu!" mas, mesmo em jeito de brincadeira, não é livre de reflexão! 

Sou educador, sim, porque não estudei menos do que tu, mas porque me especializei em educação de infância. 

Sou educador, porque esta foi a minha opção profissional e, mesmo sem ter muito a noção do que poderia advir, sei que foi a melhor opção. Estou consciente de que desempenho as minhas funções de acordo com o respeito para com as crianças. 

Sou educador, porque, diariamente, invisto no bem-estar de 25 crianças e faço-as sonhar e acreditar que tudo o que desejarem é possível de atingir. 

Sou educador, porque mesmo "estudando menos do que tu", acredito que o "não consigo", não existe e passo isso para os meus alunos.

Sou educador, porque faço fazer parte da pouca percentagem de homens preocupados com a educação de infância e, mais do que preocupado, decidi contribuir para a qualidade e valorização da mesma. 

Sou educador, haverá melhor profissão do que esta, em que se explora de forma constante a imaginação, a criatividade e a capacidade de sonhar, diariamente, com todas aquelas crianças? 

Sou educador e estudei menos do que tu, porque o meu objetivo não é que aprendam a escrever e muito menos a ler. O meu objetivo é que brinquem, construam relações sociais baseadas no respeito, na interajuda e na noção do outro. 

Eu sei, sou educador e estudei menos do que tu. Mas, não quis estudar mais do que isso, porque a minha profissão, a minha atitude, levá-los-à a sentirem-se respeitados, a seguir os seus interesses e as suas ideologias. 

Sou educador, porque acredito que com as crianças, que tenho diariamente, posso construir um conhecimento partilhado, em que aprendo com tudo o que me dizem, em que me desafio a ir com eles onde querem ir, em que saio da minha zona de conforto e me vejo em areias movediças e que, muitas vezes, são eles que me mostram que caminho terei de seguir, são eles que me tiram dessas areias.

Sou educador e, felizmente, estudei menos do que tu, porque não valorizo as fichas, os grafismos, as temáticas, ou as ideias pré estabelecidas, como sendo o mais importante a desenvolver na educação de infância. Valorizo a folha em branco, todas as cores que a podem colorir, a imaginação e a criatividade que a podem preencher, valorizo o esforço de cada um, a ânsia de querer saber mais. 

Sou educador e, já me disseste várias vezes, estudei menos do que tu, porque assim o quis. Porque esta nobre profissão estabelece uma relação positiva com os miúdos e com os pais, e por muito difícil que seja, valorizo a tentativa, não o resultado, valorizo a forma como chegaram até lá. Valorizo, não o tempo que passaram em silêncio a brincar, sentados a fazer fichas, mas a socialização durante a brincadeira, o barulho entusiasmado, as skills  que os levam a construir, a modelar, a recortar, a jogar,... Valorizo a relação aprendizagem-motivação, a relação planificação mental-concretização, as tentativas. 

Já sei... Sou educador, e pela milésima vez mo dizes, porque estudaste menos do que eu. Porque tenho orgulho em ser educador, em ver os sorrisos que entram diariamente na sala, em verificar que se sentem bem e desafiados, que se sentem ouvidos, mas mais do que isso, acreditam que permito que sejam crianças. 

Sim, sou educador, porque estudei menos. 

Sou educador, porque estudei menos, mas sou eu que tenho um papel fundamental no início escolar, não tu. 

Sou eu que desperto o interesse para o mundo, não para uma folha de papel de grafismos.

Sou eu que lhes mostro a importância da leitura, da escrita,... Sou eu que lhes dou a conhecer esse contacto como algo importante e que fará toda a diferença aquando a entrada para o ciclo seguinte. 

Sou eu que inicio uma sensibilização relativamente à matemática, ao conhecimento do mundo, às expressões.

Apesar de saber que, estudei menos do que tu, mantenho o foco na transversalidade de áreas, na interdisciplinaridade, sempre com o objetivo de promover uma aprendizagem holística, que não visa um crescimento faseado e estanque, mas um desenvolvimento global.

Sou eu que lhes mostro que a motivação, o empenho e o interesse faz com que tenham sucesso naquilo que realizam diariamente. 

Sou eu que inicío este processo a que chamamos educação escolar. 
Sou eu que continuo, esforçadamente, a mostrar que é possível sonhar, acreditar e que o esforço vem acompanhado de uma recompensa. 

Sou eu, aquele que estudou menos do que tu. 

Apesar disso, acredito que a educação é feita de momentos de partilha, construção de conhecimento partilhado e cooperado, respeito. 

Mas, se não reconheces que sou um profissional da educação, desafio a perguntar, entendes mesmo o que é a educação? 

Sou educador e, apesar de ter estudado menos do que tu, sou profissional e desempenho o meu papel de forma consciente. Desempenho a minha profissão, de modo a que, quando receberes as crianças que estão comigo, digas, apesar de estudar menos do que eu, que fui um bom educador, porque isso não se vê nos meus atos, mas nas atitudes e conhecimentos das crianças que terás à tua frente. 

E sim, mesmo sendo educador, mesmo tendo estudado menos do que tu, o trabalho desenvolvido, as oportunidades desenvolvidas, despertaram neles competências importantes para que tu possas fazer o teu trabalho e desenvolver neles as competências que consideras importantes. Eu fiz o meu papel, permiti que fossem crianças e aprendessem a brincar, no brincar, com o brincar... E tu, o que pensas fazer? 

Eu sei, sou educador, porque estudei menos do que tu, mas, posso dizer de forma orgulhosa: sim, sou educador e, não importa se estudamos mais ou menos, mas importa, sim, os profissionais que nos tornarmos.


#umacaixacheiadenada

Rui

Comentários

  1. E bom ver que um colega sabe exatamente o que é ser educador e não tem vergonha disso. Parabéns e seja homem ou mulher um educador e sempre um auxiliador/ facilitador do processo de aprendizagem.

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    1. Porque haveremos de ter vergonha da nossa profissão, quando iniciamos um processo fabuloso de conhecimento, descoberta e aventura? Como dizia, só temos de aprender a valorizar o que fazemos, a justificar cada passo! Obrigado pelo seu comentário!

      Rui

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  2. Parabéns pelo excelente texto, tomara que todos os colegas da educação tivessem estudado "tão pouco " como nós, pois podia ser que aprendessem todos os dias como nós.

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  3. Mais um excelente texto. E que seja também uma excelente reflexão para todos.
    Porque esta realidade abordada é dura mas existe e é tão mais frequente do que aquilo que se possa imaginar.
    Eu recejo-me . Identifico-me e aplaudo de pé por mais uma vez teres conseguido trazer para o formato de texto aquilo que tantas vezes já senti mas nunca consegui verbalizar .
    Continuação de bom trabalho .
    Lúcia Bronze

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  4. Para se ser educador não se tem que estudar menos do que ninguém. Para as ser educador tem que se ter umas coisas que não vêm em nenhum livro, em nenhum curso, em nenhuma faculdade... tem que se ter sensibilidade, nobreza de espírito e amor. Isso não é ensina em lado algum. Para se ser educador não se precisa de estudar menos que ninguém porque se estuda muito também. É das profissões mais importantes para a sociedade. O problema é que as pessoas que proferem afirmações como :és educador porque estudaste menos que eu não têm noção do que o mais importante não é estudar, é amar alguém que não é nosso como se nosso fosse ❤️

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  5. Adorei! Excelente! Parabéns e continua a escrever coisas boas... Grande reflexão. Este é o caminho... Não desistir. Força.

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  6. "És educador, porque estudaste menos do que eu..." Para além de sermos nós , educadores que ajudamos a implementar as bases (aquilo que faz da criança aquilo que ela é, um ser humano único, especial com interesses, carateristicas, ritmos, desejos, emoções próprias) aos vários níveis do seu desenvolvimento: cognitivo, social, afetivo, motor..
    Para além disso...
    quem comigo partilha esta profissão, sabe que todos os estudos não abarcam aquilo que nós fazemos... Pois nós somos EDUCADORES, sim!!! Mas também somos psicólogos, terapeutas, costureiros, cozinheiros, admnistrativos, relações públicas, cientistas, médicos e enfermeiros, advogados, assistentes sociais, recursos humanos, amigos e companheiros... entre tantas outras especialidades, que mesmo sem as termos, temos de as aprender. ... "És educador porque estudaste menos que eu..."
    Adoro a ignorância!!!
    Se não vivemos todos no preto e no branco, muito é graças aos Educadores..
    Força colegas, façam a diferença! !!

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  7. Não percebo porque esta ideia do menos ou mais para se ser educador de infância! Estuda-se apenas! Um curso superior com as suas especificidades como outro qualquer. Cada um lhe dará a valorização que entender! No conjunto de necessidades de uma sociedade, ser educador de infância , é uma necessidade como outra qualquer. Reduzir esta especificidade a um sentimento de inferioridade é ridícula. Pessoalmente é um orgulho, uma paixão, uma forma de estar na vida, uma atitude...ser educadora de infância. E com paixão direi que é a melhor profissão do mundo! Não há melhor profissão, do que aquela que te recebe pela manha com abraços e te diz com sinceridade" Gosto muito de ti"!

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  9. Basta dizer:
    O futuro da humanidade está nas mãos dos Educadores.
    As crianças de hoje serão os adultos de amanhã.
    E que adultos queremos? Que humanidade pretendemos ter no nosso mundo?
    E não, não estudámos menos que os outros (também sou educadora de infância). Enquanto eu andava no secundário a "matar" a minha cabeça a estudar para ter média para entrar na faculdade, outros colegas não o faziam. Esses mesmos colegas são hoje engenheiros. Como? Porque o curso que que pretendiam tirar a média que "pediam" era apenas de 12 ou algo semelhante. Já para entrar em educação de infância recordo-me que a média pedida na minha altura rondava os 15 valores. Então, afinal quem é que estudou menos?!
    Sim, ok, qualquer curso de engenharia é muito mais complexo em determinadas disciplinas. Mas será o QI a única inteligência importante? Quem terá o índice de inteligente emocional mais elevado?!
    Será mais importante saber fazer cálculos de análise matemática do que saber gerir as próprias emoções e lidar com as emoções dos outros?!
    NÃO!
    Ambas são necessárias, mas enquanto eu tenho engenheiros a fazer cálculos por mim, não poderei ter ninguém que controle as minhas emoções nem as atitudes que tenho perante os outros e as adversidades da vida. E isto aplica-se a todos, educadores de infância, engenheiros, médicos, jardineiros, cozinheiros, etc.
    Por é que o ser humano continua a valorizar mais o QI do que a inteligência emocional? Já pensaram que sem esta última poderemos tornar-nos carrascos de nós próprios? Poderemos até ter o mais alto cargo numa empresa, mas que adianta se não soubermos gerir o nosso "Eu"?
    Isto tudo para dizer que eu/nós, educadores de infância, somos responsáveis por dotar as crianças de um alto nível de inteligência emocional. As competências que ensinamos serão úteis para o resto das suas vidas. Por isso me preocupo mais em ajudar a gerir emoções, conflitos, sentimentos, atitudes, relacionamentos. E as letras, os números, as ciências? Sim, claro que também ensino. E bastante! Mas tudo num formato muito diferente daquele em que é estar sentado em frente a uma ficha de trabalho (raramente, mas também as faço, até porque no ciclo seguinte terão muitas pela frente...).
    Por isso, pensemos bem na importância fulcral que um educador de infância pode ter na vida futura da humanidade. E aqui incluo também os professores. Porque cada professor que passa pela vida de cada criança/jovem poderá fazer toda a diferença em toda a sua vida.
    Em jeito de terminar, aproveito para citar um dos homens emocionalmente mais inteligentes que já "conheci", Augusto Cury:
    'Embora os professores sejam, em minha opinião, os profissionais mais importantes e desvalorizados da sociedade, um dos meus gritos de alerta é que o sistema educativo mundial está agonizante, formando alunos imaturos e impreparados para serem líderes de si mesmos numa sociedade digital. Ele entulha os alunos com milhões e dados sobre o mundo objetivo e não trabalha sistematicamente as funções do Eu no mundo subjetivo. O que fazem eles com as vaias e as humilhações? Com os desafios e as frustrações? E com as lágrimas e as traições, ou os fantasmas alojados no inconsciente?(...) Não sabem. Quando acertam, fazem-no intuitivamente, pois não foram educados para gerir a mente.'
    Por isso pensemos todos muito bem naquilo que andamos a fazer e a dizer. E àqueles que crêem ter estudado mais do que os educadores, deixo a seguinte questão: preferia ter um educador/professor que ensinasse o seu filho a saber ser, a saber estar, a saber conviver com os outros e consigo próprio, a par do saber aprender, ou ter que futuramente levá-lo ao psicólogo/psiquiatra porque ele não sabe o que fazer com as suas emoções, frustrações e adversidades da vida?

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    Respostas
    1. Isto "pintando" um cenário agradável em que tem a hipótese de levá-lo ao psicólogo...porque infelizmente vemos tantos casos de suicídio, dependentes de drogas, álcool, entre tantos outros vícios...Pense nisso...

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