Às vezes até me esqueço que são só crianças…

Já repararam na velocidade a que as férias passaram? 

Já repararam que mais dia, ou menos dia, estaremos encarregues de mais um grupo de crianças e que, defenderemos com unhas e dentes, os seus interesses?

Ano após ano, vamos desenvolvendo a capacidade, incrível, de refletir no nosso percurso profissional, nos anos anteriores, sempre com o objetivo de melhorar e de crescer. A nossa profissão pressupõe isso mesmo, olharmos para o passado, com o objetivo de irmos corrigindo erros, aproveitando boas práticas, mas acima de tudo, de ter a capacidade de mudar, consoante as crianças que teremos,

Mesmo sem o ano ter começado, há já quem tenha documentos prontos, projetos a realizar

pensados e tudo isto, em prol do interesse das crianças ( que irão ter), embora algumas ainda nem se conheçam... 

A nossa capacidade de previsão é de tal forma precisa, que se planeiam as atividades com bastante rigor, antecedência, consoante, claro, o interesse de quem teremos a nosso cuidado.

No ano passado, realizou-se uma atividade, que por sinal, resultou de uma forma incrível e,

como tal, a ideia será impô-la, quer dizer, propô-la! Parte-se do princípio de que irão gostar. Assim, e fazendo uma pequena planificação anual consegue-se prever, que o mês de setembro e talvez o de outubro fique já planeado. E se por alguma razão, nos sintamos meio perdidos e sem saber o que explorar, poderemos recorrer às atividades de expressão plástica, que acabam por ser um ótimo recurso para alargar os horizontes e interesses artísticos daqueles pequenos. 

Mas planeando o ano, poder-se-á dizer,

Setembro, será mês de adaptações, logo, pouco há a fazer;

Outubro, poderá ser um bom mês para criar pequenas atividades que levem o grupo a conhecer-se. Não esquecendo, claro, que haverá o Halloween, ou o Pão por Deus,  os sacos têm de ser feitos, obviamente, respeitando as crenças, ou interesses claros das crianças.

Novembro, no dia de São Martinho, poder-se-á contar a Lenda de São Martinho (costumam gostar e até se torna possível envolvê-los num teatrinho da lenda; assim, entende-se o chamado Verão de São Martinho). Haverá ainda, a castanha assada e já agora poderemos falar sobre os frutos do outono… E claro, se houver tempo, ainda se pode explorar a estação do ano, outono… e porque não, explorar as roupas que eles trazem vestidas? Mas como o fim do mês já se aproxima, a festa de natal começa a ocupar lugar e eles começam a demonstrar um interesse enorme em ensaiar, em fazer a lista interminável de prendas e até em fazer a sua prenda de natal da escola… Basta, só, pensar em algo para fazer… basta fazer uma pequena pesquisa e fica a ideia, a ideia que se pode sugerir...

Dezembro, teremos de terminar as prendas e ensaiar os teatros, danças e canções.

Janeiro, Dia dos Reis, dia de culinária de confeção do bolo-Rei. Os adultos metem a mão na massa, mostram-se alguns ingredientes, depois de estar quase tudo batido pede-se que

coloquem umas pintarolas, ou algumas frutas que vieram de casa. Não esquecer as fotos para registar aquele momento de envolvimento; poderemos ainda Cantar os Reis na escola… Para cantar os Reis, poderão ter uma coroa cuidadosamente recortada pelos adultos, mas decorada pelos mais pequenos.

Fevereiro, Dia dos Namorados, ou dia da Amizade, enfeitar a sala com corações; Iniciamos com o tema Carnaval de modo a que possam sugerir ou se possível permitir que escolham as melhores máscaras.

Março, Carnaval, dias de folia e de máscaras. Prendas para o Dia do Pai, abrir a escola nesse dia ao pai, de modo a que possa participar em atividades meticulosamente preparadas...

Abril, Páscoa, enfeitar a sala com coelhos, cenouras, galinhas e ovos. Mas de acordo de acordo com o interesse das crianças, sempre!

Com isto, faltam apenas dois meses….

Maio, fica ocupado com a atividade do dia da mãe e a prenda para a mesma, que de forma carinhosa a hão-de realizar, escolhida, resultado da pesquisa,  para agradar aos adultos...

Junho, começam-se a ultimar os preparativos para a festa de final de ano, voltam-se a ensaiar canções, danças, teatros, tudo para que a festa de final de ano seja do agrado dos pais e dos adultos. Obviamente, não esquecendo a boa disposição e entrega das crianças!

Faltam ainda os dias do animal, da terra, da água, do cão, do gato, da árvore, do... da... do... da... falta o dia do tudo e do nada... 

Mas respiramos...Tudo fica pensado, o ano planeado e dia 14 receberemos as primeiras crianças. 

Ficamos descansados porque tudo já está planeado, de acordo com os interesses daqueles que ainda não conhecemos. 

E assim, papéis atrás de papéis, planificações que não terminam e que são orientadas por

datas festivas, olhamos para trás e pensamos: os papéis são tantos, o interesse em fazê-los felizes é de tal forma importante, que a única frase que nos vem à cabeça é: às vezes até me esqueço que são só crianças e que o brincar é a sua forma de estarem mais felizes!

Haverá no meio deste tempo, preenchido por festas e romarias, tradições e religiões, um

tempo em que eles possam realmente ser crianças, em que o brincar assume o seu principal interesse e vontade?

Que seja um ano em que o interesse real impere, em que o brincar assuma o valor merecido, mas acima de tudo, que seja um ano, em que chegados a julho ou agosto, possamos olhar para trás e pensemos que, apesar da pressão, respeitámos o tempo de cada criança no brincar e permitimos que fossem crianças durante todo o ano, livres de uma agenda preenchida pelos adultos, livres de atividades impostas sem sabermos o porquê de as utilizarmos, livres de serem crianças contidas e com interesses ignorados. 

Que no final do ano, consigamos dizer,

olhamos para trás e parece que não fizemos nada, mas acima de tudo, permitimos que fossem felizes.

#umacaixacheiadenada

Rui Inácio