Deixem-me, por favor, ser o educador que acredito ser


O ano começa a aproximar-se do fim. 

Olho para trás e começo a fazer uma pequena avaliação do que foi o ano; daquilo que defini para os pequenos; daquilo que em conjunto fomos descobrindo; de todos os interesses que demonstraram, e se consegui, ou não, corresponder com as expectativas dos mais pequenos. 
É também um bom momento, para ter a capacidade de fazer uma reflexão acerca daquilo em que falhei,... 

Olho para trás e vejo que acima de tudo, acima de todos os interesses, permiti que fossem felizes. Esforçadamente, foram sendo estabelecidos desafios que os levaram a brincar, a explorar de forma criativa e sincera. Exploraram o que é brincar e o que é ser criança. 

Nós, educadores, valorizamos, nesta fase do ano, principalmente, se os objetivos foram atingidos. Mas eu, valorizo, acima de tudo o pensamento: terei criado momentos em que lhes desse oportunidade de crescer? Terei criado momentos em que permitisse que brincassem e explorassem de forma livre? Terei eu sido um educador à altura dos interesses que revelaram? Espero que sim. 

Sei que foi um ano de sorrisos e abraços. Um ano de muita parceria, de crescimento cooperado, de planeamentos, de avaliações, mas mais do que isto, de relações. 

Nós, educadores, vamos construindo ao longo do tempo interações com todos aqueles que nos são confiados. Somos seres de afeto e para o afeto, e passamos isso para os mais pequenos. Cuidamos uns dos outros, olhamos uns pelos outros, crescemos uns com os outros, tudo com o objetivo de existir uma relação de proximidade, confiança, segurança e conhecimento. 

Os educadores assumem um papel fulcral na vida diária destes pequenos, tornamos possível e concretizável os pensamentos que vão tendo. Construímos, em parceria, aquelas ideias mirabolantes que surgem nas cabeças dos pequenos criadores. Criamos oportunidades em que dizemos: não faças isto e aquilo... Porque no fundo, isso é o que nos dizem que não pode ser feito... Mas eles, ignoram, porque estão "apenas" a iniciar um processo de extrema complexidade  chamado de exploração... Chamado de crescimento. 

Olho para trás e penso, estou em creche, chego ao final do ano: mas eles não sabem as cores! Mas eles não sabem contar! Mas eles nem sabem que roupa se utiliza no inverno! Mas eles mal comem com a colher ou com o garfo! Mas eles mal falam! Mas eles ainda utilizam o biberão!!!!! Pânico! Ou não... 

Olho para trás, e vejo crianças felizes... Que correram atrás do sonho que permiti que fosse criado. Um sonho que os faz descobrir por eles (alimentado por todas as tomadas de decisões pedagógicas) que o brincar assume, para mim e para eles, um valor importantíssimo para o crescimento, para os conhecimentos que vão adquirindo. E se por momentos, digo que estão só a brincar, digo ainda, que para "só brincar" tive de suar contra expectativas sociais e profissionais. Tive de suar para defender que tudo o que fui fazendo, todas as decisões contrárias às que habitualmente são feitas, valorizaram um crescimento harmonioso e holístico de cada criança que tenho comigo. 

E se, como dizia eu num texto anterior, "se ser educador é isto" não me deixem fazer as malas, porque não quero abandonar a profissão... Então peço, por favor, deixem-me fazer o que gosto! Deixem-me acreditar no que faço, mas mais do que acreditar no que faço, deixem-me continuar a acreditar em todo o potencial que as crianças têm e são. Deixem-me olhar para estes pequenos como crianças, com desejo de me ensinar... De aprender comigo... de lutarmos juntos por algo em que acreditamos. Deixem-me viver o sonho que sonhei e que quero continuar a sonhar... Deixem-me torna-lo possível... Deixem-me acreditar que o dia a dia das crianças que estão comigo é valorizado através do brincar, do respeito, do afeto, da exploração, da iniciativa e dos seus interesses... Deixem-me acreditar que não preciso de os comparar, porque cada um deles é diferente... e essa diferença é impossível de ser qualificada por uma grelha que um adulto construiu. 

Mas para terminar, deixem-me acreditar que vale a pena ser educador, que vale a pena ir para casa e levar os problemas de cada criança, porque quero ajudar a resolve-los. 

Deixem-me acreditar que ao ter esta reflexão melhoro o dia-a-dia e me motivo em prol do interesse supremo, as crianças que estão a meu cargo. 

E se alguém perguntar que profissão eu tenho, posso responder, tenho a profissão mais importante do mundo, porque esta profissão é a que começa a formar pequenos seres, que se tornarão em adultos, sensíveis, proativos, dinâmicos, que se preocupam com os outros, que sabem defender os seus interesses e desejos, que criam oportunidades de aprendizagem e que se tornam cidadãos exemplares.

Mais uma vez peço, deixem-me ser um educador que cria oportunidades de crescimento saudável, alicerçado no afeto, no conhecimento, na iniciativa... 

E se na creche podemos fazer mais do que embelezar a sala? Sim podemos! Deixem-me, então,  ser o educador que não valoriza as paredes da sala, mas que valoriza as crianças e todo o mundo que está à espera de ser descoberto por elas. 

Deixem-me, por favor, ser o educador que acredito ser, o educador que está em aprendizagem cooperada com estes pequenos... 

Deixem-me ser... Só isso...

#umacaixacheiadenada

Rui Inácio 

Comentários

  1. " Educar não é cortar as asas, mas sim orientar o voo!", parabéns pelo forma como encara a mais nobre profissão do mundo, ser educador de infância...

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    1. Olá Daniela, muito obrigado pelo seu comentário, o empenho em qualquer profissão é fundamental, mas a capacidade de escuta, na profissão que abraçamos, é a regra de ouro!

      Rui

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    2. Sem dúvida, principalmente escutar as crianças, são elas que nos dizem as mais belas palavras, ainda que muitas vezes sem se expressar verbalmente.
      São o melhor do mundo, o melhor de nós. Estou grata por cada texto seu que posso ler, a terminar o meu percurso académico, é sempre uma bênção ler os sonhos de alguém que já está no terreno e acredita no mesmo que eu, e que às vezes é tão mal interpretado.
      Obrigada mesmo!

      Cumprimentos
      Daniela Antunes

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    3. Muito obrigado! É bom ter este tipo de feedback, no fundo, basta acreditarmos que é possível fazer a diferença, e valorizar a simplicidade do que se propõe, ou do que se aproveita. Obrigado pelo seu comentário!

      Rui

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  2. Excelente!! Mais um...!

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  3. E é assim que eu desejo que a minha bebé de 20 meses passe os seus dias na creche que escolhi: a brincar, a explorar. E sei que não é perfeita (isso não existe), mas tem afecto e tempo para ser criança e brincar, por isso a escolhi. Um dia saberá as cores, os números e tudo o resto. Mas tem todo o tempo de mundo.
    Obrigada Rui por esta visão da infância, a mais precoce e terna, e acredite que há muitos pais e mães como eu, que valorizam o que realmente é importante para os mais pequenos: o afecto, a segurança, o aconchego, o brincar muito, muito.

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    1. Olá! Obrigado pelo seu comentário, é assim que vejo a educação, de forma simples, com significado para os principais intervenientes. Valorizo o brincar como uma forma de expressão, exploração, e sabe muito bem ver, que não sabem as cores, que não sabem contar, mas acima de tudo, sabem ser autónomos, felizes, que se aventuram, e que viajam por onde querem! Muito obrigado!

      Rui

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  4. Como mãe foi sempre o que mais valorizei nos meus filhos, o brincar. Mesmo na escola primária abdiquei das aecs, onde rinham inglês e outras diaciplinas, para que pudessem ficar a correr na rua, a subir árvores, a explorar a vida e hoje tenho dois adolescentes, que não perderam nada com isso. Ganharam e muito!
    Como auxiliar que sou em creche, sempre deixei bem claro que esse é o meu lema também. Mas sei colocar me no meu lugar, mas nunca deixei de dar a minha opinião sobre este tema. Muitos são os pais ainda que querem as paredes cheias, muitos são os educadores que não querem ficar atrás de outros com uma sala menos "bonita" para que não haja comparações depreciativas, muitas são as instituições que se preocupam em agradar a essa maioria de pais, que "exigem" que assim seja, infelizmente!
    É um prazer enorme acompanhar os seus textos e ver que ainda existem profissionais da educação que pensam primeiro nas crianças, apesar de todas as burocracias, apesar de todos os pais e apesar da sociedade no geral. Mais uma vez PARABÉNS 🏆

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    1. Muito obrigado pelo seu comentário e por todos os elogios que faz. De facto, defendo a simplicidade das atividades, a não formatação de espaços e das crianças. Valorizo pequenas situações como forma de aprendizagem, valorizo cada momento como uma oportunidade, como um momento de escuta, em que o principal interesse, é explorar... BRINCAR!

      Muito obrigado!

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  5. Gostei muito! E identifiquei-me no seu belo texto. Parabéns!

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  6. Caro colega de profissão, obrigada por tão fantásticas palavras. Cabe a nós, educadores, cooperar nas aprendizagens e sobretudo deixar as crianças serem crianças, enquanto ainda podem! Parabéns!

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  7. 100% de acordo. Os pais dessas crianças devem sair de coração cheio ao deixar os filhos consigo e haverá também alguns que não saberão a sorte que os filhos têm.

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