Brincar na rua ou não, eis uma bela questão!
Brincar na rua ou não brincar, eis uma bela questão!
Se está frio, não se podem constipar.
Se está a chover, não se podem molhar.
Se está vento, não o podem sentir.
Se está calor, não podem suar.
Se... Se... Se... Seja qual for o estado do tempo, a sala/casa é o melhor sítio para brincar.
Se saem à rua, não podem correr.
Se veem uma árvore, não a podem trepar.
Se têm uma poça, não podem chapinhar.
Se veem a relva, não podem rebolar.
Se encontram paus, não lhes podem tocar.
Se há lama por perto, por favor, cuidado, que se podem sujar!
Se... Se... Se... Tantos "ses" para evitar aquilo que melhor sabem fazer: brincar!
Tantas prioridades estabelecidas ao longo do dia, mas tão pouco coerentes, tão pouco direcionadas aos principais interessados!
A nossa capacidade de olhar para o que eles fazem, torna-se um verdadeiro obstáculo à valorização de cada exploração, de cada envolvimento, de cada brincadeira desenvolvida por eles. Não reconhecemos, de forma fácil, que o brincar assume um significado de aprendizagem tal, que ao longo desse processo, desenvolvem tudo aquilo que, esforçadamente, pais, educadores e auxiliares, tentam proporcionar. Tantos argumentos utilizados de forma absurda. E não se diga, "Os tempos mudaram". É verdade, mudaram mesmo, mas poderemos priva-los de algo por onde estarão o resto da vida, o espaço exterior? Poderemos isola-los de um meio que utilizarão no seu futuro, mas que não o sabem apreciar, porque nós não lhes permitimos que tivessem essa experiência??
Brincar na rua, não significa estarem sós e abandonados a sua sorte...
O seu estado natural, a sua curiosidade inata, leva-os a criar sem qualquer esforço, leva-os a viver e a sentir cada pedaço de oportunidade, leva-os a crescer alicerçados no seu interesse, na sua curiosidade, motivação e empenho. Leva-os a aliar os conceitos de aprendizagem e desenvolvimento, de um modo tão simples e tão natural, que as conquistas que vão alcançando, os desafios que vão ultrapassando, os fará mostrar aos adultos, que a simplicidade é cheia de complexidade.
O espaço exterior torna cada experiência uma aventura (quando permitida pelos adultos). Mas, à mínima contrariedade, ou porque o vento começou a soprar, ou uns pingos a cair, ou qualquer que seja a razão, recolhem-se as crianças e ficam fechadas entre quatro paredes, e aí brincam… sem tocar na terra, sem sentir o vento, ou os pingos de chuva, sem sentir o sol, ou os raios de inverno a aquecer-lhes as costas.
As mãos poderiam estar sujas de lama, as roupas sujas de terra ou molhadas, as caras com terra e fossem, apenas, o reflexo de que rebolaram e que, tudo isto, foi resultado de uma exploração fabulosa pelo mundo da rua, da imaginação, da criação, da aventura, de brincar ao ar livre… pelo mundo do ser criança no exterior. A aventura permitida, ou não, pelos adultos.
Mas roupas ficaram sujas e, algumas delas, estragadas. À mínima mancha de lama, de terra, de relva, dispara-se o alarme da ira e termina-se o que estava a acontecer, corta-se pela raiz um momento de pura felicidade. As roupas lavam-se, a cara lava-se… mais cedo ou mais tarde, as roupas deixarão de lhes servir, e impedidos foram de brincar, devido à brancura imaculada das roupas, exigida pelos pais e educadores. As roupas deixaram de servir, e com o crescimento das crianças, as brincadeiras deixaram de acontecer, deixaram de crescer com as aventuras da terra, da lama, da relva, e de tudo o que poderiam ter explorado.
Quão imaturos somos, priorizamos as roupas e o seu estado, ao invés de priorizarmos o crescimento saudável e feliz das crianças. As roupas tornam-se pequenas, mas as crianças continuam a crescer e precisam de sentir cada pedaço de oportunidades, viver cada canto, cada esquina que espreita lá fora, cada oportunidade de exploração, para os tornar crianças felizes e audazes.
E quantas vezes, em contexto de escola, ouvimos: “Estás todo sujo” ou “O meu filho ficou todo sujo, não tenho mais nada para fazer, do que andar a comprar roupa”… A resposta é simples, “Se o seu filho está sujo, fique feliz por isso. É sinal de que esteve a brincar na rua e que saiu das paredes que lhe fecham a imaginação, a criatividade e a liberdade, a felicidade de ser criança. É sinal de que experimentou rebolar, rastejar, cair…é sinal de que se levantou e que resolveu problemas que não resolveria na sala! É sinal de que socializou com crianças que não socializaria, do modo que o fez, na sala. É sinal de que respirou o ar da rua, o sentiu nos seus pulmões, que o fez andar a correr que nem um louco sem objetivo algum, apenas queria correr, algo que não seria permitido em casa e na escola. É, “só”, sinal de que os adultos responsáveis por ele, educador e auxiliar, valorizam a rua e fazem questão de que eles a aproveitem, pelo menos na escola, já que em casa pouco o fazem. É, “apenas”, sinal de que esteve a brincar na rua, motivado, interessado, foi feliz… e quer melhor argumento do que este? Quer melhor argumento do que este: o seu filho esteve e foi feliz a brincar na rua!”
Quanta felicidade se espelha nos olhos de cada um, em que se esquecem e deixam de sentir o frio, porque estão em plena atividade física, em corridas de grande velocidade, em subidas de montes e vales, de imaginação!
Quanta alegria é aquela que sentem, quando na rua podem comunicar com as plantas, com os animais, com a terra, com a água, com o ar, com outras crianças, ou até mesmo, quando brincam sozinhos e verbalizam o que sentem e o que pensam durante a brincadeira.
Mas que se esqueça tudo isto… Em vez de se aproveitar a rua, ou todos as oportunidades que existem lá fora, que se continuem a criar crianças enclausuradas, fechadas em si mesmas, em que a partilha deixa de existir, a ousadia, a aventura e a socialização.
Que se continuem a criar crianças incapazes de tocar a terra.
Que se continuem a criar crianças que têm medo de saltar para a poça de água e de molhar os seus sapatos, só porque alguém irá ralhar.
Que se continuem a isolar as crianças da lama, ou da terra, apenas porque suja a roupa.
Que se isolem as crianças de todas as oportunidades fantásticas que a rua lhes proporciona.
Que se mantenha esta mentalidade fechada, de que a rua faz mal as crianças, porque apanham frio, chuva, sol, ou vento.
Que se continuem a criar crianças à imagem dos adultos: adultos que já foram crianças, mas que simplesmente o esqueceram.
Que se criem crianças que não souberam o que é ser criança. Certamente, desta forma, teremos futuros adultos que não apreciarão a simplicidade e, nunca, entenderão a complexidade de oportunidades existente na simplicidade do brincar ao ar livre.
#umacaixacheiadenada
Rui Inácio
Se gostou, poderá gostar de ler: Fomos felizes a brincar na rua, mas não deixamos que eles o sejam!
Vai já pra dentro menino!
ResponderEliminarVai já pra dentro estudar!
É sempre essa lengalenga
Quando o que eu quero é brincar...
Eu sei que aprendo nos livros,
Eu sei que aprendo no estudo,
a o mundo é variado
E eu preciso saber tudo!
Há tempo pra conhecer,
Há tempo pra explorar!
Basta os olhos abrir,
E com o ouvido escutar.
Aprende-se o tempo todo,
Dentro, fora, pelo avesso,
Começando pelo fim
Terminando no começo!
Se eu me fecho lá em casa,
Numa tarde de calor,
Como eu vou ver uma abelha
A catar pólen na flor?
Como eu vou saber da chuva
Se eu nunca me molhar?
Como eu vou sentir o sol,
Se eu nunca me queimar?
Como eu vou saber da terra,
Se eu nunca me sujar?
Como eu vou saber das gentes,
Sem aprender a gostar?
Quero ver com os meus olhos,
Quero a vida até o fundo,
Quero ter barros nos pés,
Eu quero aprender o mundo!
Pedro bANDEIRA, 2001. Poeta brasileiro
Vai já pra dentro menino!
ResponderEliminarVai já pra dentro estudar!
É sempre essa lengalenga
Quando o que eu quero é brincar...
Eu sei que aprendo nos livros,
Eu sei que aprendo no estudo,
a o mundo é variado
E eu preciso saber tudo!
Há tempo pra conhecer,
Há tempo pra explorar!
Basta os olhos abrir,
E com o ouvido escutar.
Aprende-se o tempo todo,
Dentro, fora, pelo avesso,
Começando pelo fim
Terminando no começo!
Se eu me fecho lá em casa,
Numa tarde de calor,
Como eu vou ver uma abelha
A catar pólen na flor?
Como eu vou saber da chuva
Se eu nunca me molhar?
Como eu vou sentir o sol,
Se eu nunca me queimar?
Como eu vou saber da terra,
Se eu nunca me sujar?
Como eu vou saber das gentes,
Sem aprender a gostar?
Quero ver com os meus olhos,
Quero a vida até o fundo,
Quero ter barros nos pés,
Eu quero aprender o mundo!
Pedro bANDEIRA, 2001. Poeta brasileiro
Eu concordo com tudo isto...tb brinquei muito mas muito na rua em criança e tento proporcionar sempre que possivel isso ao meu filho...mas às vezes fico com uma duvida: Nao será um exagero ou mesmo uma moda esta tendência actual de achar que o desenvolvimento saudavel é rua , lama, chuva, etc.
ResponderEliminarNós fomos criados assim e será que chegámos assim tão longe? Ficámos assim tao bem preparados para criar esta geraçao ? E aquelas crianças q infelizmente nao têm outro remedio do que brincar apenas na rua por falta de condiçoes, terao elas mais ferramentas do q as outras, que em casa são estimuladas com brinquedos pedagogicos, actividades em q se aprende a brincar como nunca antes uma geraçao teve , nem a nossa? Se o Amor desenvolve o cerebro, nunca antes nenhuma criança teve tanta atençao e carinho como agora...Acho que nem tudo está mal...tem é que haver um equilibrio!
Olá Susana, agradeço o seu comentário e, como já tivemos oportunidade de trocar algumas palavras que nos faz entender o ponto de vista, respondo aqui. Creio que termina de um modo que é preciso tornar consciente, equilíbrio. Este texto, como os restantes, tende a ser um mote para a reflexão naquilo que fazemos enquanto escola, pais, comunidade educativa. É uma verdade, o brincar no espaço exterior tem ganho uma grande visibilidade, graças em muito, ao trabalho que o Prof. Carlos Neto tem desenvolvido ao longo dos anos, que nos alerta para a necessidade do contacto com o exterior, mas é como diz, é necessário reconhecermos o equilíbrio.
EliminarCom esta situação pandémica que vivemos, fomos "obrigados", porque aconselhavam que o tempo no exterior fosse maior, a levar a educação para a rua, no entanto, este aproveitamento tornou-se, em muitos casos, um mero espaço sem o reconhecer como potencialidade. Este texto tende, acima de tudo, fazer com que olhemos para o espaço exterior como um modo de olhar intencional, capazes de reconhecer a sua potencialidade pedagógica. Como comecei por referir, é necessário um equilíbrio, sermos capazes de transportar o que vemos lá fora e trazermos para a sala, e vice-versa. Fundamental é reconhecer as potencialidades de cada espaço e permitir que existam momentos em que ambos são explorados, em que ambos se tornam uma tentativa de explorações de necessidades e interesses das crianças!
Estes espaços e permitir que sejam explorados é fazer com que as crianças vivam experiências que em sala não são fáceis de promover.... que se criem ligações entre eles, em que a valorização é apenas uma, o crescimento integral das crianças!
Estes diálogos são fundamentais na exposição de pontos de vista, só assim poderemos enriquecer os diálogos da educação, em que todos são escutados e promovem a reflexão!