Para de brincar com a areia, estás a fazer pó.

A chuva ameaça aproximar-se, mas enquanto não aparece, a rua tem sido um espaço, frequente, de brincadeira.

Mas afinal, valerá a pena apostar no espaço exterior como espaço de aprendizagens?

Apesar de ser um espaço fabuloso, verde, cheio de árvores, com terra e amplo não proporciona as atividades que são exigidas

Não se treina o estar sentado para o 1º ciclo, não se desenvolve o grafismo, que tanta falta irá fazer aquando a transição para o ciclo seguinte, não se desenvolve a contagem, não se recorta, não se aprende a escrever os números e, muito menos, o nome. 

Como podem treinar os conjuntos? 
Como podem desenvolver a criatividade? 
Como podem treinar o estar sentado a uma secretária? 
Como podem desenvolver experiências?
Como podem ser crianças empenhadas nas competências a adquirir para o 1º ciclo?

Na rua há pó, terrível para as alergias das crianças (e dos adultos). Na rua sujam as calças e, às vezes, até às rompem, e isso é uma chatice para os pais. Na rua esfolam os joelhos. Na rua atiram pedras. Na rua sobem às árvores e podem cair. Na rua batem-se, na rua... 

Existem assim tantos defensores da rua?

Apesar de espaços amplos que algumas escolas possuem, outras possuem mais pequenos, a consciência do espaço exterior como um espaço de aprendizagens, é redutora... E, sinceramente, se é para estar a fazer de socorrista, de forma frequentemente, mais vale que permaneçam na sala, sentados, a treinar, desde cedo, os comportamentos que se pretendem que tenham  adquiridos quando entrarem para o 1 ciclo.

É preferível manterem-se fechados entre quatro paredes a desenvolver as chamadas competências escolares e, assim, antecipamos aprendizagens, antecipamos competências que deveriam ser, apenas, abordadas no 1º ciclo. Mas, desta forma, a preparação ganha forma, a preparação torna-se mais próxima da realidade, afastada da criatividade, da imaginação, do espírito crítico, da autonomia, de ser criança.

Mas, a rua continua a ser um desafio que não está ao alcance de todos. A sobrevalorização das chamadas competências escolares, sejam elas quais forem, continuam a tomar as rotinas das salas por todo o país.

Saem documentos orientadores para a educação de infância e, são simplesmente ignorados, porque, mais uma vez, vivemos à luz do "diz que disse", à luz do comodismo, do "sempre fiz" e, não procuramos a verdadeira essência, nem "perdemos" tempo para os lermos.  Não se lê e, ainda se questiona, venham lá por isso em prática. 

Somos ou não gestores do nosso currículo? Somos ou não capazes de olhar para as potencialidades das crianças enquanto seres individuais e únicos? 

Somos ou não, suficientemente, perspicazes para perceber que a utilização de grelhas e fichas rotula o saber das crianças e ignora a criança enquanto ser único e holístico?

Mas, falava-se da rua. 

Uma criança brinca com terra e com dois paus, faz montes de areia, faz pó, brinca com as folhas e faz um castelo. Está envolvida, motivada, num objetivo que planeou e que o está a por em curso. 

Mas, está a fazer pó. 

Ao fundo, a voz da consciência, alerta para os perigos e, o que era uma atividade motivada e planeada por aquela criança, é agora uma memória impedida de ser concretizada:

"Para de brincar com a areia, estás a fazer pó. Não sabes que só se brinca com a areia na praia?"


#umacaixacheiadenada

Rui Inácio 

Comentários

  1. Este texto poderia ter como banda sonora a musica "fisga" do grupo Rio Grande...

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    1. Uma fabulosa associação! :) Obrigado pela sua sugestão!

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    2. Obrigado! Quase que da vontade de transcrever a letra...
      Ed. Rita Gonçalves.
      Parabens pelos seus textos!

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    3. Obrigado pelos comentários e pela sugestão musical! :)

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  2. Rui, como é bom lê-lo.

    Queremos crianças "enfiadas" numa sala a "trabalhar". Quando o mundo cá fora oferece tantas ou mais aprendizagens.

    Parece que estamos sempre com pressa: comer sozinhos, largar a fralda, aprender a falar, aprender a fazer grafismos, aprender letras e números, aprender.... quando estas capacidades elas irão alcançar por elas próprias com o tempo DELAS.

    E o brincar no recreio, o ajudar os pares, o ser amigo, o aprender a contar as folhas de outono (e aqui já aprenderam a contar, o que é o Outomo e as cores)?

    No outro dia cheguei ao JI e eles estavam "fechados" no ginásio. Porque havia um pouco de vento. Eram 18.20, já não actividades para fazer, há casacos para vestor e ar puro para respirar.
    Aposto que ficam menos doentes (o medo da maioria dos pais é que como frio e vento fiquem doentes) se andarem na rua, do que todos juntos num espaço fechado!

    Beijinhos e estou 1000% de acordo consigo.

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    1. Olá MMP, em primeiro lugar gostaria de agradecer o seu comentário. é apenas mais um texto que pretende promover a reflexão entre todos, educadores, pais, auxiliares e professores do 1º ciclo.
      As experiências que são tidas no espaço exterior valorizam competências que se desenvolvem mais facilmente, do que ao estarem sentadas a uma secretária.

      Mais uma vez reforço, a importância está na reflexão! :)

      Muito obrigado pelo seu comentário!

      Rui

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  3. E de que vale treinar estar sentado, fazer fichas (iguais para todos) ou estar entre quatro paredes só porque acham que será mais fácil (só se for para os professores) quando iniciarem o 1º ano? Com as férias de Verão tudo começa praticamente do zero... Bravo Rui!

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    1. Obrigado pelo seu comentário, Clara!
      Existem tantas possibilidade de atividades que valorizam competências importantes para a transição, possibilidade que levam a uma maior motivação, empenho e interesse dos mais pequenos! Antecipar essa transição... que vantagens traz?

      Muito obrigado,

      Rui

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  4. Obrigada. Vivam os não desistentes. É um gosto lê-lo, parabéns.

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