Tanto há a fazer pela dignidade da infância

Hoje em dia falar da infância tem-se tornado algo banal e acessível a todos, no entanto, através dos famosos achismos e dos detentores de toda a razão, se tiram conclusões rápidas e diretas em prol do que se considera o bem necessário para o desenvolvimento das crianças. A futilidade impera.

As redes sociais são, cada vez mais, invadidas por plataformas com recursos digitais, que se dizem beneficiar o desenvolvimento das crianças, por publicidades de manuais que se dizem ser uma mais valia na preparação para a transição para o 1º ciclo,… Uma panóplia de situações que nos deixam a pensar, realmente, na dignidade da infância.

Torna-se muito curioso que, cada vez mais, exista a necessidade de se falar acerca do brincar, algo que seria suposto acontecer de um modo natural na vida das crianças. Esta temática acaba por nos levar a uma reflexão muito pertinente, de facto, cada vez mais, as crianças estão afastadas do brincar e mais centradas nos objetivos, que se consideram fundamentais para a integração no mundo do sucesso e da excessiva valorização das competências escolares.

Como dizia, o brincar assume a centralidade de diálogos, em que se tentam registar momentos que são valorizados e expostos nas redes sociais, com que intuito? Valorizar o que é feito ou promover um diálogo pleno e visível entre o brincar e as crianças?

Além do brincar, tem surgido, ainda, o brincar no exterior, associado, normalmente ao brincar na natureza. Reforça-se, não seria suposto que estas valorizações acontecessem de um modo inato, sem existir a necessidade de relembrar que as crianças devem brincar e que o espaço exterior se torna uma excelente potencialidade para promover aprendizagens eficazes e fundamentais para as crianças?

As referidas vendas centram-se na preocupação dos pais, centram no poder económicos e nos ganhos económicos, tocam no ponto que torna os pais mais suscetíveis à compra: sucesso escolar. São focos na matemática, na linguagem e pouco mais. Mas onde fica o movimento? A criatividade? A imaginação? A confiança? A socialização? Poder-se-ia continuar a enunciar competências que são mais importantes de serem adquiridas do que aquelas a que se dá o real valor.

Falemos da Infância, falemos da sua importância e desta urgente necessidade de a relembrar diariamente.

A vivência que se permite que vivam quotidianamente, que brinquem de um modo pleno, leva-os a criar momentos que se tornam únicos aos seus olhos e, na grande maioria das vezes, impercetíveis aos nossos olhos (adultos) e à nossa capacidade de compreensão.

Falar do brincar e relembrar que, de facto, é uma ferramenta fundamental de aprendizagem para as crianças, é relembrar, àqueles que já cresceram, que não se podem deixar passar ao lado oportunidades que são fundamentais na vida destes pequenos.

Deixemos de olhar para eles como adultos em miniatura. Deixemos de olhar para eles como seres a quem colocamos expectativas e responsabilidades absurdas de um modo tão precoce.

Já se sentaram a olhar para as crianças enquanto brincam? Já os admiraram nesse momento? Enquanto pais façam o exercício, sentem-se a observar as ligações que constroem entre o pensamento e o que põem em prática. Repararem na forma como comunicam, no modo como interagem com os brinquedos, com outras crianças. Estejam atento às expressões que utilizam. Aventurem-se a promover um espaço em que o brincar é realmente o ponto fundamental.

Tanto há a fazer pela dignidade da infância

Estamos a chegar à fase final do ano letivo e, como tal, a preocupação nas avaliações surge naturalmente.

O que esperam encontrar nelas? O sucesso espelhado desde a creche? O resultado final em que as cores já são conhecidas, em que as letras já se sabem de cor? O reconhecimento das letras e dos números de um modo exemplar? E para alguns, até algumas tentativas de leitura?

Não esperem que as avaliações sejam baseadas em competências que já foram atingidas ou não, não centrem a vossa atenção carregando um peso desmedido e que leva os mais pequenos a viver uma ansiedade desnecessária. Não vivam e não permitam que eles vivam a escolarização precoce!

Reconheçam o crescimento que existiu ao longo do tempo, a facilidade com que se foram envolvendo nas dinâmicas propostas, no envolvimento das dinâmicas, na forma como brincaram e se aventuraram além portas, no modo como mantiveram e construíram novas amizades….

Vejam, por favor, se existiu o respeito pelas crianças e, esse respeito, não se vê pela quantidade de conhecimento adquirido, mas pela oportunidade que lhes foi dada à participação, a mostrar os interesses e as dificuldades, a contar conquistas, mas também a aprender a lidar com as derrotas.

Respeitem esta fase, porque nunca mais se irá repetir.

Olhem para a infância como uma necessidade de ser vivida, que será o alicerce de uma vida adulta feliz, baseada na aventura, treinada na forma como se aventuraram com os colegas nas idas à floresta. Reconhecida na socialização, treinada nos momentos em que brincaram, jogaram, se chatearam e criaram ligações fundamentais para aprender a viver em sociedade. Observem a responsabilidade e a autonomia, visível nas escolhas, na realização de pequenas tarefas, na ajuda aos outros, em momentos que escolheram brincar, arrumar, ajudar e apoiar os colegas.

Sintam-nos confiantes, conhecedores de si próprios, com autoestima, com a capacidade de respeitar e de aceitar os outros. Deixem-nos criar relações, cativar e ser empáticos desde cedo.

Garantam que aquilo que proporcionam aos vossos filhos, aos vossos grupos de crianças é digno de uma vivência feliz, que promove o respeito por cada criança, a individualidade, a forma de ser e de estar, que valoriza as tentativas e os erros, mais do que os resultados ou o sucesso embrulhado que tentam imprimir desde cedo.

Ignorem as comparações, porque nós, adultos, também não nos comparamos diariamente para o que fazemos ou deixamos de fazer. E se assim o fazem, estão a agir de um modo errado, porque além de já não se lembrarem o que é ser criança, também perdem a vossa identidade enquanto adultos, os vossos sonhos.

A infância, essa fase tão complexa, mas que se vive de um modo tão simples, é sujeita a uma exigência desmedida, absurda, centrada nos interesses dos adultos. Esquece-se o principal, as crianças.

Há, realmente, uma urgência em se tornar real a dignidade na Infância.

Se for precisar falar do brincar? Falar-se-á, pois só assim se sensibiliza quem se precisa.

Se for necessário relembrar que a rua é um excelente cenário de aprendizagem para as crianças? Relembrar-se-á.

Mas deixemo-nos de olhar para a infância como um produto económico, como um mercado em expansão. Porque, de facto, a única expansão que estamos a criar, é a ausência da infância na vida das crianças, e essa expansão que criamos, é afastada da dignidade que se pretende.

Valorizem o que deve ser valorizado. Viver uma infância feliz, que cria memórias e seres felizes. 

Tanto há a fazer pela dignidade da infância


#umacaixacheiadenada 

Rui Inácio 






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