"as minhas paredes estão cheias de nada (...) isso é sinal de que não trabalho"

Hoje a sala virou a selva!
Ninguém se entendia, ninguém se ouvia, ninguém estava disposto a brincar.
Choros atrás de choros.. birras atrás de birras... Mas o milagre acontece.... o lençol!
Sou educador e estou em creche.
Os trabalhos bonitos a decorar paredes são substituídos por momentos de brincadeira, em que o chão é o nosso suporte, onde rebolamos, onde subimos para cima uns dos outros, onde aumentamos a nossa relação.
Sou educador e estou em creche, onde o medo toma conta das cabeças mais preconceituosas, onde a desconfiança é um sentimento guardado no bolso direito, na esperança de que este nunca seja preciso de ser tirado de lá.
No entanto, diariamente, a relação que estabeleço com os pequenos, faz com que essas opiniões iniciais se vão desmoronando e, em vez da desconfiança, sai do bolso um sentimento de reconhecimento, respeito, aceitação e de confiança.
Hoje confiaram-me os seus filhos e eu rebolei no chão, brinquei com o lençol, passaram-me por cima, saltaram-me por cima, riram, sorriram. Os choros que ouvia até então, ficaram para trás e, em vez disso, os abraços tornaram-se constantes, o desejo de brincar revelou-se em cada um deles. Revelou-se como algo muito desejado.
O lençol, o famoso lençol laranja, assumiu, mais uma vez, um momento de brincadeira hilariante. Embrulhado nesse tecido, atiravam-se para cima de mim, como se de uma piscina se tratasse, escondiam-se junto de mim, para que ninguém os descobrisse. Estavam felizes. Estavam felizes longe das grelhas, longe daquelas inúmeras listas de aquisições, estavam felizes. Corriam na sala, onde dizem que não se pode correr. Subiam a mesa, onde dizem que não se pode trepar, deitavam-se onde dizem que não se pode deitar! Mas comigo, com o lençol, hoje tudo foi possível, porque não valorizando as paredes, valorizei o chão, o brincar, a relação, o afeto, a cumplicidade. E se os pais não entendem o que é ser educador em creche e criam expetativas demasiado elevadas, talvez seja importante lerem o que acabo de escrever.
Estar em creche é permitir que sejam felizes, é permitir que possam brincar e, assim, consigam descobrir pequenas coisas que acontecem no dia-a-dia.
Estar em creche é mais do que ensinar as cores, a contar até cinco, ensinar a fazer comboios ordenados e de mãos dadas,... Estar em creche é permitir que brinquem, que explorem, que criem relações que os tornarão crianças capazes de aprender conceitos mais complexos no futuro... e assim, esperamos que as preocupações/exigências destes conteúdos, demonstradas por tantos pais, por tantos educadores, caiam por terra e valorizem, realmente, o que é importante, brincar e permitir que as crianças sejam crianças.
E se, mais uma vez a desconfiança surgir, deixem-me fazer o que faço, porque sei o que estou a fazer e com que propósito o estou a fazer. E se existem pais que a sentem, poderão haver, também, educadores que não entendem esta forma de estar, de ser, de agir, de ser educador.
Se realmente as minhas paredes estão cheias de nada, é porque a minha principal preocupação são os pequenos que andam no chão, e não as paredes que estão imóveis o ano inteiro. Porque a minha principal preocupação são as aprendizagens que em conjunto com eles construo.
Estou em creche, e as paredes estão vazias, e se acharem que isso é sinal de que não trabalho, desenganem-se. Perguntem-me, diretamente, qual é afinal o papel do educador em creche, porque terei todo o gosto em responder.
#umacaixacheiadenada
Rui
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Quando fui levar a minha filha ao recreio esta manhã e vi aquela princesa de cabelos loiros a chorar na minha direcção com uma fraldinha na mão que fazia 2 vezes o tamanho dela, fiquei de coração partido ao mesmo tempo que a encaminhava para os brinquedos.. O Rui chegou e num simples gesto agarrou-a, deu-lhe um abraço e falou-lhe baixinho.. O choro parou e ela retribuiu o abraço.. Fiquei maravilhada e sem palavras, virei as costas e saí de coração cheio por ter assistido a um momento tão doce!! Obrigada ❤️
ResponderEliminarObrigado Filipa, são pequenos momentos que se revelam como de afeto, de crescimento, companheirismo, de amizade. É estarmos atentos a cada um, à necessidade de cada um, tentando responder da melhor forma aquilo que necessitam!
EliminarObrigado pelas suas palavras!
Rui
Estas palavras iluminam a minha vida, pois dão me força para pensar que não sou eu que estou errada ao pensar assim também.
ResponderEliminarFico tão feliz de saber que o meu "mau feitio" é apenas porque trabalho com várias pessoas que não pensam assim e eu nao posso fazer nada. Apenas respeitar! Mas nas horas em que fico sozinha com os "meus" grandes pequenos, também valorizo isso sem dúvida nenhuma! Em primeiro lugar...ELES! O resto tem muito tempo para chegar! Parabéns por pensar e conseguir trabalhar dessa forma :)
Muito obrigado Sónia!
EliminarComo diz, respeitar! Se pudermos, ao longo do tempo, fazer com que vão refletindo nestas pequenas coisas, já será positivo!
Obrigado por acompanhar esta caixa,
Rui
Parabéns Educadora com E maiúsculo
ResponderEliminarMuito Obrigado!
EliminarMuito bom ... isso mesmo!
ResponderEliminarMuito obrigado!
EliminarFelizmente, os meus pipokinhas tiveram esse "nada" que é "tudo" . Felizmente foram acima de tudo felizes. Conheci nesta caminhada duas educadoras com "E" maiúsculo que ensinaram o voo aos meus filhos, mas que primeiro lhes contruiram as asas. Agora estão prontos para voar o seu próprio voo.
ResponderEliminarObrigado pela sua partilha!
EliminarDe facto, o desafio dos educadores não é entregar o pescado, mas mostrar como se pode pescar e, se quisermos ser mais ousados, permitir que arranjem métodos, estratégias e formas diferentes de pescar, modos adequados a cada um!
Obrigado, mais uma vez!
Rui
Muitos parabéns pela sua prática pedagógica. Mais uma vez é bom saber que não estou só e digo isto porque acho que ainda somos uma minoria a ter a coragem e o saber para explicar a pais, colegas, superiores o que se pretende da educação de infância, principalmente em creche, aquele lugar para o qual poucos querem ir porque acham que não se faz nada para além de mudar fraldas e dar comida. Como é maravilhoso trabalhar em creche quando se gosta e não se tem em mente os trabalhos do placard e os conteúdos académicos tentando transformar a creche numa espécie de pré-escola.
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário! O desafio é sensibilizar os pais para a importância real da educação de infância. Mostrarmo-nos confiantes nas práticas que desenvolvemos, dando-lhes sentido e caminho certo para a caminhada a que os mais pequenos se desafiam!
EliminarObrigado
Rui
Parabéns querido Rui.. por seres "TÃO FORA DA CAIXA".. gostava de poder tb ser educadora a teu lado ;) PARABÉNS 👌⭐
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário! Sou e faço, apenas, de acordo com o acredito! Mas nem sempre é fácil! São reflexões que tem o intuito de alertar para pequenas coisas que nem sempre estão visíveis, ou que nem sempre estamos predispostos a pensar nelas... !
Eliminar<3
ResponderEliminarOs afetos das crianças falam por si, não as paredes ;)
Uma grande verdade! Obrigado pelo seu comentário!
EliminarBoa noite, Rui :-)
ResponderEliminarDescobri agora o blog e estou a gostar MUITO :-)
Já fui Educadora... E fui Educadora na valência de Creche e digo-lhe que temos muito em comum :-) Trabalho de Creche é trabalho de chão, trabalho de consolidar o mundo maravilhoso, e essencial e a base de tudo: o mundo dos afectos. Trabalhar "a metro" não tem "sumo" e mil vezes paredes vazias mas paredes que abrigam corações cheios e plenos de Amor (que é o que partilhamos e fomentamos com os petizes).
Fez-me ter saudades de trabalhar com pessoas pequeninas e fez-me ter vontade de trabalhar consigo :-)
Muitos parabéns e muito sucesso na sua vida :-)
Olá Maria, agradeço o seu comentário! Enquanto educador de creche que fui, valorizei, muito, o chão as atividades simples e o envolvimento dos mais pequenos em tudo o que exploravamos e fazíamos. De facto, ao final do ano, as paredes mantiveram-se inalteráveis, os dossiers praticamente vazios, mas os miúdos foram para casa cheios de vivências impossíveis de registar. E isso sim, valorizo.
EliminarAgradeço as suas palavras, desejando-lhe tudo de bom!
Obrigado
Rui
Rui: Penso que valeria muito a pena pegar nessas suas experiências e fundamentá-las a sério. Há muito pouca gente a escrever sobre as suas práticas ultrapassando o modo 'intuitivo' de ver a educação. Digo isto porque me custa muito ver que a práticas diferenciadas não têm correspondido linguagens diferenciadas... Vou lançar-lhe um desafio: a dada altura do seu texto afirma: ''Perguntem-me, diretamente, qual é afinal o papel do educador em creche, porque terei todo o gosto em responder.' - Então, responda-me por favor. Depois, vamos agarrar no seu texto e vamos ver a sua consistência teórica, está bem? Aceita? Vamos lá!
ResponderEliminarContinue a trabalhar com esses pequenos / grandes nadas... as montras são nas lojas e não nas nossas salas, onde diariamente estamos com crianças a fervilhar de interesse e magia.
ResponderEliminarDe educadora para educador... PARABÉNS! Bem haja! Para mim, esse também é o caminho!
ResponderEliminarDe educadora para educador... PARABÉNS! Bem haja! Para mim, esse também é o caminho!
ResponderEliminarQue maravilha!!! Se eu sorri imagino o efeito que teve nessas crianças. São estes exemplos que nos fazem acreditar e agir para a mudança. Parabéns!!! Patrícia Silva
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