"A minha filha só tem nódoas negras nas pernas, estejam mais atentos!"

"A minha filha só tem nódoas negras nas pernas: estejam mais atentos!"

Quem nunca ouviu esta frase?

No fundo esta frase associa-se, diretamente, ao brincar, às atividades que as crianças desenvolvem e, muito importante, à vivência de uma infância que prevê o risco, o cair, mas do que isso, o levantar.

Obviamente que, enquanto profissionais de educação, o cuidado com as crianças, pelo seu bem-estar, pela sua segurança é algo que nos faz estar atentos e no qual centramos a nossa prática. Permitir que as crianças brinquem no exterior, no interior, pressupõe um conhecimento do espaço, de modo a que se previnam situações de acidente. Somos responsáveis por conhecer os espaços que se tornam espaços de brincadeira. Mesmo que, posteriormente, tenhamos a sensibilidade de envolver as crianças na consciência para os cuidados a ter.

Nestes momentos, fantásticos, de brincadeira quer no exterior, quer no interior, as crianças iniciam um processo mental, e expõe-no no modo como o praticam. É um processo que inicia, mas que se abre em mil caminhos possíveis de seguir e, só eles, sem a nossa intervenção, sabem onde vão chegar, ou pelos menos, sabem as escolhas que tomam. Nem sempre é certo onde chegam, mas a isso, chama-se brincar.

Neste processo, brincar, as crianças interagem umas com as outras, delineiam planos de brincadeira, através da oralidade, através da expressão corporal, através do sentir com todo o corpo, sem imposições (idealmente). Estão em relação consigo próprios, estão em relação com os colegas, com os adultos, ou seja, estão num processo de conhecimento extremamente complexo entre si, os outros e o mundo que os rodeia. Poderemos e deveremos, ainda, dizer estão em constante aprendizagem.

Não é uma brincadeira qualquer, é uma brincadeira séria: estão em construção de personalidade, em processo de aprendizagem. E por este processo global entenda-se, a matemática, a linguagem, o meio físico, as artes e capacidade de expressão artística, a educação física, o movimento,… E por estas razões, não será a altura de o valorizar?

Nesta brincadeira que desenvolvem correm, caem, lutam, saltam, trepam, atiram, agem conforme a sua vontade, motivação, relação, entendimento, mas, sobretudo, conforme as suas necessidades e interesses.

Mas voltemos à questão, as nódoas negras nas pernas, braços….. não é por falta de atenção, não é por falta de cuidado, não é por falta de segurança, é, apenas, pela necessidade que existe delas experimentarem tudo o que há lá fora (e cá dentro), mas deixem-me que vos diga, o magoar também faz parte do crescimento.

Claramente, entenderão que não se apela a que se magoem, apela-se ao cuidado consigo próprias, com os outros, mas não as podemos colocar numa redoma de vidro impedidos de chorar, de sentir, de apoiar, de se frustrarem, acima de tudo, não os podemos impedir de viver.

A proteção excessiva face às crianças torna-os seres que vivem em si próprios, sem a capacidade de olhar para o outro, sem a capacidade de entender o sentimento de frustração, de tristeza, e até da vontade de superação, mesmo quando caem a tentar correr mais rápido, ou a saltar mais alto. São momentos fundamentais a serem vividos pelas crianças, no tempo certo. Recordando o que fora dito anteriormente, estão em processo de construção, a colecionar vivências que as leva a ser quem são e naquilo que se tornarão!

As quedas, os negrões, os arranhões fazem parte de uma infância que vive e prevê o risco, a brincadeira em que se magoam, mas que se levantam. Nestes momentos ficamos a conhecê-los na sua forma de agir perante situações desagradáveis e podemos ajudá-las a construir-se, ajudá-las a conhecerem-se melhor.

Não as coloquem em redomas de vidro, quando na nossa sociedade precisamos de crianças e futuros adultos ativos e audazes. Isto vive-se, treina-se e permite-se que surja desde cedo, desde a infância. Como diz a velha máxima, são aprendizagens para a vida. Mas aqui, dizemos mais, são aprendizagens que os constroem e os fazem construir a sua personalidade.

“Estejam com mais atentos”

Nós estamos. Mas pensemos, noutra questão.

Para falar de quedas e negrões, temos de estar conscientes do que os pode provocar: tropeços enquanto correm, quedas inexplicáveis, e…. os sapatos?

Tenhamos consciência de que as quedas, os hematomas que, consequentemente, surgem, não são sinónimo de falta de cuidado na vigilância das crianças. Pensemos que, em muitas situações, as crianças surgem com ténis/botas que não são o melhor calçado para uma ida ao jardim de infância, creche,.... Calçado prático e adequado, para o tamanho certo da criança.

Os tropeços podem surgir, e surgem, pelo simples facto das botas que usam serem pesadas, dos sapatos serem demasiado grandes…

Pensemos, apenas, antes de dizer “Estejam mais atentos” se, quer a roupa, quer o calçado que utilizam é o mais adequado para as crianças fazerem o que mais gostam, brincar.

Atenção que não se pretende com isto desresponsabilizar os profissionais de educação, nem encontrar neles a culpa de tudo o que acontece nos jardins de infância, creches, amas, ATL’s… pretende-se acima de tudo:

- Valorizar o brincar e tudo o que este promove na vida das crianças;

- Sensibilizar pais e profissionais da educação no processo de construção da identidade desde a infância

- Tornar consciente que os fatores que influenciam as crianças, nestas situações são, também, fatores materiais (botas, ténis e vestuário adequado, brinquedos, estruturas dos espaços,...)

- Consciencializar para o modo como comunicamos o que sentimos

Além destes reparos, o mais importante é pensarmos que as crianças são seres em construção, ativos, desafiantes, impulsionadores e seres com vontade. Por isso, tenhamos a consciência do que exigimos e do quanto os condicionamos nas suas vidas de brincar.

Se estão só a brincar, que estejam. Mas saibamos respeitar e criar condições para que o façam de modo empenhado e motivado. Deixemo-las ser crianças.

E sim, a nós, profissionais da educação também dói quando os vemos a chorar, e fazemos o melhor para que esse choro termine.  

Vivamos, simplesmente, o respeito e a compreensão entre todos. A nossa prioridade é, exatamente, a mesma que a vossa: o bem-estar das crianças.


Rui Inácio

#umacaixacheiadenada





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