Calças rotas, joelhos esfolados, mas de sorriso no rosto!

A rua tem sido uma aventura, mesmo quando nem todos entendem o seu verdadeiro significado para as crianças.

Quando a rua se torna um espaço de aventura e os adultos o permitem, de facto,  as idas à rua tornam-se únicas, especiais, diferentes a cada dia que passa, mesmo que o espaço seja o mesmo, a imaginação e a criatividade de cada um, de cada criança, torna esse mesmo espaço exterior único, um palco de vivências

Por entre espadas e tubarões, princesas e dragões, fogueiras e fogões, não há limites para a criatividade, para a aventura. Não há limites para o brincar. É um momento único, em que apenas sabemos onde inicia, para onde vai, que caminho seguem, que cenários de brincadeira constroem, que mapas mentais elaboram só eles o sabem… nós, observamos, potencializamos e, mais do que tudo, valorizamos este tempo.

Nestes tempos de correria, de cumprimento de horários, haverá melhor do que permitir que brinquem ao sabor do seu tempo? 
Haverá melhor tempo na planificação do que as idas para o exterior, em que se permite a exploração com todo o corpo, dos sentidos, numa perspetiva global e que valoriza o ser criança, o ser em construção, capaz de construir uma brincadeira além portas e paredes da sala da escola?

Habituados a cumprir horários definidos pelos adultos, habituados a realizar e concretizar atividades pelos adultos, brincam em momentos estipulados, rigorosamente guiados por um calendário ou por um relógio que lhes dá apenas uns minutos de treino daquilo que melhor sabem fazer, brincar. Lá fora o tempo corre, cá dentro, o tempo corre, e o mais importante fica tantas vezes como segunda prioridade.

Brincar lá fora, brincar com o corpo e com todo o corpo, permitir que se aventurem e que corram riscos, este é o propósito, permitir que vivam uma infância de sorriso no rosto.

Marcas que ficam para a eternidade em forma de memória, nos diálogos que construíram nos momentos de brincadeira, as parcerias que criaram nos momentos em que se propuseram a subir às árvores sob o olhar atento e assustado do adulto, mas pelo menos, permitiu que se sujeitassem a esse risco.

Viver a infância de um modo pleno, é permitir que arrisquem, que brinquem com os paus, tornando-os em espadas, canas de pesca, cavalos ou o que a imaginação permitir. As relações que criam entre o pensamento e a ação tornam-se evidentes nos procedimentos que iniciam, nas ações que levam a cabo neste tempo de criação, de viver e de experimentação.

Se subir às árvores assusta quem os vigia, também os consola por os fazer entender que se desafiam, que ousam a conhecer o seu próprio corpo e os seus limites. Estas experiências que vivem trazem-lhes aprendizagens fundamentais para a vida, como a resiliência, lidar com a frustração, aprender a não desistir, atingir metas que nunca foram atingidas por si próprios e, esse sentimento de superação, enche-lhes a alma, enche-lhes o ego, fá-los esquecer a expressão que tantas vezes usam: não consigo, não sou capaz. 

As calças romperam-se nestas tentativas, sujaram-se. Os joelhos são testemunhas das quedas e dos esforços para ultrapassar as suas próprias marcas, de se desafiarem no corpo que conhecem e que precisam, urgente, de ganhar força e ousadia, num tempo que lhes proibiu o movimento livre, tão necessário para a criação de memórias, tão necessário para a flexibilidade e agilidade corporal,

A terra encheu panelas, formas, buracos e foi mexida como se de uma sopa se tratasse, transformando-se numa poção mágica, num saboroso manjar. É a imaginação, a criatividade, a capacidade de representar o que observam, o que as rodeia, o que imaginam. Este brincar torna-se um espelho desafiante no modo como observam, como entendem e como apreendem o que está à sua volta.

Os diálogos tornam-se, ainda, mais evidentes, as expressões, as relações fortalecem-se, desafiam-se uns aos outros e tornam-se verdadeiros companheiros nos desafios e nas aventuras que acabam por trilhar juntos. 

As disciplinas ou a áreas vivem completamente entrelaçadas e levam-nos a nós, adultos, a estar mais atentos do que nunca, sensíveis para os apoios necessários, e com isto quer dizer apoiar, e não desviar os interesses. Afinal, nestes momentos, somos os que potenciam e não os que bloqueiam, somos os que apoiam as iniciativas e tornam os diferentes cenários em momentos desafiantes e repletos de potencialidades de aprendizagens e de desenvolvimento.

As roupas são testemunhas de felicidade, os joelhos são testemunhos das brincadeiras arriscadas que deixam marcas, mas os sorrisos, são o reflexo da felicidade de ser criança. São o reflexo de poderem brincar, de o viver diariamente e de o tornarem como uma forma de expressão valorizada por quem os acompanha.

Por isso, se o brincar é uma fonte de inspiração para as crianças, que seja um momento valorizado pelos adultos, um momento que permite as crianças serem o que realmente são, seres naturais, inspirados, desafiados e arriscados, pois só assim conseguiremos criar as memórias que fundamentam um futuro ousado, que valoriza a proatividade, o dinamismo, a superação, a capacidade de escolha e definição de planos complexos. Ser crianças em movimento e com movimento, seres que constroem memórias e permitem que as mesmas perdurem nas ações diárias enquanto adultos. Só assim olharão para o que foram e valorizarão o que são.

Não esqueçam as crianças que foram.
Não esqueçam nos adultos que se tornaram.


#umacaixacheiadenada 


Rui Inácio 


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Comentários

  1. Fui remetida para a minha infância e para momentos que proporcione à minha filha.
    Na escola não há hipótese pois é toda em cimento e os meninos não se podem sujar.

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