O plano para hoje? Ninguém fica para trás.

Hoje sou eu e o computador.

Sinto-me um pouco ansioso por toda esta situação.

A hora da dita reunião está-se a aproximar, a educação feita nestes moldes nunca foi o meu forte, nunca foi a minha forma de olhar para a Educação de Infância. Mas é, ainda assim, a educação que me pedem para fazer hoje.

Aceitei o desafio.

Não estava habituado a estas plataformas, mas tive, de um momento para o outro, de as tornar uma ferramenta fundamental para minimizar a distância que sinto para com as crianças. Estas pontes são necessárias para lhes chegarmos, estes meios que dizem ser as novas tecnologias, deixam de ser novas e tornam-se usuais, porque não há nada como não tentar, como não experimentar. Pediram-me mudança, estou empenhado em mudar, mas mais do que mudar, em me adaptar.

Mas este receio parece que me prende a algo que não sei o que é, talvez o medo, o medo de falhar, o medo de não conseguir chegar a todos aqueles que estão à minha responsabilidade, ainda assim, darei o meu melhor.

Os pedidos para entrar nesta reunião começam e parecem não parar.

O silêncio que sentia, em que quase ouvia o meu próprio bater de coração, começou a dar lugar a olás, a chamadas de atenção, a risos, e a sala vazia encheu-se de janelas de felicidade, de gargalhadas e, para alguns, de alguma vergonha.

Há tanto a dizer.

Esta vontade em entrar pelas portas que se abriram, de poder estar e de abraçar, chamam saudade.

Todos querem falar, todos querem contar o que fizeram, todos querem estar juntos, assim como eu. Haverá melhor na Educação do que estar presente na escola e junto daqueles que se aventuram diariamente connosco?

Mas os tempos continuam a exigir que tudo mude, ou pelo menos, se adeque.

O computador, o telemóvel ou o tablet, são as formas de comunicar e que hoje usamos. Mesmo com algumas dificuldades todos fazem o esforço para se manterem presentes.

O plano para hoje? Ninguém fica para trás.

O plano para hoje? Estarmos presentes, saber de nós, vermo-nos.

Mas entre nós temos o computador, os abraços não se dão, as brincadeiras a par e as construções em parelha não acontecem do modo que conhecemos (reinventam-se), mas fortalece-se o sentimento que que tão importante é nestas idades, e nas outras, e que sempre sentimos: o sentido de grupo, sentir que pertencemos e que somos parte integrante de um todo que sonha, que se constrói, que vive, que se respeita e que respira brincar.

O sorriso sem máscara impressionou-os, porque agora conseguem-me olhar de forma integral, conseguem ler cada sorriso, conseguem ler toda a minha expressão. Agora, não preciso de lhes dizer, Eu estou-me a rir! Basta que olhem, que sintam a felicidade que tenho espelhada no rosto, no sorriso por estar a partilhar este momento. Chamam-lhe sentimento, saudade.

O poder que causamos nos outros e incrível. O poder que causamos nas crianças em proporcionar momentos destes é indescritível. Quantas ligações se criam e se criaram ao longo do ano, e melhor do que espelhar esse adquirido nas relações pessoais, nas relações entre pares de uma grelha de avaliação, é permitir que mesmo à distância esses laços se mantêm e estão ali, em estado puro e cru, aos olhos dos educadores e dos pais.

Afinal o que mais importa, o bem-estar dos pequenos, ou a exagerada escolarização precoce?

E, de facto, estes momentos tornam-se ricos na sua simplicidade, tornam-se vantajosos quando se criam tempos quer em grande, quer em pequenos grupo, basta para isso darmos mais tempo do que aquele que dizem ser o obrigatório. Estamos habituados a fazer uma leitura, do que nos chega, da forma como nos convém, ora olhamos como  "lei" e seguimos à risca, ora de um modo desprezado,  independentemente do contexto onde estamos, independentemente das portas que se abriram.

A confusão continua, os sorrisos ganham uma vida incrível e ocupam todo o ecrã, transportam-se através do som e do sentir de cada um e, mesmo à distância, conseguem chegar a cada casa, conseguem enchê-las de confusão, de alegria e de acalmar a saudade. Os afetos, os sentimentos, continuam a fazer parte desta chamada educação à distância, não fossem eles a essência da Educação. É realmente uma prioridade, reconhecer o bem-estar de todos.

Estes espaços vividos à janela, abrem-nos inúmeras portas, as portas de casa de cada um, as portas de cada contexto familiar. Abrem-se e todos entramos, ficamos a conhecer onde vivem, onde estão e, mais importante, como estão. Mas certo é que nem todos as abrem.

Nestes espaços nem sempre todos cabem, nem sempre todos abrem a porta. Mas os meios que criamos para lhes chegar são fundamentais. Tivemos tempo, de setembro a janeiro, para conhecer as crianças, as suas famílias, posto isto, as suas necessidades e expectativas. Ainda que a nossa felicidade seja espelhada no sorriso, não deixa de esconder que nem todos conseguem aceder a este momento, nem todos conseguem construir um mundo de portas abertas aos outros. Não estão esquecidos e embarcam, a todos o custo, nesta viagem, embora de um modo diferente. Mas ninguém fica para trás, essa é a nossa função: permitir e fazer com que todos embarquem.

E esta premissa não significa carregar ninguém com desafios, significa que, mesmo à distância, continuamos a senti-los no grupo, ainda que com dificuldades. E tantas formas há de os tornar presentes, de estarmos presentes, de os termos no mesmo barco. Esta nossa procura de saber como estão, de reconhecer neles a dificuldade em aceder a este mundo de janelas, leva a que nos reinventemos e sejamos mais do que uns telespetadores da janela cheia de portas.

Sermos compreensivos, sermos respeitadores, sermos rede neste apoio incondicional que não pode falhar. Porque ainda que à distância, as famílias contam connosco, anseiam pela nossa presença, pela nossa sensibilidade. Ninguém fica para trás.

Contaram as novidades, riram-se, rimo-nos, e sentimos cada riso como se fosse um abraço apertado para acalmar esta ausência que sentimos. Quem não esteve presente, fizemo-lo presente. Quem não pôde estar presente, revelamos a disponibilidade e vontade para que esteja e possa estar na próxima. Quem não sentia o que sentimos, fizemos com que se sentissem ligados. Quem não falou, fizemo-los ler o brilho nos olhos de cada um, fizemo-los ouvir as palavras, temos saudades.

Numa janela com tantas portas abertas e outras que não se chegaram a abrir, tanto há a dizer, mas mais do que dizer, tanto há a sentir. Os sorrisos não pararam, a vontade de ir embora nunca chegou. Estivemos presentes, fomos presentes, e os que não foram, fizemo-los presentes.

Afinal, ainda que à distância, todos pertencemos a este grupo, todos estamos ligamos e somos uma rede, em que cada fio, cada nó, é necessário para suportar o peso que nos colocam, para aguentar os desafios que nos lançam.

Ainda que à distância, sentimos os abraços apertados e prometemos não deixar ninguém para trás, porque todos somos parte desta rede, mesmo aqueles que não puderam abrir a porta, essas portas abrem-se mais tarde, porque eu estarei a bater à porta, de forma incessante até que me respondam, mesmo que baixinho, estamos aqui e estamos bem, somos e fazemos parte dessa rede.

Do lado de fora da porta apenas digo, ninguém fica para trás.

Despedimo-nos, a reunião terminou.
Prometemos voltar e seremos mais.
Ninguém fica para trás.
Aceitei o desafio.

#umacaixacheiadenada


Rui Inácio

Comentários

  1. Obrigada, Rui Inácio, pelo sentimento expresso neste texto. Revi-me em cada frase. Sabemos que a presença física em nada substitui a virtual. Mas no contexto, é a melhor forma de nos mantermos ligados e em relação. E nunca, nunca mesmo, deixamos alguém para trás.

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    1. É essa a nossa missão, evitar que alguém fique pelo caminho. Custa, mas vale a pena. Obrigado pelo seu comentário!

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  2. Muito obrigada, estava mesmo a precisar de ler estas palavras, algumas em particular.
    Identifico-me integralmente em cada frase que li, e gostei particularmente de; "...continuamos a senti-los no grupo…" e de "...fizemo-los ler no brilho dos olhos de cada um...".
    É só isto; "ninguém fica para trás"

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    1. Os olhos são a nova forma de sorrir, mais do que nunca, são o espelho da alma! :) obrigado pelo seu comentário!

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