A Educação pré-escolar já terminou, agora vem a escola a sério!
Depois de estarmos tanto tempo em
casa, já tinha saudades dos meus amigos e dos adultos da minha sala! Quando
regressei, estava tão contente, porque finalmente iria poder brincar novamente com
todos eles, podia fazer trabalhos, podia brincar na sala e na rua.
E sabes, quando fui para a escola,
primeiro, achei um bocadinho estranho, porque todos os adultos estavam com
máscaras e escondiam aquilo que eu mais gostava de ver, o sorriso, que era o
que me fazia voltar todos os dias. Mas olhava para os olhos e percebi como
estavam felizes por nos verem. No início quase nem me tocavam porque todos tínhamos
medo, diziam na televisão que tínhamos de estar afastados, e os meus pais
avisaram-me em casa, tens de brincar sozinho, e não podes tocar em ninguém.
Eu bem tentei, mas como é que
isso seria possível?
Brincámos tanto! Enquanto brincávamos,
divertimo-nos tanto, fizemos construções, corridas, subimos às árvores. Aproveitámos
a rua mais do que nos outros dias. Soube tão bem! O sol estava quente, mas soubemos
aproveitar todos os momentos.
Às vezes, chamavam-nos para ir
para a sala, sentávamo-nos a fazer um trabalho, depois outro, que eu nem
cheguei a perceber para que eram. Pintei desenhos do verão, dos Santos
Populares, fiz umas nuvens, umas ondas, que faziam a abelha voar até uma flor e
eu tinha de estar mesmo concentrado, para não sair daqueles riscos. Cansava-me
tão depressa.
Como diziam, durante todo o
tempo, este ano és finalista. Dizem que vou para outra escola, para uma
escola dos mais crescidos. Sempre que me sentava, diziam que era para eu treinar
a estar sentado, como se eu não soubesse estar sentado. Quando estou na rua a
brincar, sento-me tantas vezes no chão a brincar com a areia e aí nunca me
dizem que estou a treinar!
Ainda fizemos uns chapéus para
colocar na cabeça, mas este ano nem podemos fazer a festa dos finalistas! Para
fazer o chapéu, bastou estar ao lado dos adultos que eles foram-me ajudando a contrui-lo,
pelo menos colei a fita que estava em cima da mesa. Ainda enfeitámos uma capa
que já estava recortada e que tinha tudo marcado, para não nos podermos
enganar. Nessa capa tinha uma foto minha, tinha também uma fotografia dos meus
amigos e tinha umas coisas escritas, mas já não me lembro o que diziam. O que
mais gostei, foi mesmo da fotografia, assim vou-me lembrar dos meus amigos e de
tudo o fazíamos quando brincávamos na rua, das aventuras que tínhamos lá fora,
de corrermos de um lado para o outro sem nos cansarmos. Se eu pudesse nem
crescia, é tão bom ser criança,
principalmente, quando nos deixam estar lá fora.
Mas passávamos algum tempo na
sala, sentados a fazer recortes pela linha, a pintar, sem sair do risco, e acho
que me safei muito bem, mas às vezes parava a olhar para a janela. Da janela da
minha sala via todo o parque, cheio de árvores, com relva e via tantas vezes o
baloiço na árvore para lá e para cá, como se me estivesse a embalar num dia de
muita brincadeira. A árvore que gostava de abraçar, estava sozinha, porque nós estávamos
todos dentro da sala.
Fecharam as cortinas, porque
tenho de me concentrar no que estou a fazer.
A rua pode esperar, é o
que ouço, mas eu não consigo manter-me mais tempo aqui sentado. O rabo já me
doi, e além disso, as minhas mãos parece que estão mais pesadas e não fazem
aquilo que eu lhes estou a mandar. Mas eu tenho que me concentrar, porque dizem
que me estou a preparar para o 1º ciclo, e eu tenho de me sair bem.
Mas sempre que me lembro daquilo
que faço lá fora, fico a sentir o meu sangue a andar mais depressa, e fico
ansioso pela hora do intervalo, é quando mais gosto de estar na escola!
Os adultos dizem-nos, vamos
dar uma corrida lá fora para apanhar ar. Até parece que não sabem como nos
cansamos quando andamos a brincar!
Como precisava disto, estava
mesmo ansioso por deixar as minhas pernas correr, por saltar do muro para o
chão, por correr em cima da relva, por subir às árvores, por brincar à
apanhada, por brincar sem parar com os meus amigos. Até me deitei no chão enquanto
nos ríamos das palermices que estávamos a fazer.
Quando estamos a brincar, as
nossas roupas ficam tão sujas, que acho que os adultos ficam um pouco
chateados, mas por aquilo que me dizem, a minha mãe não fica, por isso não me
vou importar. Eles dizem sempre, a tua
mãe, quando vir essas calças, vai ficar contente, vai.
Mas eu continuo a fazer aquilo
que mais gosto, brincar. Gosto de agarrar nos paus e desenhar no chão. Gosto de
imaginar que os paus com que brinco, se tornam espadas, carros, e até já
tentámos fazer uma cabana, mas eles caiam. Às vezes subimos a uma árvore pequena
que temos no nosso parque, e mesmo estando perto do chão, às vezes sinto-me um
valente, porque parece que estou a andar em cima de um ramo muito alto, parece muito
arriscado! Mas mesmo assim, eu tento subir e andar em cima do ramo. Faz-me
sentir forte e sei que eu consigo equilibrar-me!
Um dia, andava a correr tão
rápido, nunca corri tão depressa, diziam que era dos meus ténis novos, e aqui
entre nós, eu acho que também me ajudaram um bocadinho, mas no fundo eu sei que
sou muito rápido. Corri tanto, tanto, tanto, que sem reparar tropecei e cai no
chão. Os meus joelhos doeram-me um pouco, num deles saiu um bocadinho de
sangue, mas os adultos correram para mim e limparam logo a ferida. Nem chorei!
Eles disseram-me logo, não corras tão depressa que te magoas. Já te tinha
avisado! Eu respondi, quero saber se consigo ser mais rápido! E a ferida
já passa! Eu nunca lhes disse, mas fiz-me forte, não lhes disse como me
doía o joelho.
Trago tudo guardado na minha
cabeça.
Mas é verdade, dizem que a escola
chegou ao fim, e aprendi tanto, mas tanto aqui. Aprendi a correr, a saltar, a
subir, a trepar, a brincar, a ajudar os meus amigos, adorei brincar na rua,
sempre que me deixaram! Aprendi a contar as pedras que me cabiam nos bolsos,
aprendi algumas brincadeiras que nem conhecia, e foram os meus amigos que mas ensinaram
enquanto brincávamos. Vi as folhas a crescer e um dia até as vi a cair, porque
chegou o outono.
Este ano não fizemos nenhuma festa
de finalistas, mas nem me importei. Quando eu tinha 4 anos, cantamos uma
canção, ensaiamos tantas vezes que já não me apetecia cantá-la, e muito menos fazer
os gestos que me diziam para repetir. Eu nunca gostei de cantar. No dia em que
foi a festa, estava tanta gente a olhar para mim e para os meus amigos, que me
senti tão envergonhado, e preferi ficar apenas a olhar, porque tive medo de me
enganar na música e nos gestos. Mesmo assim, quem estava a ver, ria-se de nós,
porque estavam contentes com o que estavam a ver, e nós só estávamos a cantar
aquela música que cantamos tantas vezes, durante tanto tempo.
Mas a escola acabou.
No último dia tirei uma
fotografia com o chapéu que me ajudaram a fazer e com o diploma, que diz que já
sou grande e que já posso ir para a outra escola. Fiquei feliz, mas fiquei com
pena dos que não vão comigo, porque são meus amigos e queria que eles
brincassem comigo na outra escola.
Quando os meus pais chegaram, os
adultos entregaram-lhes uma capa cheia de trabalhos, tinha aqueles trabalhos
que fiz na sala, que os adultos penduravam no corredor, eram muito parecidos
uns com os outros, mas cada um fez o seu! Às vezes ajudavam-me e até me diziam
que cor devia usar, assim, era bem mais fácil! A pasta estava tão pesada, e no dossier
já não aguentava mais uma folha! Mas ali não estava aquilo que eu aprendi a
fazer na rua enquanto brincava. Enquanto eles falavam, fui a cada cantinho
dizer adeus, porque já não deveria voltar ali. Fiquei a olhar para cada brinquedo,
assim, poderia lembrar-me de todos eles.
Quando cheguei junto dos meus
pais, o meu pai disse-me, Agora que o pré-escolar terminou, é que vais ver o
que é a escola a sério!
Eu não entendi muito bem o que
ele quis dizer, mas respondi-lhe:
Pai, esta escola é a sério.
Aprendi tanta coisa!
E nem o deixei falar. Expliquei-lhe
tudo aquilo que aprendi, ou pelo menos tentei.
Sabes pai, aprendi que devemos
respeitar os outros, que todos somos importantes. Que todos podemos imaginar.
Quando estava a brincar na rua, aproveitava cada brincadeira para aprender,
porque quando brincamos estamos a aprender muito! Fiz construções e até contei
os paus que utilizava. Imaginava na minha cabeça e depois, conseguia fazer
quase igual. Nem sempre saía como eu queria, mas eu arranjava sempre uma
solução.
Às vezes, ficava um pouco cansado
de estar na sala a fazer aqueles trabalhos, mas também aprendi, porque agarrava
no lápis como agarrava nos pauzinhos quando estava a brincar e escrevia no chão.
Um dia escrevi o nome de 5 amigos meus e quantos anos tinham, tudo isso na
areia da rua. Mas sabes, o que mais gostava, era quando me deixavam subir à
árvore, tinha de estar tão concentrado para não cair, porque eu queria estar
mais alto do que os outros, queria perder o medo que tinha e só tinha de acreditar
que era capaz. E tudo o que aprendi nesta escola, nunca vou esquecer,
porque tudo o que fiz ajudou-me a crescer, e dizem que já estou preparado para
passar… Por isso, eu acho que tive 100 a tudo!
O meu pai não me prestou muita
atenção, mas não deixei de lhe dizer algumas coisas.
Olhei para os adultos e pensei,
eu sei que todos os adultos que estiveram comigo também me ajudaram e foram
muito importantes em tudo aquilo que fiz, embora nem sempre achasse que sabiam
o que gostava de fazer, mas mesmo assim, levo-os comigo, guardados, e vou
tentar lembrar-me sempre deles! Dei-lhes um enorme abraço, e disse obrigado, e a minha voz parecia que não queria sair, porque também teria saudades deles.
Sem que percebessem saí a correr
da sala e fiquei parado na rua a olhar para as árvores, para a relva e para a
areia, onde aprendi tanto. Falei bem baixinho, para que ninguém me ouvisse,
Obrigado rua, por me teres
ensinado tanta coisa e por me teres deixado brincar com as árvores, com os
ramos e com as folhas. E sabes, nunca me vou esquecer de ti, levo a marca no
meu joelho, que me vai lembrar sempre que brinquei aqui na rua e que foi
contigo que aprendi a ser corajoso! Se dizem que estou preparado para passar,
então tenho de ir, mas vou porque eu sei que sou capaz, porque quando brinquei
contigo, também me ensinaste isso!
#umacaixacheiadenada
Rui Inácio
Bom dia.
ResponderEliminarQuero agradecer as palavras que aqui foram escritas. Emocionaram-me e até me caíram algumas lágrimas. O encerrar de ciclos nem sempre é vivido de forma leve e este ano tão atípico deixa-me num turbilhão de emoções. A escola terminou... e ficou tanto por dizer, tanto por fazer... Restam-me os olhares, sempre luminosos e os sorrisos das minhas crianças que me faziam esquecer, de vez em quando, que o mundo tinha mudado e os afetos agora deveriam ser vividos de forma diferente; retraídos e "escondidos", mas que o amor que sentia por elas continuava o mesmo e melhor, era recíproco.
GRATIDÃO!
Educadora Alexandrina Vasconcelos (JI Caliços - Albufeira)
Agradeço as suas palavras, de facto, apenas tento refletir e fazer refletir nas prioridades que damos diariamente. Mudamos, ou pelos ficamos mais despertos e sensíveis para o que é necessário! :) Obrigado pelo seu comentário!
EliminarBem haja!
EliminarMagnifico texto que emociona.Muitos adultos devem ler para compreenderem a importancia do BRINCAR.
ResponderEliminarFantástico!!! 👏👏👏
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