Serei eu o saco de boxe da sua filha?

Lidar com estas problemáticas leva ao cansaço, à exaustão.
Mas, a nossa profissão leva-nos à procura
de novas estratégias para atenuar estes comportamentos em sala, ou simplesmente,
para os ajudar a viver com esses sentimentos e torná-los em formas de expressão
aceitáveis.
Fala-se e torna-se frequente, a utilização da expressão, educar
para os sentimentos, para as emoções. Num mundo ideal, perfeito e utópico,
dever-se-ia tornar a educação num processo equilibrado de emoções e
sentimentos, alicerçados no respeito mútuo e no autocontrolo de personalidades.
A sociedade valoriza, de forma por vezes excessiva, tudo o
que acontece em prol das crianças/adolescentes. Toda a gente julga quando um
pai bate no filho, quando a mãe ralha com a filha no hipermercado, mas… e
quando as crianças gritam sem medida para obter algo que viram ou desejam? Ou
quando as crianças batem, nos pais e nos professores?
Quantas birras surgem, quantas faltas de paciência, quantas frustrações
os levam a não lidar com tudo isso de forma branda? A solução, para a sua maioria,
concretiza-se em agressividade quer verbal, quer física, para com os seus
colegas, para com os seus professores… e em alguns casos, para com os seus
pais.
Não ocorrem mais vezes com os pais, porque muitas vezes, o
silêncio leva-os a ignorar os comportamentos que os mais pequenos têm. Ou,
quantas vezes, se acha graça a um comportamento de má educação plena, de
agressividade, de expressões verbais ofensivas, e em idades precoces, o riso é
a atitude tida por parte dos progenitores… pois bem, estão a aceitar estes
comportamentos, a torná-los normais e recorrentes. Agirão desta forma, agirão
com este comportamento levando a que achem que é um comportamento natural.
Criam-se crianças tiranas, incapazes de lidar com as emoções,
crianças que ignoram os sentimentos dos outros, ou que não reconhecem a forma
de lidar com toda essa raiva acumulada. Crianças
que não sabem ouvir o não, ou simplesmente, não foram treinadas para respeitar
quem está com eles diariamente. Ao invés de aceitarem o que lhes é dito,
responderão com risos, olhares de indiferença, com desprezo.. serão os adultos
de amanhã, serão os pais que educarão.
De um modo muito persistente e fácil, vangloriam-se das
conquistas alcançadas: “em casa não faz nada disso”, tornando a culpa na
escola, nas outras crianças, ou até mesmo nos professores. Diz a velha máxima,
a educação começa em casa.
Olhemos para os comportamentos, não de um modo individual,
isolado, como ocorre em casa. Desafiemo-nos a olhá-los multiplicando-os por 25,
ou pelo número máximo permitido nas diferentes turmas dos diferentes ciclos. De
facto, torna-se mais fácil dizer, “esse comportamento acontece, porque não
existem auxiliares suficientes que controlem os miúdos no recreio”, “eles
batem-se porque os professores estão nas salas, ou virou as costas para dar
atenção apenas a um aluno”, “eles batem-se porque o X ou o Y lhe bateram,
porque eu conheço o meu filho e sei que jamais ele bateria em alguém!” Infelizmente,
não é bem assim.
De facto, o recreio acaba por ser bastante oportuno a este
tipo de comportamentos, mas também há os que não se envolvem em pancada, e que,
ao invés de se tornarem agressivos perante alguma contrariedade, falam,
conversam, são crianças equilibradas, que não agem por impulsos agressivos, mas
sim, por responsabilidade, por consciência, por respeito aos outros. É nisso
que se acredita, é nisso que a educação se empenha… deveria ser nisso que as
famílias se deveriam empenhar.
Quantas vezes as famílias discutem com os professores, com
os auxiliares, com os vizinhos, com quem quer que seja em frente aos filhos?
Quantas vezes os comportamentos que se veem nas crianças são apenas, e somente,
o reflexo do comportamento do que eles acabaram de observar, das zangas e das
discussões dos pais? O exemplo…
O ambiente de sala de aula torna-se um meio fulcral para
atenuar esses comportamentos. Quantas conversas temos diariamente, para que, a
todo o custo se tente mostrar a razão e não a emoção desenfreada sem noção das
consequências? Quantos intervalos e quantas horas letivas se perdem para
resolver conflitos de turma, em que, toda a turma tem de ouvir e de ser
envolvida. Reconheçamos na escola um meio potencial de resolução de conflitos,
de ajuda de crescimento social, de respeito, de aprendizagens que valorizem
comportamentos. Não olhem para a escola como um espaço de resolução de conflitos
que surgiram em casa, ou fora da escola. Na escola explodem, mas não é na
escola que os começam… mas é na escola que depositam essa responsabilidade.
Não se desresponsabilizem das funções parentais, dos
exemplos. Sejam responsáveis pelo comportamentos dos filhos, e em casa, tentem
mostrar-lhes os melhores exemplos. Não vivam a discussão, nem a constante
insatisfação, a constante reclamação perante o ambiente escolar.
Quando vão para a escola, chegam de manhã, mais agitados,
sem paciência, sem vontade de socializar, e de estudar, não permitem que haja aproximação ou toque… enraivecidos, reativos, tornam-se
violentos em palavras e ações, não medindo a força das palavras, das atitudes, e muito menos, a força da emoção
que tem dentro deles; libertam essa acumulação sem medir os resultados menos
bons… mas, como se dizia, é na escola que tem de ser resolvido, porque os
professores são pagos para os aturar, para os ensinar, mas erradamente se diz,
para os educar. Mas é certo, também fazemos parte do processo, e nós,
professores , estamos empenhados! E vocês, estão?
A educação pressupõe uma parceria, entre família e escola,
pressupõe uma aceitação de responsabilidades e de papeis, que devem valorizar
as crianças, o respeito e o sentido de comunidade, de aceitação dos outros,
deve mostrar-lhes que o controlo pessoal é fundamental na relação com o outro.
Mais uma vez se refere, é um comportamento explosivo, de uma
educação que surge de casa, pela capacidade de serem pais, pela capacidade de
mostrarem as regras, de mostrarem a importância do não, mas mais do que isso, é
viver a educação de valores, de emoções e mostrar-lhes como devem lidar com
tudo isso. Mas para mostrar todo esse comportamento, deve existir o exemplo dos
progenitores, dos responsáveis pela educação das crianças.
Quantos professores acabam por sofrer lesões, físicas e psicológicas, por agressões físicas e verbais dos seus próprios alunos? Quantas
vezes ao conversar com os alunos, se inventam mentiras e se julgam os
professores de forma tão fácil, levando a que as escolas sejam invadidas e os
mesmos sejam agredidos sem medida? Vê-se apenas um lado, o lado dos filhos, sem
demonstrar, sequer, interesse em conhecer o outro lado, o lado do diálogo. Se
existem pais que agem desta forma, como queremos que os filhos ajam de um modo tranquilo
e ponderado perante situações de maior tensão?
Sabe, hoje, durante o dia, a sua filha foi contrariada. Quando
tentei falar com ela, deitou-se no chão, gritou, pontapeou, bateu. Digo-lhe
mais, a sua filha bateu-me. Contei até 1000 e quase que não me segurava!
Lembra-se da conversa que teve comigo em que me dizia, “não quero que a minha
filha seja um saco de boxe”. Eu pergunto-lhe, "Serei eu o saco de boxe da sua
filha?"
#umacaixacheiadenada
Rui
Que palavras tão sabias!
ResponderEliminarSempre que leio os seus textos revejo-me em cada palavra e não resisto, tenho mesmo que partilhar!
A cada dia que passa se torna mais difícil e ao mesmo tempo mais fulcral o nosso trabalho como educadores que somos, na sociedade em que vivemos.
Parabéns pelo excelente trabalho colega 😊
Muito Obrigado pela sua partilha e pelas suas palavras! São reflexões que considero pertinentes para todos os que se aventuram no mundo da educação É, de facto, uma profissão desafiante, e temos de ser exemplos, mostrar a importância que temos em tudo o que fazemos! Bom trabalho!
EliminarRui
Como sempre: palavras certeiras! Parabéns, Rui :)
ResponderEliminarEste texto é maravilhoso!
ResponderEliminarNão imagina o quanto me fez bem lê-lo, revejo-me em cada frase...e hoje foi um daqueles dias em que foi preciso respirar fundo e contar até 1000.
Mas motiva-me sobretudo aquela parte que diz "também há os que não se envolvem em pancada, e que, ao invés de se tornarem agressivos perante alguma contrariedade, falam, conversam, são crianças equilibradas, que não agem por impulsos agressivos, mas sim, por responsabilidade, por consciência, por respeito aos outros. É nisso que se acredita, é nisso que a educação se empenha… deveria ser nisso que as famílias se deveriam empenhar". Aqui sim, com todas as dificuldades que existem hoje em conseguir educar, tenho um filho de 6 anos que até ao momento todas as educadoras, auxiliares e até os pais das outras crianças que se cruzam no nosso caminho dizem que é educado e respeita os adultos e colegas.
O nosso trabalho de pais tem dado fruto (e estamos os dois a contar e a respirar fundo muitas vezes com as crianças da escola). No entanto, pela primeira vez este ano houve uma criança que lhe batia sempre que ía fazer xixi para ele sujar o chão. Foi difícil descobrir o porquê de durante+/-3semanas não querer ir à escola. Aqui tivemos de o fazer perceber que apesar de sempre o termos ensinado a ter respeito pelos outros, também tinha de ter respeito por ele próprio e que se a professora não valorizou o que o colega fez (deve ter pensado que foi só uma vez) ele teria de avisar o menino que se voltasse a acontecer ele ía fazer o mesmo. Foi difícil ele impor-se, mas no dia em que o fez vinha tão feliz, e agora quando lhe pergunto como correu o dia diz "bem mãe, já ninguém me bate". E a minha resposta foi "claro que não, não és nenhum saco de boxe, mas não te esqueças que se te voltarem a bater , bates também, tens de te defender e de ter respeito por ti próprio porque se tu não te respeitarem os teus colegas também não te vão respeitar".
Muito obrigada por esta partilha.