Não os proíbam de brincar, mas não sujem o cabelo e a roupa!

A temática do brincar tem sido algo bastante debatido. Associar o brincar ao espaço exterior torna-se uma ligação frequente em links partilhados, em imagens cheias de expressão, em frases cheias de sentimento, em práticas a saltar para fora da caixa. 

São esforços, tantas vezes, desvalorizados, para se tentar mostrar que a rua se torna uma verdadeira companhia de brincadeira.  

Mas, artigo após artigo, vamos repetindo argumentos com a esperança de que todos valorizem o brincar, de que todos valorizem o trepar árvores, o cair, o sujar e tantas outras experiências. 
Cai em saco roto. 

As práticas tornam-se desafiantes, ou pelo menos, partilha após partilha, leitura após leitura (quando nos damos ao trabalho de ler além do título) encorajamo-nos a mudar... movemo-nos pela mudança e, por escassos segundos, começamos a potenciar o espaço exterior e a projetar ideias e formas de levar os mais pequenos a aproveitar o espaço... ideias que se perdem e que se ficam pelas partilhas. 

Aplaudimos, de pé, cada partilha feita, cada palavra dita, cada valorização da infância. Mas, após o click de partilha e após demonstrarmos aos outros a nossa vontade por mudar, voltamo-nos a acomodar e a mantermo-nos imutáveis e com medo da mudança.

Certo é que, para mudar, é preciso saber porque se muda, porque se quer mudar e, com isso, saber  dizer o porquê de tal mudança, saber dizer o porquê de tantas aventuras dispostas a acontecer na rua. A rua, mesmo sem ser reconhecida, sem ser planeada, sem ser alvo de exploração pedagógica, não deixa de estar presente na vida diária das crianças, não deixa de ser um espaço de eleição para se poder ser criança, não deixa de ser o espaço onde o brincar assume a natureza clara das crianças e a sua fonte de criatividade, imaginação e de saberes. 

A rua é uma prática comum ou vai-se tornando, aos poucos. Muitos são os educadores que se aventuraram pelas sombras e pelo sol, pela chuva e pelo vento, pela relva e pelas pedras, pela aventura de brincar na rua, de potenciar este momento, este espaço, como sendo de tão grandioso valor. 
Haverá um tesouro maior do que este? 
Haverá um tesouro maior do que este, prestes a ser descoberto? 

Além de serem reconhecidas as potencialidades deste espaço, porque não o tornamos elemento integrante nas nossas práticas? O que nos impede de tornar a rua como um momento de brincadeira livre? 

Infelizmente, são práticas que, embora reconhecidas, assumem dificuldades de compreensão pelos outros, dificuldades de aceitação social, dificuldades de aceitação patronal. Os interesses desviam-se, de forma nítida, das reais necessidades. E, de um modo tão simples, critica-se quem o faz, quem se aventura e quem se digna a perder tempo de criar oportunidades no exterior! 

São práticas recorrentes, desafiantes, competitivas, mas ameaçadoras para o que é feito e para o que tem vindo a ser feito!

São práticas, ainda pouco claras, pouco esclarecedoras, pouco valorizadas. E, mais do que reconhecidas pelos educadores, difícil é, que pais, famílias, comunidade, reconheçam estas práticas como momento chave de aprendizagem; difícil é que visualizem a rua como um espaço cheio de competências escondidas em cada canto, prontas a explorar. 

A preocupação pelo cabelo sujo, porque se deitam no chão, a preocupação por terem a roupa suja ou, por vezes, rasgada, enquanto brincam, sobrevaloriza-se nas potencialidades do brincar na rua. 

Continuamos a assistir a verdadeiros desfiles de moda, com roupas pouco práticas, com vestuários pouco adequados que elevam a preocupação dos pais relativamente à sujidade... mas a verdade, é que a sujidade faz parte da infância, a erva faz parte da brincadeira e as aprendizagens são companheiras da aventura, dos desafios e das quedas.

Que desafios estamos dispostos a tomar? 
Que riscos estamos dispostos a correr perante a mudança? 

Que tempo conseguiremos "dispensar" para esta prática de rua, de sujidade, de desafios?
Que hábitos conseguiremos criar, se soubermos justificar a importância da rua?

Os joelhos vão esfarrapados, a roupa vai suja, as mãos ganharam nova cor, o cabelo é testemunha de que andaram a rebolar na erva, os sapatos perderam-se no meio da correria, as meias mudaram a cor, os sapatos ficaram cobertos de pó, a cara... a cara leva estampado um sorriso de orelha a orelha, de satisfação, de alegria... mais uma vez lhe digo, "Eu não os posso proibir de brincar na rua, por causa da sujidade da roupa e do cabelo!" 

Com tudo isto, e muito mais, ficarei feliz de responder, "leva todas essas recordações, mas fique feliz, porque são provas vivas de que estas crianças brincam na rua!"

#umacaixacheiadenada

Rui Inácio





  


Comentários

  1. É verdade Rui que este tipo de práticas pedagógicas ao ar livre vão tendo cada vez mais adeptos de bancada entre os profissionais de educação de infância mas depois em campo, o número reduz consideravelmente. Passei por situações de "troça" e de "cochicho" entre colegas e auxiliares quando levava as minhas crianças para espaços de relva e brincávamos com água e paus e elas se molhavam todas e soltavam gritos de alegria e depois, claro, vinha o imenso trabalho de ter de as secar e trocar de roupa. Sim, trocar de roupa pois muitas vezes tudo acontecia espontaneamente e não sabia que iriam descobrir uma mangueira e ...
    Dá trabalho, cansa, é certo! Mas ver o alto nível de bem-estar emocional que as crianças evidenciam é o indicador que precisamos para saber que estamos a agir de acordo com as suas necessidades. Quanto aos pais, além de um trabalho prévio de fundamentação da importância do brincar ao ar livre na natureza e da lembrança do direito dos seus filhos a serem felizes, é no final mostrar imagens e mais imagens dos momentos de brincadeira...e dizer: "Não se preocupe, a máquina de lavar roupa foi uma grande invenção!"

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    1. Foi sim uma grande invenção a máquina de lavar roupa... o dinheiro é que não...

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    2. Obrigado pelo seu comentário! É importante perdemos tempo para refletir acerca disto. DE facto, torna-se urgente permitir que isto aconteça, que brinquem... Se a máquina de lavar veio facilitar a vida das famílias, é uma verdade! Se o dinheiro se torna uma preocupação constante, mas para a escola, devem ir com roupas práticas, e os pais, devem estar derpertos para as práticas que valorizem o brincar e não, as que tendem a antecipar a escolarização! Obrigado!

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  2. Já li alguns textos seus, Rui, e devo dar-lhe os parabéns. Continue com força e motivação. É difícil combater o estatismo e os seus ignorantes seguidores, que não sabem o quê, nem o porquê de o sistema de "ensino" oficial ser como é.

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    1. Muit obrigado pelo seu comentário! É de facto difícil enfrentar tantos estigmas, tantas raízes que teimam em não desaparecer! Mas, considero extremamente importante alertar para estas questões, e acima de tudo, mostrar no que a sociedade se está a tornar! Obrigado pelo seu apoio, pelo seu comentário!

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  3. Estamos a tirar a infância às nossas crianças, sujar é tão bom... esta mãe escreveu isto à uns dias https://coconafralda.sapo.pt/brincaaaaaaar-2441281 e é tão verdade!

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  4. Descobri hoje este blog e subscrevo tudo o que disse. Não sou educadora mas sou mãe e todos os dias tentamos que a nossa filha brinque na rua. Suja-se muito, rebola na relva, na terra, deixamos que seja livre! No nosso grupo de amigos é a única a quem é dada essa possibilidade e sinto pena dos filhos dos meus amigos por não lhes ser permitido fazer o mesmo. Para mim é um stress quando saímos todos juntos porque estão sempre a repreender os miúdos, "não corram, não vão para a terra, cuidado com os sapatos". Eu respeito as opiniões alheias mas confesso que tenho alguma dificuldade em perceber o porquê de levarem uma criança para um parque e depois não lhe permitirem explorar o espaço.

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    1. Obrigado pelo seu comentário! Continue a agir da forma que considera correta, é a sua filha tirará o maior proveito, será ela a maior felizarda e, só por isso, valerá a pena! Muito obrigado!

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