Crianças a meio tempo... filhos a meio tempo!

Crianças a meio tempo, é um termo, cada vez mais, utilizado nos dias de hoje. É um termo este que se vai atualizando conforme as necessidades das famílias, das necessidades curriculares, das necessidades que refletem uma vontade de mudança social, baseada no sucesso e nos resultados, baseada nas decisões tomadas pelos ministérios, afastados das práticas e, tantas vezes, das necessidades reais dos alunos de hoje.

As preocupações centram-se nos interesses  dos adultos, afastados das realidades infantis, afastados dos propósitos da educação de infância, das verdadeiras necessidades da infância. São crianças a meio tempo envolvidas em todas as atividades que lhes preenche o tempo preciso, atividades que os afastam da sua atividade preferida, brincar.

As crianças a meio tempo são crianças que permanecem, eternamente, na escola, sem férias, sem tempo em família. São crianças prisioneiras de uma escolarização, em muitos casos, precoce, prisioneiras da falta de compreensão dos pais, dos assistentes operacionais, dos educadores, dos professores e dos animadores. São crianças prisioneiras que sofrem de falta de tempo para fazer o que mais gostam, brincar.

Estas crianças a meio tempo, sofrem de algo tão profundo que só mais tarde se entenderá. São crianças ocupadas pelas atividades diárias, semanais, que lhes tomam todo o espaço livre, tornam-se prisioneiras do seu calendário preenchido, prisioneiras de interesses que não são as suas. São crianças a meio tempo aprisionadas ao relógio que tende a não parar e as faz andar à velocidade do ponteiro dos segundos, tornando-os meros seguidores de ordens, guiados pelo tic-tac constante, aprisionados às agendas cheias de tempos ocupados, sem o tempo familiar, de relação, de criação de laços e de afetos.

São crianças a meio tempo, são filhos a meio tempo.

Ano após ano, as reclamações são inúmeras: ora os pais se queixam que as escolas fecham, ora os educadores se queixam que as crianças passam muito tempo na escola, sem aproveitar, sequer, férias em família. Seja que situação for, o objetivo da educação (dos pais, dos educadores) não é apontar os dedos, não é desresponsabilizar cada um do seu papel, mas sim, caminhar no mesmo sentido, em que, pais e educadores/professores, trilham caminhos cooperados, com o intuito do bem-estar dos alunos, dos filhos de alguém que não dos professores. E quanta preocupação recai sobre estes profissionais, quando verificam o estado de cada criança. Se em conversas formais, ou informais, as acusações rondam, “são pagos para isso”, “temos de trabalhar não podemos ficar em casa”, é de facto uma verdade, são preocupações acerca do bem-estar das crianças, acerca das crianças a meio tempo. A solução do tempo livre, “excessivo”, não passa por preencher os tempos livres com atividades, mas sim, com momentos em família que procurem preencher uma base importantíssima na vida das crianças, um pilar que, os educadores e professores, jamais poderão ocupar. Um pilar que fará a família olhar como orgulho como tempo dispensado em prol do crescimento harmonioso das crianças, baseado na partilha, no exemplo, no respeito, na dedicação ao outro.

Mas que se continuem a preencher os tempos livres em tempos cheios e sem espaço para aquilo que eles mais gostam; que se continuem a encontrar acusações pouco fundamentadas e que, visam, acima de tudo, o interesse dos pais e não das crianças. De facto, os professores e educadores acabam por se revelar como um pilar importante, pois são eles que, cada vez mais, passam mais tempo com os “filhos a meio tempo”, são eles que alertam os pais para problemas que, tantas vezes, os próprios pais não percebem que os filhos estão a passar. Se fosse esse tempo livre passado em família, de forma mais frequente, não seriam, os pais, sensíveis o suficiente para conhecer o verdadeiro estado dos filhos, sem terem de ser alertados por estes profissionais da educação? Certamente, que sim!

Este artigo não se trata de encontrar justificações, porque isso é o que todos nós sabemos fazer melhor, arranjar desculpas, ou acusações que não nos toquem, acusações que mudem a intenção/direção do problema.

Trata-se, apenas, de alertar para os papéis de cada um, para a importância do tempo das crianças, para a importância do brincar, em que, se devem sujeitar ao risco, às quedas, às sujidades, aos desafios, e não, torna-los seres indefesos e sem experiências. 

O tempo que teimamos em preencher com atividades leva-os a caminhar apressados, sem oportunidade de viver cada atividade que experimentam, leva a que saltem de atividade em atividade, sem encontrar uma que realmente lhes interesse, sendo desta forma, a desistência, a incapacidade de se centrarem numa capacidade e competência vivida como algo a aprofundar. Leva-os a viver aprisionados ao tempo e sem tempo para aquilo que é mais importante, a família. E, não é esse o tempo em família que se passa ao jantar o suficiente. Esse, é apenas uma parte do tempo que sobra, porque o restante tempo fora preenchido na agenda dos vossos filhos a meio tempo. 

A infância passa, o tempo corre e as experiências vividas em família tornam-se perdidas. Quando chegarem a outro ciclo, apontarão o dedo para a escola como falha, e não para a ausência de tempo dispensado no crescimento dos vossos filhos, porque, como dizia, torna-se mais fácil criticar as falhas dos outros do que as próprias falhas. 

Quão importante é esta partilha de informação entre pais e escola? Quão importante é o tempo que as crianças usufruem, a brincar, em família, tempo saudável e afastado de preconceitos e de estigmatismos?

Hoje em dia a competição é forte, qual é o filho que mais atividades desenvolve?  Qual é o filho que melhor atividades desenvolve? Mas a melhor questão é, qual é a importância que dão ao tempo do vosso filho, o tempo em família, o tempo em que o permitem brincar?

As crianças adaptam-se, as crianças tornam-se seres sem interrupções, seres sem tempo, insensíveis.

Ao longo do ano vão aproveitando o máximo de atividades que são disponibilizadas pelas escolas, que, já por si, assumem uma agenda preenchida e, em tempos de férias, as atividades aumentam, com o objetivo de dar resposta à necessidade da família. Mas é certo que, muitas são as que se desresponsabilizam e tornam esses momentos de férias familiares, em momentos escolares.

Sabemos as necessidades que as famílias de hoje em dia tem, mas, sabemos, também, que de um modo fácil se desresponsabilizam do seu papel. Torna-se curioso verificar que, tantas justificações surgem ao se falar em relação às crianças a meio tempo, aos filhos a meio tempo. Torna-se curioso entender quando referem que as crianças/filhos em tempo de férias sentem falta dos educadores, e que, por isso, não tem sentido “lógico” existir férias, porque eles sentem falta dos educadores. 

A pergunta é apenas uma, se as crianças sentem saudades dos educadores no tempo de férias, a justificação para resolver este "problema" é simples: deixam de existir férias! Será que as saudades que as crianças sentem no tempo de escola dos pais leva a que a solução deste "problema" seja: deixar de existir escola?

Lá se diz, “vale a pena pensar nisto”

“umacaixacheiadenada

Rui

Comentários

  1. Parabéns pela reflexão! Por vezes sinto que nós, Educadores de Infância, temos uma percepção do tempo completamente diferente do resto da sociedade... Temos o dever de demonstrar que existem outras formas de viver a parentalidade, outras formas de viver os tempos em família! Obrigada!

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    1. É mais uma reflexão, que carece de alguma sensibilidade para analisar caso a caso. A responsabilização familiar torna-se bastante pertinente, no sentido de, definir os papéis de forma clara para que, todos cooperem de acordo com as competências e com as responsabilidades de todos. Um desafio, pensar em conjunto, cooperar e agir! Obrigado pelo seu comentário!

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  2. Ainda bem que as crianças tem saudades da escola. So temos saudades dos que nos faz bem. Nos entanto, fazer bem nao significa ser a unica coisa necessaria na educacao das criancas. Tal como numa boa alimentacao, tambem na educacao tudo deve ser com conta, peso e medida. Sabemos pela roda do alimentos que existem alimentos que devem ser ingeridos em maior quantidade. Na educacao de uma crianca pequena esses serao a familia! Pela experiencia que tenho como educadora ha 18 anos custa me assistir a crescente falta de disponibilidade para estar e educar as criancas por parte das familias muitas vezes escondidas em argumentos e frases feitas:hoje em dia nao ha tempo! Quando na grande maioria das vezes sabemos que nao e assim...muitas vezes nao ha vontade.Muitas sao as vezes que os pais estao de ferias e as criancas na escola. Lamento pelas criancas...

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    1. É de facto uma temática sensível e que requer a nossa inteira atenção, de educadores, de pais, de todos os intervenientes. Hoje em dia, as dificuldades familiares tornam-se moldadas pelas obrigações profissionais e, sem dúvida, os principais afetados acabam por ser as crianças. A importância desta temática leva a que se relembre, de forma constante, a importância de papéis, a cooperação entre todos e o respeito por cada envolvido. Obrigado pelo seu comentário!

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  3. Fui trabalhadora-estudante durante 3 anos. Tinha a minha filha 3 anos.
    Falta de tempo? Muita!
    Difícil? Imenso!
    Mas o lado positivo de algo difícil é que não significa que é impossível.
    É mais fácil arranjar uma desculpa do que uma solução...
    Como disse: "Vale apena pensar nisso"

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    1. Dou-lhe os parabéns por esse esforço acrescido e tão valorizado! De facto o tempo torna-se preciso, o texto tende acima de tudo, a fazer pensar, sejamos nos educadores, pais, assistentes, ... É uma temática que carece de atenção. Uma reflexão conjunta. Obrigado pela sua partilha, obrigado pelo seu esforço, a sua filha agradece esse esforço, e acima de tudo, reconhecerá essa vontade que lhe demonstrou, essa vontade de querer mais e de lhe mostrar que não há impossíveis! Muito obrigado!

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